Túlio Vianna | advogado criminalista A blasfêmia é um insulto a Deus e, como tal, é considerada um pecado gravíssimo na maioria das religiões.
Os cristãos são mais tolerantes com a blasfêmia que os muçulmanos. Nem o mais fundamentalista dos bispos ousaria vir a público, nos dias de hoje, pedir a morte de alguém por uma caricatura de Jesus Cristo.
A crítica científica, artística ou religiosa, mesmo quando grosseira e áspera, está amparada pelo direito constitucional à liberdade de manifestação de pensamento. A Constituição não condiciona o exercício do direito de crítica e de sátira à polidez.
Um jovem que professe uma religião e que seja diariamente zombado por seus colegas, por conta de suas crenças, está sendo constrangido a mantê-la em segredo ou até mesmo a mudar de religião. Não se trata mais de uma mera brincadeira ou de crítica à sua fé, mas de um verdadeiro constrangimento contra sua pessoa. A agressão aqui não é contra a honra de um deus onipotente, mas contra um ser humano que tem no direito a ferramenta própria para se defender do ataque.
É este bullying religioso que a lei penal pune. E não textos, charges ou filmes com críticas religiosas vulgares.
Um Estado não pode ser considerado laico se seus cidadãos não tiverem o direito de blasfemar. Se não há atentado à liberdade de crença alheia, não há por que restringir a crítica religiosa.
Os cristãos são mais tolerantes com a blasfêmia que os muçulmanos. Nem o mais fundamentalista dos bispos ousaria vir a público, nos dias de hoje, pedir a morte de alguém por uma caricatura de Jesus Cristo.
Não é raro, porém, que líderes cristãos recorram aos tribunais buscando censurar obras artísticas que satirizem histórias bíblicas e seus dogmas. Abandonaram a ideia de queimar pessoas por suas crenças, mas ainda hoje há quem insista na ideia de queimar livros (ou filmes) em nome de Deus.
No direito ocidental, a laicidade estatal e a rígida diferenciação entre crime e pecado são consideradas conquistas civilizatórias. Crimes são, por definição, condutas que lesam ou colocam em risco direitos de outros seres humanos. Pecados, por outro lado, não são necessariamente agressões a outros seres humanos.
No direito ocidental, a laicidade estatal e a rígida diferenciação entre crime e pecado são consideradas conquistas civilizatórias. Crimes são, por definição, condutas que lesam ou colocam em risco direitos de outros seres humanos. Pecados, por outro lado, não são necessariamente agressões a outros seres humanos.
A masturbação é pecado e não lesiona ninguém. O insulto a Deus é pecado, mas não agride a honra de nenhum ser humano. Em Estados laicos, o pressuposto é que as leis humanas devam proteger os seres humanos de agressões perpetradas por outros seres humanos.
O Código Penal brasileiro, que completou 80 anos neste mês, traz em seu artigo 208 um crime que pune quem “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa”.
O Código Penal brasileiro, que completou 80 anos neste mês, traz em seu artigo 208 um crime que pune quem “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa”.
Uma leitura apressada poderia levar à falsa conclusão de que a lei brasileira criminaliza a blasfêmia ou o insulto a Deus. Nada mais equivocado. O que a lei proíbe é a zombaria e a discriminação de uma pessoa por suas crenças. Não a ridicularização da crença em si.
A lei brasileira não blinda de críticas qualquer tipo de ideia, seja ela científica, artística ou religiosa. Somos livres para dizer que uma pesquisa científica tem erros graves, que uma obra de arte é horrenda ou que uma religião não passa de um conto de fadas.A crítica científica, artística ou religiosa, mesmo quando grosseira e áspera, está amparada pelo direito constitucional à liberdade de manifestação de pensamento. A Constituição não condiciona o exercício do direito de crítica e de sátira à polidez.
A liberdade não precisa ter bons modos.
A liberdade de crítica de uns, porém, não pode tolher a liberdade de crença e de expressão de outros. Em alguns casos a zombaria pode ocorrer não como um legítimo exercício da liberdade de manifestar-se, mas como uma arma para constranger outras pessoas a não usufruírem de sua própria liberdade religiosa.Um jovem que professe uma religião e que seja diariamente zombado por seus colegas, por conta de suas crenças, está sendo constrangido a mantê-la em segredo ou até mesmo a mudar de religião. Não se trata mais de uma mera brincadeira ou de crítica à sua fé, mas de um verdadeiro constrangimento contra sua pessoa. A agressão aqui não é contra a honra de um deus onipotente, mas contra um ser humano que tem no direito a ferramenta própria para se defender do ataque.
É este bullying religioso que a lei penal pune. E não textos, charges ou filmes com críticas religiosas vulgares.
Em um Estado laico, o que se pune não é o sentimento de indignação com qualquer crítica, seja séria ou jocosa. O que se protege é a liberdade de pensamento e de crença.
Se uma crítica não limita a liberdade de expressão alheia, ela é só uma crítica. A partir do momento que a crítica se volta contra uma pessoa, limitando o exercício da sua própria liberdade de crença e expressão, ela torna-se crime.
Um Estado não pode ser considerado laico se seus cidadãos não tiverem o direito de blasfemar. Se não há atentado à liberdade de crença alheia, não há por que restringir a crítica religiosa.
Deus, na concepção cristã, é onipresente, onisciente e onipotente. Deus não precisa de deputados, juízes ou advogados para fazer valer suas leis ou proteger sua reputação.
Túlio Vianna é professor de direito penal da Faculdade de Direito da UFMG. O seu texto foi publicado originalmente na Folha de S.Paulo com o título Direito à blasfêmia
Comentários
Mas, se um ser humano defender Deus, então o insulto vai também para esse ser humano.
"O que a lei proíbe é a zombaria e a discriminação de uma pessoa por suas crenças. Não a ridicularização da crença em si."
Mas, se uma pessoa defender a crença, então a ridicularização vai também para essa pessoa.
Indivíduo, existe uma diferença enorme entre Bíblia e pessoas, religião é folclore, pessoas são reais, entendeu, ou quer que faça um desenho.
18 de dezembro de 2020 00:54
Um Anônimo disse que existe uma diferença enorme entre Bíblia e pessoas, que religião é folclore, que pessoas são reais e perguntou se eu entendi ou se eu quero que o anônimo desenhe. Aí, eu pergunto como é que se desenha uma diferença entre a Bíblia e pessoas? O Dr. Psicólogo Ateu Heavyman deve saber.
Por isso SE DEFENDE as características LGBTs e questões de gênero! Não apenas as pessoas assim.
Diferente de religiões, Deus, crenças em geral, política, sistemas partidários e semelhantes. Só as pessoas tem direitos e o artigo explica bem NISSO. Faltou o adendo do que comentei, uma vez que inventaram de "separar" as questões de gênero e LGBTs das pessoas que o são.
É como "nada contra os negros, mas a negritude humana...", utilizando esse tipo de lógica dos preconceituosos para "justificar".
Quanto à questão religiosa, o art. 208 do CP aponta para a “tutela do direito que o homem goza de ter sua crença e professar uma religião” (Noronha, 2003, p.40), tendo por “objeto jurídico: a liberdade de crença e o exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e os bons costumes” (Damásio, 2005, p.724). Sob os dizeres de Delmanto, o “objeto jurídico tutelado é o sentimento religioso”, (Delmanto, 2002, p.453). e, de certa forma, indo além do basicamente evidente, vale destacar o ensino de Mirabete:
Protege-se [...] o sentimento religioso, interesse ético-social em si mesmo, bem como a liberdade de culto. Embora sejam admissíveis os debates, críticas ou polêmicas a respeito das religiões em seus aspectos teológicos, científicos, jurídicos, sociais ou filosóficos.
Vale ressaltar que, no "contexto teológico", alguns termos NÃO SÃO (grifo meu) considerados ilícitos, tais como:
misticísmo, heresia, falso profeta, escarnecedor, ímpio, lobos, falso pastor,
anti-cristo, usurpador, filho do demônio, herege, etc., uma vez que a Bíblia estabelece para o Cristão vários parâmetros de julgamento de comportamentos.
Sendo comprovado biblicamente o teor da afirmativa, é válida a utilização de tais termos".
Fonte: http://genizah-virtual.blogspot.com/p/juridico.html
Postar um comentário