Pular para o conteúdo principal

Abusos de poder de candidatos religiosos tendem a aumentar nas eleições municipais

Mariama Correia | Agência Pública  Púlpitos não podem ser usados como palanques. É o que diz a legislação eleitoral (Lei 9.504/97), que proíbe propaganda de candidatos dentro de igrejas e templos religiosos no Brasil. 

Esses espaços são classificados como bens de uso comum, assim como cinemas, ginásios e estádios. Por isso, quem pede voto durante atos religiosos – de qualquer religião – pode ser punido com multas de R$ 2 mil a R$ 8 mil.

Como a lei não reconhece o abuso de poder religioso – a criação dessa tese foi defendida pelo ministro Edson Fachin, do STF (Superior Tribunal Federal), mas foi derrubada pela maioria dos magistrados – situações onde candidatos usam a religião para conseguir votos, e que ultrapassam o escopo da propaganda irregular, têm sido enquadradas pela Justiça Eleitoral como práticas de abuso de poder econômico ou político.

Os abusos podem ser punidos com cassação do mandato ou da candidatura. Mas nem sempre isso acontece. Nas últimas eleições a Justiça Eleitoral recebeu mais de 200 denúncias de propaganda religiosa irregular, algumas delas relacionadas à campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A maioria das denúncias foi arquivada.

Apesar da impunidade, a tendência é que a Justiça Eleitoral receba mais denúncias desse tipo durante as eleições municipais, na opinião do advogado eleitoral Fernando Neisser. Ele conversou com a Agência Pública sobre limites e punições para campanhas políticas dentro de templos.

Durante as campanhas é comum ver candidatos visitando templos e fazendo reuniões com líderes religiosos. E, com as restrições para eventos impostas pela pandemia, a gente imagina que atividades religiosas – incluindo celebrações online e presenciais – podem se tornar palanques ainda mais disputados pelos candidatos este ano. Em termos de campanha política, o que de fato é permitido ou não em um templo religioso?

A legislação diz que não pode fazer propaganda eleitoral em espaços de uso comum. Isso engloba teatros, cinemas e também templos religiosos. O pastor falar no púlpito sobre um candidato, por exemplo, é propaganda irregular, é proibido. O mesmo artigo que proíbe isso, também proíbe de botar santinhos nos balcões da padaria ou do cinema. É uma irregularidade punida com pagamento de multa e proibição. Além das irregularidades, a lei ainda prevê situações de abuso.

As irregularidades são punidas com multas, como disse, e os abusos, que são mais graves, podem gerar a cassação do mandato ou da candidatura. 

Como o abuso de poder religioso ainda não é previsto, a lei pune abuso de poder político, econômico e o uso indevido de meio de comunicação social. As ações judiciais sobre esses abusos são mais complexas, levam mais tempo. Também são mais subjetivas, porque partem de um conceito aberto.

Você pode especificar melhor quais são os critérios para enquadrar como abuso o uso da religião para ganhar votos?

Caracteriza abuso de poder econômico, por exemplo, o uso abusivo de dinheiro da instituição religiosa ou de meio de comunicação ligado a essa instituição. Como disse, existe muita subjetividade. Não tem um marcador financeiro, uma regra que diga que a partir de determinado valor caracteriza abuso de poder econômico. Precisa ser “grave”, o que é outro conceito subjetivo. Isso faz com que as situações sejam avaliadas caso a caso pela Justiça Eleitoral.

O fato do abuso de poder religioso não ser previsto na legislação atrapalha o julgamento dos casos?

Sempre se tentou encaixar os casos envolvendo religião em situações tradicionais de abusos. Por exemplo, uma igreja que usa uma rádio religiosa para fazer campanha poderia ser enquadrada como uso indevido de meio de comunicação social. Uma igreja que faz um jantar para promover campanha de político poderia ser enquadrada em abuso de poder econômico.

Nos últimos anos, quando os religiosos passaram a ter uma atuação mais intensa na política partidária, começou a ser discutido o abuso de poder religioso puro. O mero fato de alguém abusar de uma posição de autoridade religiosa poderia ser suficiente para causar a cassação do mandato ou da candidatura. O ministro do STF, Edson Fachin, entendeu que quando a lei fala de abuso de autoridade ela não estaria se limitando ao poder político, mas essa tese, por hora, não foi suficiente para os magistrados.

Então, a jurisprudência é: uma propaganda feita dentro de igreja é proibida, mas se não tiver envolvimento de meios de comunicação, recursos financeiros em grande quantidade, não caracterizaria abuso, ou seja, não levaria à cassação de candidaturas.

Essa subjetividade atrapalha a punição? Por exemplo, nas últimas eleições, a maioria das mais de 200 denúncias de campanhas em templos foi arquivada pela Justiça Eleitoral. Houve alguma mudança na legislação, desde a última eleição, para que possamos esperar outro cenário este ano?

Não há nenhuma mudança, a legislação é a mesma. O maior empecilho que se tem é que na maioria das vezes as condutas ilegais são escondidas. As pressões tendem a acontecer de forma mais oculta. Quando um líder religioso pede votos para um candidato no meio de uma cerimônia religiosa, é mais fácil de gravar, de denunciar. O que geralmente ocorre é uma abordagem mais velada.

Quando a gente fala da questão religiosa, existe uma pressão social do grupo onde a pessoa está inserida para que não denuncie. Muitas vezes a pessoa é pressionada, existe uma barreira social. Porém, as situações devem ser denunciadas para que sejam punidas.

Você acha que a legislação eleitoral está defasada para punir as irregularidades que vemos hoje?

O tema é complexo. Por exemplo, em seções eleitorais indígenas, é comum que se tenha debates em aldeias e o cacique determine quem é o candidato a ser apoiado.

Claro que a autoridade do cacique não é eletiva, mas a autoridade dele é reconhecidamente forte. Então é um tema complexo, não inclui apenas pastores e padres. 

Já se está falando de abuso de poder algoritmo nas plataformas de internet. Nesses casos, se você tem muitos recursos financeiros envolvidos em uma ação online, dá pra encaixar com abuso de poder econômico, mas se não há, como você trata? Não pode ser abuso de meio de comunicação social, porque só se enquadram rádios e TVs.

O mundo moderno trouxe novas formas de influenciar e o processo eleitoral não acompanhou essas mudanças.

Este ano, considerando essa realidade de falta de punição e os entraves que você apontou, devem chegar menos ou mais denúncias à Justiça Eleitoral?

As eleições municipais devem gerar mais denúncias porque a pequena liderança religiosa local muitas vezes não está vinculada a debates políticos nacionais, mas está muito aos locais. Não tenho dúvida que vai ter mais, mesmo com todos os entraves para punição dos casos.

Fernando Neisser:
processo eleitoral não
acompanhou as mudanças


Esse texto foi publicado originalmente no site da Agência Pública com o título Denúncias de campanha em templos e igrejas devem aumentar nas eleições municipais, diz advogado eleitoral. A foto é de arquivo pessoal.

Tribunal rejeita punição para abuso de poder religioso nas eleições

Eleição 2020 bate recorde de candidatos sacerdotes; pastores da Universal se destacam

Fiéis da Universal são suspeitos de terem manipulado eleição do Conselho Tutelar

Pregação criacionista abre evento científico da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

Fundamentalismo religioso de Bolsonaro é pior que o da Idade Média, diz Roberto Freire

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Psicóloga defende Feliciano e afirma que monstro é a Xuxa

Marisa Lobo fez referência ao filme de Xuxa com garoto de 12 anos A “psicóloga cristã” Marisa Lobo (foto) gravou um vídeo [ver abaixo] de 2 minutos para defender o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) da crítica da Xuxa segundo a qual ele é um “monstro” por propagar que a África é amaldiçoada e a Aids é uma “doença gay”. A apresentadora, em sua página no Facebook, pediu mobilização de seus fãs para que Feliciano seja destituído da presidência da Comissão de Direitos Humanos e das Minorias da Câmara. Lobo disse que “monstro é quem faz filme pornô com criança de 12 anos”. Foi uma referência ao filme “Amor Estranho Amor”, lançado em 1982, no qual Xuxa faz o papel de uma prostituta. Há uma cena em que a personagem, nua, seduz um garoto, filho de outra mulher do bordel. A psicóloga evangélica disse ter ficado “a-pa-vo-ra-da” por ter visto nas redes sociais que Xuxa, uma personalidade, ter incitado ódio contra um pastor. Ela disse que as filhas (adolescentes) do pastor são fãs

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias