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Justiça de São Paulo julga como se fosse Corte de Inquisição de Quarteirão

Luís Francisco Carvalho Filho | Folha de S.Paulo   Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo proibiu a entidade “Católicas pelo direito de decidir” de usar a expressão “Católicas” em seu nome.

A decisão judicial (com mais de 60 laudas) pode ser reformada pelas instâncias superiores, mas é um pequeno escândalo político — outro retrato constrangedor de um país que se desmancha diante de nossos olhos.

Por defender a legalização do aborto, a ONG fundada em 1993 e presente em diversos países, deve “adequar” seus estatutos sociais, sob pena de multa diária de R$ 1.000.

Não se trata de um triunfo conservador legítimo. É abuso de poder. A liberdade de expressão e o direito de se associar são jogados na lata do lixo.

É como se o Poder Judiciário tivesse legitimidade de impor à pessoa (jurídica ou física, não importa) um mandamento religioso: Você não pode se declarar católico se você é a favor do aborto. Como assim? Você pode usar qualquer outra palavra (veja como sou liberal, desde que você não viole “direito de terceiros”, evidentemente), mas você não pode tornar pública a sua crença.

O tribunal desenvolve um ensaio perigoso de tolerância fake no momento de sentenciar: Você pode dizer que é mulher, que é feminista, mas você não pode dizer que é também católica.

Não é relevante investigar o rigor teológico da entidade atingida pela decisão judicial: o gesto é autoritário. Decisão tomada por homens sobre o jeito de mulheres se definirem, o gesto é também essencialmente machista.

O Tribunal de Justiça fala em “moral”, “bons costumes”, “ordem pública”, “boa-fé”, “transparência” (termos mais adequados para, por exemplo, tratar do auxílio-moradia) quando declara a “notória ilicitude” do uso da expressão “católicas” por entidade que, por defender o direito da mulher interromper a gestação (ainda que nos casos já previstos no Código Penal, como o estupro), “combatem” dogmas católicos.

O autor do pedido da esdrúxula intervenção judicial é o “Centro Dom Bosco”, entidade carola e arcaica, “defensora da fé”, formada por “soldados de Cristo”, inimiga declarada do Supremo Tribunal Federal e de pautas progressistas concebidas para destruir as famílias e a sacralidade da vida humana. No ano passado tentou obter a censura judicial do episódio de Natal do canal de humor Porta dos Fundos, construído em torno de um Jesus homossexual.

Ao acolher esta litigância de má-fé (no sentido religioso do termo), contrária à vigência plena das garantias asseguradas pela Constituição de 1988, os juízes agem como ridículos e extemporâneos inquisidores de quarteirão.

A Justiça de São Paulo, o mais rico e populoso estado da federação, nos remete para o século 19, quando a religião era matéria de Império e de Estado, sendo inaceitável negar dogmas da religião católica, zombar dos seus santos ou formular doutrinas para “destruir as verdades fundamentais da existência de Deus e da imortalidade da alma”.

Além de usurparem uma suposta autoridade eclesiástica que a magistratura não lhes confere (a associação de pessoas católicas e favoráveis à tese do aborto seria contra o Direito Canônico), os desembargadores se arvoram em senhores do bem e do mal: não interessa “a quem quer que seja” a existência de grupo com nome que não corresponda a sua autêntica finalidade.

É mais um componente espantoso da distopia errante, obscurantista e mulambenta que o governo Bolsonaro faz emergir.

'A Justiça nos
remete para
o século 19'

O autor do texto é advogado criminal. 

Líder religiosa pagava quem trabalhava em sua empresa com promessas de salvação



Comentários

SE fosse "católicas DA IGREJA DE ROMA", ou "católicas apostólicas romanas" (marca registrada?), ou "católicas da ICAR" faria sentido. Mas elas utilizam denominação "genérica de católicas".
Espero que elas façam protesto contra tal decisão além de recorrerem, até por violação de Direitos Humanos em liberdade de manifestação e mesmo "fé genérica de uma religião" ou algo assim, pois a questão laica é que está sendo violada mais uma vez.
Adendo: pessoas muito religiosas... Será que algumas vão ter mais um incentivozinho para vierem para "nosso lado" ateísta? Infelizmente não costumam vir, a maioria tem fé demais, capaz de seguir sua mesma fé ou até mudar para outra parecida, como da IEAB, ou até mais diferente...
Rigorosamente alguém é católico, porque foi batizado, e uma vez católico, sempre católico, conforme diz o brocardo latino: semel catholicus, semper catholicus, mesmo que a pessoa enverede para a heresia, o cisma ou apostate da fé. Ou seja, as católicas pelo direito de decidir mesmo que estejam excomungadas por defenderem o aborto, mas continuam católicas, ainda que não em comunhão com a Sé de Pedro.

Então, sendo rigoroso, nem mesmo teologicamente é possível aceitar que alguém, um grup0, no caso, não possa dizer-se católico se tal pessoa ou grupo alguém que é católico, de fato, porque batizado, ainda que em pecado grave ao ponto da excomunhão por defender o aborto.

A Santa Inquisição com todos os seus rigores e injustiças, mas não permitiria uma tal injustiça cometida por esse tribunal de um grupo ou um indivíduo regulamente batizado não pudesse dizer-se católico junto com sua associação de pessoas igualmente batizadas. Falta aos juízes e aos integrantes do grupo sectário e fanático Centro Dom Bosco, estudarem melhor o Catecismo.

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