Pular para o conteúdo principal

Lei não veta a blasfêmia: insulto a Deus não agride a honra de nenhum ser humano

Túlio Vianna | advogado criminalista   A blasfêmia é um insulto a Deus e, como tal, é considerada um pecado gravíssimo na maioria das religiões.

Os cristãos são mais tolerantes com a blasfêmia que os muçulmanos. Nem o mais fundamentalista dos bispos ousaria vir a público, nos dias de hoje, pedir a morte de alguém por uma caricatura de Jesus Cristo. 

Não é raro, porém, que líderes cristãos recorram aos tribunais buscando censurar obras artísticas que satirizem histórias bíblicas e seus dogmas. Abandonaram a ideia de queimar pessoas por suas crenças, mas ainda hoje há quem insista na ideia de queimar livros (ou filmes) em nome de Deus.

No direito ocidental, a laicidade estatal e a rígida diferenciação entre crime e pecado são consideradas conquistas civilizatórias. Crimes são, por definição, condutas que lesam ou colocam em risco direitos de outros seres humanos. Pecados, por outro lado, não são necessariamente agressões a outros seres humanos. 

A masturbação é pecado e não lesiona ninguém. O insulto a Deus é pecado, mas não agride a honra de nenhum ser humano. Em Estados laicos, o pressuposto é que as leis humanas devam proteger os seres humanos de agressões perpetradas por outros seres humanos.

O Código Penal brasileiro, que completou 80 anos neste mês, traz em seu artigo 208 um crime que pune quem “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa”.

Uma leitura apressada poderia levar à falsa conclusão de que a lei brasileira criminaliza a blasfêmia ou o insulto a Deus. Nada mais equivocado. O que a lei proíbe é a zombaria e a discriminação de uma pessoa por suas crenças. Não a ridicularização da crença em si.

A lei brasileira não blinda de críticas qualquer tipo de ideia, seja ela científica, artística ou religiosa. Somos livres para dizer que uma pesquisa científica tem erros graves, que uma obra de arte é horrenda ou que uma religião não passa de um conto de fadas.

A crítica científica, artística ou religiosa, mesmo quando grosseira e áspera, está amparada pelo direito constitucional à liberdade de manifestação de pensamento. A Constituição não condiciona o exercício do direito de crítica e de sátira à polidez. 

A liberdade não precisa ter bons modos.

A liberdade de crítica de uns, porém, não pode tolher a liberdade de crença e de expressão de outros. Em alguns casos a zombaria pode ocorrer não como um legítimo exercício da liberdade de manifestar-se, mas como uma arma para constranger outras pessoas a não usufruírem de sua própria liberdade religiosa.

Um jovem que professe uma religião e que seja diariamente zombado por seus colegas, por conta de suas crenças, está sendo constrangido a mantê-la em segredo ou até mesmo a mudar de religião. Não se trata mais de uma mera brincadeira ou de crítica à sua fé, mas de um verdadeiro constrangimento contra sua pessoa. A agressão aqui não é contra a honra de um deus onipotente, mas contra um ser humano que tem no direito a ferramenta própria para se defender do ataque.

É este bullying religioso que a lei penal pune. E não textos, charges ou filmes com críticas religiosas vulgares. 

Em um Estado laico, o que se pune não é o sentimento de indignação com qualquer crítica, seja séria ou jocosa. O que se protege é a liberdade de pensamento e de crença.

Se uma crítica não limita a liberdade de expressão alheia, ela é só uma crítica. A partir do momento que a crítica se volta contra uma pessoa, limitando o exercício da sua própria liberdade de crença e expressão, ela torna-se crime.

Um Estado não pode ser considerado laico se seus cidadãos não tiverem o direito de blasfemar. Se não há atentado à liberdade de crença alheia, não há por que restringir a crítica religiosa.

Deus, na concepção cristã, é onipresente, onisciente e onipotente. Deus não precisa de deputados, juízes ou advogados para fazer valer suas leis ou proteger sua reputação.



Túlio Vianna é professor de direito penal da Faculdade de Direito da UFMG. O seu texto foi publicado originalmente na Folha de S.Paulo com o título Direito à blasfêmia

Comentários

Indivíduo disse…
"O insulto a Deus é pecado, mas não agride a honra de nenhum ser humano. "
Mas, se um ser humano defender Deus, então o insulto vai também para esse ser humano.

"O que a lei proíbe é a zombaria e a discriminação de uma pessoa por suas crenças. Não a ridicularização da crença em si."
Mas, se uma pessoa defender a crença, então a ridicularização vai também para essa pessoa.

Anônimo disse…
Indivíduo, existe uma diferença enorme entre Bíblia e pessoas, religião é folclore, pessoas são reais, entendeu, ou quer que faça um desenho.
Heavyman disse…
Esse indivíduo escreve só coisa Sem nexo, deve sofrer de demência.
MetalWe disse…
As várias versões de Bíblias que estão por ai, deveriam ser criminalizadas. São textos que fazem apologia aos mais diversos tipos de crimes: estupros, mutilações, genocídio, escravidão, extermínio de animais e as mais outras diversas barbaridades que se possa citar.
Indivíduo disse…
Dr. Psicólogo Ateu Heavyman, qual coisa eu escrevi.
Indivíduo disse…
Anônimo disse…
Indivíduo, existe uma diferença enorme entre Bíblia e pessoas, religião é folclore, pessoas são reais, entendeu, ou quer que faça um desenho.
18 de dezembro de 2020 00:54

Um Anônimo disse que existe uma diferença enorme entre Bíblia e pessoas, que religião é folclore, que pessoas são reais e perguntou se eu entendi ou se eu quero que o anônimo desenhe. Aí, eu pergunto como é que se desenha uma diferença entre a Bíblia e pessoas? O Dr. Psicólogo Ateu Heavyman deve saber.
Indivíduo disse…
Dr. Psicólogo Ateu Heavyman, por que o senhor não diz que minha ideia é demente, mas eu não sou demente?
Aos vários (quase todos?) LGBTs, e héteros pela causa, que costumam falhar em argumentações. O SER LGBT+, assim como gênero, nada de "ideologia", "religião" e afins, nem "problema" ou "doença", trampouco mera "prática" (é de um reducionismo isso!), FAZ PARTE da pessoa de forma ampla. Nem é algo que gera conflitos: LGBT+ não é "antiheterossexual", assim como mulher não é "antihomem", ou feminino não é "antimasculino".
Por isso SE DEFENDE as características LGBTs e questões de gênero! Não apenas as pessoas assim.
Diferente de religiões, Deus, crenças em geral, política, sistemas partidários e semelhantes. Só as pessoas tem direitos e o artigo explica bem NISSO. Faltou o adendo do que comentei, uma vez que inventaram de "separar" as questões de gênero e LGBTs das pessoas que o são.
É como "nada contra os negros, mas a negritude humana...", utilizando esse tipo de lógica dos preconceituosos para "justificar".
- ..."Sobre a liberdade religiosa, apologética e crítica eclesiástica:

Quanto à questão religiosa, o art. 208 do CP aponta para a “tutela do direito que o homem goza de ter sua crença e professar uma religião” (Noronha, 2003, p.40), tendo por “objeto jurídico: a liberdade de crença e o exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e os bons costumes” (Damásio, 2005, p.724). Sob os dizeres de Delmanto, o “objeto jurídico tutelado é o sentimento religioso”, (Delmanto, 2002, p.453). e, de certa forma, indo além do basicamente evidente, vale destacar o ensino de Mirabete:

Protege-se [...] o sentimento religioso, interesse ético-social em si mesmo, bem como a liberdade de culto. Embora sejam admissíveis os debates, críticas ou polêmicas a respeito das religiões em seus aspectos teológicos, científicos, jurídicos, sociais ou filosóficos.

Vale ressaltar que, no "contexto teológico", alguns termos NÃO SÃO (grifo meu) considerados ilícitos, tais como:
misticísmo, heresia, falso profeta, escarnecedor, ímpio, lobos, falso pastor,
anti-cristo, usurpador, filho do demônio, herege, etc., uma vez que a Bíblia estabelece para o Cristão vários parâmetros de julgamento de comportamentos.
Sendo comprovado biblicamente o teor da afirmativa, é válida a utilização de tais termos".

Fonte: http://genizah-virtual.blogspot.com/p/juridico.html

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola

O estudante já vinha sendo intimidado O estudante Ciel Vieira (foto), 17, de Miraí (MG), não se conformava com a atitude da professora de geografia Lila Jane de Paula de iniciar a aula com um pai-nosso. Um dia, ele se manteve em silêncio, o que levou a professora a dizer: “Jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida”. Era um recado para ele. Na classe, todos sabem que ele é ateu. A escola se chama Santo  Antônio e é do ensino estadual de Minas. Miraí é uma cidade pequena. Tem cerca de 14 mil habitantes e fica a 300 km de Belo Horizonte. Quando houve outra aula, Ciel disse para a professora que ela estava desrespeitando a Constituição que determina a laicidade do Estado. Lila afirmou não existir nenhuma lei que a impeça de rezar, o que ela faz havia 25 anos e que não ia parar, mesmo se ele levasse um juiz à sala de aula. Na aula seguinte, Ciel chegou atrasado, quando a oração estava começando, e percebeu ele tinha sido incluído no pai-nosso. Aparentemen...

Eleição de Haddad significará vitória contra religião, diz Chaui

Marilena Chaui criticou o apoio de Malafaia a Serra A seis dias das eleições do segundo turno, a filósofa e professora Marilena Chaui (foto), da USP, disse ontem (23) que a eleição em São Paulo do petista Fernando Haddad representará a vitória da “política contra a religião”. Na pesquisa mais recente do Datafolha sobre intenção de votos, divulgada no dia 19, Haddad estava com 49% contra 32% do tucano José Serra. Ao participar de um encontro de professores pró-Haddad, Chaui afirmou que o poder vem da política, e não da “escolha divina” de governantes. Ela criticou o apoio do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus do Rio, a Serra. Malafaia tem feito campanha para o tucano pelo fato de o Haddad, quando esteve no Ministério da Educação, foi o mentor do frustrado programa escolar de combate à homofobia, o chamado kit gay. Na campanha do primeiro turno, Haddad criticou a intromissão de pastores na política-partidária, mas agora ele tem procurado obter o apoio dos religi...

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Conar cede a religiosos e veta Jesus de anúncio da Red Bull

Mostrar Jesus andando no rio é uma 'ofensa ' O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) se curvou diante da censura religiosa e suspendeu o anúncio da Red Bull que apresenta uma versão bem humorada de um dos milagres de Jesus. Ao analisar cerca de 200 reclamações, o órgão concluiu que o anúncio “desrespeita um objeto da fé religiosa”. O “desrespeito” foi Jesus ter dito que, na verdade, ele não andou sobre as águas, mas sobre as pedras que estavam no rio. Religiosos creem em milagres, mas impor essa crença a um anúncio é atentar contra a liberdade de expressão de uma sociedade constituída pela diversidade cultural e religiosa. O pior é que, pela decisão do Conar, a censura se estende aos futuros anúncios da Red Bull, os quais não poderão “seguir a mesma linha criativa”. Ou seja, a censura religiosa adotada pelo Conar “matou”, nesse caso, a criatividade antes mesmo de sua concepção — medida típica de regimes teocráticos. "Jesus...

Verdades absolutas da religião são incompatíveis com a política

por Marcelo Semer para o Terra Magazine   Dogmas religiosos não estão sob o  escrutínio popular No afã de defender Marco Feliciano das críticas recebidas por amplos setores da sociedade, o blogueiro de Veja, Reinaldo Azevedo, disse que era puro preconceito o fato de ele ser constantemente chamado de pastor. Infelizmente não é. Pastor Marco Feliciano é o nome regimental do deputado, como está inscrito na Câmara e com o qual disputou as últimas eleições. Há vários casos de candidatos que acrescentam a sua profissão como forma de maior identificação com o eleitorado, como o Professor Luizinho ou ainda a Juíza Denise Frossard. Marco Feliciano não está na mesma situação –sua evocação é um claro chamado para o ingresso da religião na política, que arrepia a quem quer que ainda guarde a esperança de manter intacta a noção de estado laico. A religião pode até ser um veículo para a celebração do bem comum, mas seu espaço é nitidamente diverso. Na democracia, ...

Jornalista que critica Estado laico desconhece história

de um leitor a propósito de Defensores do Estado laico são ‘intolerantes’, diz apresentadora As aulas de história passaram  bem longe de Rachel Sheherazade Que a apresentadora Rachel Sheherazade metida a Boris Casoy é péssima, isso já é sabido. Os comentários dela são, em sua gigantesca maioria, infelizes, sem nenhum conteúdo ou profundidade. E agora está se mostrando uma Malafaia de saia! Primeiro, é mentira que “laicistas” (como se fosse um grupo formado) perseguem o cristianismo. Não há uma única evidência disso. Ela alega isso para se fazer falsamente de vítima. Pura tática fundada na falácia ad terrorem . Segundo, as aulas de história passaram longe dela. Mas bem longe mesmo! O cristianismo não deu base nenhuma de respeito, liberdade, honestidade e justiça. Durante a idade média, era justamente o contrário que acontecia na maioria das vezes. A separação entre Estado e religião quem deu base para a maioria das liberdades, inclusive de jornalismo e profis...

Val Kilmer, ator do Batman, acreditava que podia curar com orações câncer no pescoço