Paulo Lopes / Notas de confinamento No começo da quarentena, a minha filha Paula disse que eu não teria dificuldade com o isolamento social porque sou naturalmente recluso.
É verdade. Talvez por ser um “idoso com comorbidade”, para usar um termo do dicionário da pandemia, a minha percepção do passar do tempo se aguçou e eu tenho procurado fazer o que mais me agrada e ficar com quem mais gosto.
'NUNCA MAIS' |
O que mudou na quarentena é que o meu dia-noite ficou bagunçado.
Não tenho hora para dormir, acordar, tomar café, almoçar e jantar. Me perdi no calendário.
Outro dia (ou noite), ao acordar, perguntei para minha mulher se era quinta, segunda ou sábado.
Foi uma brincadeira minha, porque, nestes dias de peste, não faz a mínima diferença saber em que dia estamos, pelo menos para mim, embora me permaneça a sensação de que o tempo está se esvaindo cada vez mais rápido.
Diante de tantas pessoas morrendo, a ponto de não haver caixões para todas, acordar, não importa em que horário, já é bom.
Tenho insônia e, com frequência, pesadelos, que parecem tão verdadeiros quanto a realidade da consciência.
Ultimamente, os meus piores pesadelos ocorrem quando estou acordado, ao saber da devastação emocional que a pandemia está causando em muitas pessoas.
Tem gente que não está podendo velar o corpo da mãe ou pai ou filho que foi pego pelo vírus, porque o sepultamento tem de ser rápido. É cruel.
Um pouco antes da quarenta, eu e minha filha Júlia conversamos sobre Edgar Alan Poe — escritor que penetrou como ninguém na amargura imensa que pode conter na existência de uma pessoa.
Falamos, claro, sobre o “O Corvo”, um poema que parece que Poe escreveu ontem, nestes dias de peste.
Um trecho do poema diz:
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado, Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
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