Pular para o conteúdo principal

Milhões de australianos se afastam da Igreja Católica com raiva e nojo

Envolvimento da mais alta
autoridade católica do país
 com abuso de criança deixou
 as pessoas perplexas


por Brigid Delaney
para The Guardian

[opinião] Vamos nos tornar uma nação que se afastou da Igreja? Uma nação que rompeu com ela? Ou uma nação que permaneceu nela?

Há poucas maneiras pelas quais você pode perder a sua religião — em uma lenta deriva, em que o tempo entre a frequência na missa e em sacramentos como a confissão torna-se cada vez mais longo, até que você não pode mais se dizer, em boa-fé, um membro do rebanho. E, então, há um evento real, em que algo acontece, e você se dá conta de que não pode continuar apoiando a instituição que infligiu tanta dor.

Para muitos, esse momento de ruptura ocorreu com as sentenças contra George Pell e durante a Comissão Real que ouviu os testemunhos de sobreviventes de abuso sexual clerical.

Os efeitos-cascata da Comissão Real e dos julgamentos de Pell se espalharam para além dos sobreviventes chegando até quem se identifica como católico. Na Austrália, somos muitos — mais de cinco milhões de pessoas.

O que nós — os não abusados, mas enojados, confusos ou desconfiados — podemos fazer com a nossa esfarrapada Igreja?

Os últimos anos, que foram difíceis para a Igreja na Austrália, obrigaram muitos de nós a considerar algumas perguntas: o que isso faz com a minha fé agora que eu sei que a instituição protegeu padres pedófilos e os transferia para outras paróquias? O que significa para mim como católico se o padre de mais alto escalão da Austrália está preso por molestar meninos? Devo criar meus filhos na fé católica? E essas coisas que degradaram a Igreja degradam também a minha fé?

O julgamento de Pell dominou as conversas que tive com amigos e familiares em um grau surpreendente nos últimos 12 meses.

Cada pessoa teve que acomodar as descobertas da Comissão Real e as sentenças contra Pell em sua própria relação com a Igreja Católica. Cada católico teve que fazer o seu próprio acerto de contas.

A narrativa pública em andamento — uma espécie de narrativa das guerras culturais entre a esquerda e a direita — não faz nenhuma justiça a esses acertos de contas privados. Os ajustes e a crise de fé que as pessoas experimentaram após os vereditos são muito sutis, pessoais e difusos para caber em um binário esquerda/direita.

Entre as pessoas que conheço, uma revisão da relação com a Igreja Católica pode gerar respostas tão diversas quanto a rejeição das descobertas do júri e do apelo aos juízes — e à crença de que há uma conspiração papista —, até o abandono absoluto da Igreja e a saída em desgosto.

Sem exceção, descobri que, se a sua fé estava latente há um bom tempo, as sentenças contra Pell foram a força de extinção.

Somos um país católico, ou pelo menos culturalmente católico, e muitos de nós cresceram com um conhecimento mais íntimo de uma espiritualidade importada de Roma e da Irlanda, em vez de um conhecimento da profunda espiritualidade secular e das histórias das terras roubadas em que vivemos.

Para aqueles como eu, que já estavam se afastando da religião, os últimos anos de julgamentos da Igreja transformaram a ambivalência em raiva e nojo, mas também em algo mais complicado.

Abandonar a própria religião pode nos deixar com um vazio, especialmente se crescemos nos marinando nas crenças e rituais da Igreja (as estações da cruz e a abstinência da Sexta-Feira Santa, a austeridade da Quaresma e a antecipação do Advento, uma novena se alguém morresse, terços como presentes de aniversário e frascos de água benta que um peregrino local trouxe para você de Lourdes, a escolha de um nome de confirmação e um vestido de comunhão).

Há coisas que podemos sentir falta — a missa da meia-noite na véspera de Natal, alguém por quem rezar, o poder purificador da confissão, a promessa da vida eterna e o fato de que ninguém realmente morre, porque você o verá no céu (desde que você seja bom).

Mas não era apenas o material adocicado que importava. Um calendário cristão aprendido desde cedo também pode ser, se usado em seus elementos alegóricos, uma boa preparação para a vida. Nele, há uma temporada de sofrimento e dor — a Bíblia está cheia de sangue, de dor e de perdas. Você precisa saber dessas coisas para não ser surpreendido quando o sofrimento surgir.

E, no Novo Testamento e através da figura de Jesus, há um modelo extraordinário de como ser uma boa pessoa e levar uma vida decente.

“Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram” continua sendo uma das declarações mais radicais já feitas por uma figura pública. Como o mundo seria diferente se pudéssemos viver isso.

No entanto, como medimos tudo isso com o mal provocado contra crianças em confessionários, sacristias e casas paroquiais em todo o país?

O que está acontecendo em toda a Austrália agora é um acerto de contas de uma nação católica com os pecados da Igreja. 

Está acontecendo nas nossas cabeças, corações e almas — se ainda acreditamos nelas. O processo costuma ser profundamente sentido e estranhamente emocional. Mas o seu resultado (o resultado líquido desses milhões de acertos de contas individuais e privadas) também é motivo de preocupação nacional.

Vamos nos tornar uma nação que se afastou da Igreja? Uma nação que rompeu com ela? Ou uma nação que permaneceu nela?

Como tradução de Moisés Sbardelotto para IHU Online. O título original do texto, em português, é
''Perdendo a religião': após a sentença de Pell, um conflito para os católicos".



Só na Austrália, padres abusaram de 4.000 crianças de 1980 a 2015

Padres da Austrália se recusam a quebrar sigilo para denunciar pedófilos

Vítimas de padres pedófilos da Austrália recebem US$ 276 mi

Cantor de mega-igreja cristã da Austrália se liberta da fé





Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Jornalista defende liberdade de expressão de clérigo e skinhead

Título original: Uma questão de hombridade por Hélio Schwartsman para Folha "Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos"  Disputas eleitorais parecem roubar a hombridade dos candidatos. Se Fernando Haddad e José Serra fossem um pouco mais destemidos e não tivessem transformado a busca por munição contra o adversário em prioridade absoluta de suas campanhas, estariam ambos defendendo a necessidade do kit anti-homofobia, como aliás fizeram quando estavam longe dos holofotes sufragísticos, desempenhando funções executivas. Não é preciso ter o dom de ler pensamentos para concluir que, nessa matéria, ambos os candidatos e seus respectivos partidos têm posições muito mais próximas um do outro do que da do pastor Silas Malafaia ou qualquer outra liderança religiosa. Não digo isso por ter aderido à onda do politicamente correto. Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos. Acredito que clérigos e skinheads devem ser l

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias