Pular para o conteúdo principal

Bolsonarista, prefeito de Mirandópolis distribui 'kit Covid' contra 'vírus chinês'

Seguindo a cartilha de Bolsonaro, o mandatário de Mirandópolis incentivou a população a descumprir medidas de distanciamento em meio à pandemia, tornando-se alvo da Promotoria da cidade.

Rafael Oliveira | Agência Pública   "Aqui estamos vencendo o vírus chinês”, diz o tweet fixado no perfil de Everton Sodário (PSL), prefeito da pequena Mirandópolis (SP), a quase 600km da capital. 

A receita milagrosa de Sodário para derrotar a pandemia de coronavírus? A distribuição de um “kit Covid”, que inclui hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina, vitaminas C e D, além de zinco — todos comprovadamente ineficazes para combater a Covid-19 e todos comprados pela prefeitura com dinheiro público.

Nenhum dos medicamentos que compõem o “coquetel” tem aval da Organização Mundial da Saúde (OMS) ou chancela da comunidade internacional, além de apresentarem possíveis efeitos adversos. Em informe de 17 de julho, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) afirmou ser urgente e necessário que a utilização da hidroxicloroquina “seja abandonada no tratamento de qualquer fase da Covid-19”.

Segundo o boletim divulgado pelo município em 8 de outubro, a cidade acumula 422 casos e oito mortes por coronavírus, metade delas após o início da utilização do “kit Covid”, que, de acordo com o mandatário, produziu “reduções significativas nos números de internações e óbitos”. 

Os números são diferentes dos disponíveis na plataforma do Ministério da Saúde, que fala em 383 casos e nove óbitos no pequeno município de cerca de 30 mil habitantes.

Autodeclarado “cristão, direitista, conservador, bolsonarista, capitalista e anticomunista”, Sodário foi alçado ao poder municipal em eleição suplementar realizada em setembro de 2019, após a cassação da chapa que governava a cidade devido à rejeição das contas do vice-prefeito. 

No ano anterior, Sodário tentara uma vaga como deputado estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo. Não teve sucesso, mas conseguiu emprego no gabinete do deputado federal bolsonarista Coronel Tadeu (PSL-SP), de onde saiu para disputar a prefeitura de Mirandópolis. Em 2020, ele tenta a reeleição.

Em uma cidade onde parcela significativa da população se identifica com o bolsonarismo – 68,3% dos habitantes de Mirandópolis votaram em Bolsonaro no primeiro turno de 2018 –, Sodário foi eleito mimetizando pautas e o discurso do “capitão”, com quem jantou duas semanas antes do pleito suplementar, no ano passado. 

Em suas páginas nas redes sociais, Sodário compartilha fotos com armas e com a bandeira de Israel, exalta o presidente americano Donald Trump, critica João Doria pelos decretos de distanciamento social e posta vídeos em manifestações de apoio ao “mito”, se autointitulando como o “Bolsonaro caipira”.

Na pandemia, não foi diferente: o prefeito de Mirandópolis também vem seguindo à risca a narrativa bolsonarista. Em 25 de julho, anunciou que havia tomado uma dose preventiva de hidroxicloroquina contra o “vírus chinês” – apesar de diversos estudos que seguem as regras estabelecidas pela comunidade científica comprovarem a ineficácia da prática – e afirmou preferir “continuar com a Cloroquina do que tomar a vacina chinesa do DitaDória”. 

Nos comentários da publicação com doses de xenofobia, as teorias da conspiração contra a China se proliferam: “a vacina chinesa não tomaremos de jeito nenhum, deve estar infectada, como os testes que a China vendeu para a Espanha”, diz um; “essa vacina é um vírus chinês tipo um chip não é uma cura de jeito nenhum”, afirma outro.

“Kit Covid” quase mata moradora

Em sua defesa da hidroxicloroquina, Sodário não ficou somente nas palavras. Em 17 de maio, logo após o então ministro da saúde Nelson Teich pedir demissão por não concordar em recomendar os remédios que não têm eficácia comprovada, o prefeito de Mirandópolis anunciou que o município passaria a adotar os medicamentos contra o “vírus chinês”.

No dia 22, dois dias depois do Ministério da Saúde autorizar o uso do medicamento para tratar casos leves e graves de Covid-19, Sodário fez um vídeo anunciando a autorização de compra de hidroxicloroquina pela prefeitura.

No mês seguinte, anunciou a criação de kits com os medicamentos. A compra dos remédios ineficazes para combater a Covid-19 recebeu aplausos do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente, via Twitter.

Médico, o vereador de Mirandópolis Carlos Weverton Sanches (Podemos-SP) critica a aposta em remédios que são comprovadamente ineficazes, de acordo com a comunidade científica.

“A minha opinião, tanto como médico quanto como político, é de que não funciona, mas infelizmente algumas pessoas fazem política com essa droga. Isso causa nas pessoas uma falsa impressão de segurança, que faz com que elas saiam para a rua, quando elas deveriam procurar se isolar o quanto mais pudessem, lavar as mãos, usarem máscara, que são as medidas que nós sabemos que realmente são eficazes”, pondera o político.

A distribuição do “kit Covid” é feita em postos de saúde do município para todos aqueles que apresentarem sintomas da Covid-19 e aceitarem utilizar os medicamentos, mesmo sem que a infecção pelo coronavírus esteja comprovada por testes. Foi assim que uma moradora de Mirandópolis “quase morreu”, após a utilização do coquetel de medicamentos.

No final de agosto, sofrendo com fortes dores de cabeça, Mara* buscou um hospital da cidade. Lá, sem realizar teste para a doença, foi diagnosticada com Covid-19 e recebeu um “kit Covid”.

“Fiquei em isolamento, longe da minha família, longe dos meus vizinhos, longe do meu convívio, não podia nem ir na igreja cultuar”, conta a mulher em uma live publicada em seu perfil no Facebook. 

“Esperei uns dias e procurei o postinho aqui no meu bairro, porque os remédios que me passaram pareciam que estavam triturando meus órgãos por dentro. Eu comecei a sentir muita dor, muita ânsia de vômito, passei muito mal, inclusive fui socorrida pela ambulância do município. Chegando no hospital na ala do Covid, a médica que me atendeu suspendeu toda a medicação”, relata. A moradora de Mirandópolis preferiu não ser identificada e não quis dar entrevista à reportagem, mas autorizou que suas falas na transmissão ao vivo fossem utilizadas.

Na live, Mara diz que, após interromper a utilização do “kit Covid” no terceiro dia, os sintomas melhoraram. Dias depois, a moradora de Mirandópolis realizou teste de anticorpos para a doença e constatou que nunca havia sido infectada pelo novo coronavírus. “Se eu concluo os 5 dias de tratamento não estaria aqui falando com vocês [na live], porque eu passei muito mal. Não desejo pra ninguém”, diz.

Para o vereador e médico Carlos Weverton, ao levar para o “palco da política” uma questão tão séria quanto um vírus, as pessoas acabam divididas. 

“Tem pessoas que acreditam que funciona, porque hoje o chefe do maior poder na cidade, que é o prefeito, é a favor da cloroquina. Eu acho que se aproveita muito desse momento crítico – onde as pessoas estão preocupadas, estão mais sensíveis e querem se apegar a alguma coisa que lhes passa mais confiança, lhes passa mais tranquilidade – para se fazer política com isso”, afirma o médico.

“DitaDoria”

Tal como o ocupante do Palácio do Planalto, o bolsonarista que comanda Mirandópolis também apontou suas armas para um inimigo em São Paulo: o governador João Doria. Desde o começo da pandemia, quando o comportamento de Doria começou a destoar da retórica de Bolsonaro, com a defesa de medidas de distanciamento social, Everton Sodário passou a disparar contra o tucano. Em um post, o prefeito posa com máscara estampada com a hashtag #ForaditaDória!!!. Em outro, critica a “tirania” do “desgovernador”, que à época manteve a região onde fica Mirandópolis na fase vermelha, a mais restritiva do Plano São Paulo, que organiza a retomada das atividades no estado.

Em pelo menos três oportunidades, Sodário tentou driblar ou derrubar as medidas estaduais de combate ao novo coronavírus. Em 6 de abril, publicou decreto promovendo a reabertura do comércio da cidade, mesmo que, no estado, a recomendação fosse pela manutenção das medidas de distanciamento. Pressionado, recuou dois dias depois, suspendendo o decreto. 

No mesmo dia, porém, impetrou mandado de segurança no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) pedindo a suspensão ou a flexibilização do decreto de Doria que prolongava a quarentena no estado até 22 de abril. O pedido foi negado pelo TJ-SP.

Na mesma época, a Promotoria de Justiça de Mirandópolis, que faz parte do Ministério Público estadual, emitiu recomendação ao prefeito, solicitando que ele interrompesse publicações nas redes sociais que fossem contrárias ao decreto estadual de quarentena ou que incitassem a população a descumprí-lo. 

Para os promotores responsáveis pela ação, as postagens de Sodário “ultrapassam o exercício do direito de liberdade de expressão”. Apesar disso, o prefeito de Mirandópolis continuou criticando as medidas de isolamento de Doria e passou a criticar também o Ministério Público..

A despeito da recomendação da Promotoria – e das orientações do governo estadual e da Organização Mundial da Saúde –, o prefeito tentou novamente flexibilizar a quarentena na cidade via decreto, no início de junho. A tentativa foi novamente barrada pela Justiça, que estabeleceu multa de 10 mil reais em caso de descumprimento por Sodário.

A Agência Pública buscou um posicionamento do gabinete do prefeito Everton Sodário, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.




Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Psicóloga defende Feliciano e afirma que monstro é a Xuxa

Marisa Lobo fez referência ao filme de Xuxa com garoto de 12 anos A “psicóloga cristã” Marisa Lobo (foto) gravou um vídeo [ver abaixo] de 2 minutos para defender o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) da crítica da Xuxa segundo a qual ele é um “monstro” por propagar que a África é amaldiçoada e a Aids é uma “doença gay”. A apresentadora, em sua página no Facebook, pediu mobilização de seus fãs para que Feliciano seja destituído da presidência da Comissão de Direitos Humanos e das Minorias da Câmara. Lobo disse que “monstro é quem faz filme pornô com criança de 12 anos”. Foi uma referência ao filme “Amor Estranho Amor”, lançado em 1982, no qual Xuxa faz o papel de uma prostituta. Há uma cena em que a personagem, nua, seduz um garoto, filho de outra mulher do bordel. A psicóloga evangélica disse ter ficado “a-pa-vo-ra-da” por ter visto nas redes sociais que Xuxa, uma personalidade, ter incitado ódio contra um pastor. Ela disse que as filhas (adolescentes) do pastor são fãs

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias