> JOHN L. ALLEN
Como se avalia o custo de um escândalo? Uma forma é em dólares. A estimativa atual é de que a Igreja Católica nos Estados Unidos já pagou 3,2 bilhões de dólares em indenizações de processos de abuso sexual clerical, que equivalem a 3,2 bilhões de dólares que ela não pôde gastar em caridade, evangelização ou qualquer outro propósito desejável.
Outro índice é o potencial humano perdido. Pensemos nas contribuições que Enzo Bianchi, fundador da famosa comunidade monástica ecumênica de Bose, ainda poderia estar fazendo para a causa da unidade cristã, se seus supostos abusos de autoridade não tivessem compelido o Vaticano recentemente a mandá-lo para o exílio como Napoleão em Elba.
No entanto, o preço mais alto a ser pago talvez seja a perda da autoridade moral, um custo correspondentemente mais alto quando a instituição atingida pelo escândalo pretende representar virtudes morais, como a Igreja Católica.
A última prova disso vem em um novo romance de Pietro Caliceti, um escritor conhecido como o John Grisham italiano, intitulado “L’opzione di Dio” (A opção de Deus). Caliceti é um ex-advogado corporativo que mora em Milão, e o Vaticano que ele descreve em seu romance é tão corrupto e vingativo quanto a organização jurídica apresentada de forma memorável por Grisham em seu thriller de 1991, “A firma”.
(Também como “A firma”, o consenso entre muitos críticos italianos é que “L’opzione di Dio” está destinado a se tornar um grande filme comercial.)
Os italianos são especialmente sensíveis ao impacto dos escândalos eclesiásticos, tendo vivido lado a lado – e, com frequência, sob o controle – da cultura clerical durante séculos.
> Esse texto saiu originalmente no site católico Crux, sob o título Novo livro sobre o Vaticano revelação dos custos do escândalo. A tradução para o português publicada no site IHU Online é de Moisés Sbardelotto.
Outro índice é o potencial humano perdido. Pensemos nas contribuições que Enzo Bianchi, fundador da famosa comunidade monástica ecumênica de Bose, ainda poderia estar fazendo para a causa da unidade cristã, se seus supostos abusos de autoridade não tivessem compelido o Vaticano recentemente a mandá-lo para o exílio como Napoleão em Elba.
No entanto, o preço mais alto a ser pago talvez seja a perda da autoridade moral, um custo correspondentemente mais alto quando a instituição atingida pelo escândalo pretende representar virtudes morais, como a Igreja Católica.
A última prova disso vem em um novo romance de Pietro Caliceti, um escritor conhecido como o John Grisham italiano, intitulado “L’opzione di Dio” (A opção de Deus). Caliceti é um ex-advogado corporativo que mora em Milão, e o Vaticano que ele descreve em seu romance é tão corrupto e vingativo quanto a organização jurídica apresentada de forma memorável por Grisham em seu thriller de 1991, “A firma”.
(Também como “A firma”, o consenso entre muitos críticos italianos é que “L’opzione di Dio” está destinado a se tornar um grande filme comercial.)
Os italianos são especialmente sensíveis ao impacto dos escândalos eclesiásticos, tendo vivido lado a lado – e, com frequência, sob o controle – da cultura clerical durante séculos.
O romance de Caliceti é uma representação perfeita daquilo que muitos profissionais italianos instruídos hoje pensam da Igreja Católica, e eu ouvi algo do seu ponto de vista centenas de vezes ao longo dos anos por parte dos meus amigos italianos.
É assim que um dos heróis do romance de Caliceti, um jovem advogado que tenta descobrir a verdade, descreve o seu ponto de vista para o seu irmão, que é padre:
“Bem, eu diria que Deus não tem nada a ver com isso. Existe apenas a Igreja, e há uma grande diferença. Se estivéssemos falando de Deus, talvez eu pudesse seguir você. A ideia de uma aposta [em Deus], ou de uma ‘opção’, como você a chama, faz sentido, mesmo que você saiba o que eu penso. Mas, em relação à Igreja, não há nenhuma aposta. A ideia de uma aposta se baseia no fato de que não sabemos o que há depois da morte. É o desconhecido que torna uma aposta lógica. Mas não há nada de desconhecido em relação à Igreja. Ela está aqui na terra, é feita de homens, e não tem nada a ver com Deus.”
Se essa é a sua visão de mundo, quem em sã consciência daria a sua vida por tal instituição?
“L’opzione di Dio” começa com um grande ataque terrorista islamista à Basílica de São Pedro. Ao mesmo tempo, o Vaticano está lidando com notícias ainda mais perturbadoras – o papa está morrendo, e uma guerra interna total está em erupção entre duas facções em conflito para controlar a sucessão.
Os progressistas são liderados pelo cardeal William Hamilton, um sul-africano e ex-jogador de rúgbi conhecido por ter resolvido dezenas de casos de abuso sexual antes de serem julgados, economizando, assim, muito dinheiro para a Igreja (Caliceti claramente baseou grande parte do personagem de Hamilton no cardeal australiano George Pell, um ex-jogador de futebol australiano que instituiu o primeiro conjunto de protocolos antiabuso do mundo com a sua “Resposta de Melbourne” em 1996, instituindo um painel independente para investigar as denúncias de abuso e contendo os pagamentos de indenizações às vítimas.
É assim que um dos heróis do romance de Caliceti, um jovem advogado que tenta descobrir a verdade, descreve o seu ponto de vista para o seu irmão, que é padre:
“Bem, eu diria que Deus não tem nada a ver com isso. Existe apenas a Igreja, e há uma grande diferença. Se estivéssemos falando de Deus, talvez eu pudesse seguir você. A ideia de uma aposta [em Deus], ou de uma ‘opção’, como você a chama, faz sentido, mesmo que você saiba o que eu penso. Mas, em relação à Igreja, não há nenhuma aposta. A ideia de uma aposta se baseia no fato de que não sabemos o que há depois da morte. É o desconhecido que torna uma aposta lógica. Mas não há nada de desconhecido em relação à Igreja. Ela está aqui na terra, é feita de homens, e não tem nada a ver com Deus.”
Se essa é a sua visão de mundo, quem em sã consciência daria a sua vida por tal instituição?
“L’opzione di Dio” começa com um grande ataque terrorista islamista à Basílica de São Pedro. Ao mesmo tempo, o Vaticano está lidando com notícias ainda mais perturbadoras – o papa está morrendo, e uma guerra interna total está em erupção entre duas facções em conflito para controlar a sucessão.
Os progressistas são liderados pelo cardeal William Hamilton, um sul-africano e ex-jogador de rúgbi conhecido por ter resolvido dezenas de casos de abuso sexual antes de serem julgados, economizando, assim, muito dinheiro para a Igreja (Caliceti claramente baseou grande parte do personagem de Hamilton no cardeal australiano George Pell, um ex-jogador de futebol australiano que instituiu o primeiro conjunto de protocolos antiabuso do mundo com a sua “Resposta de Melbourne” em 1996, instituindo um painel independente para investigar as denúncias de abuso e contendo os pagamentos de indenizações às vítimas.
O fato de Caliceti ter feito de Hamilton um progressista, entretanto, confirma que os romancistas são livres para distorcer a realidade quando for conveniente para seus propósitos).
Do outro lado, está o cardeal italiano Angelo Vignale, líder do campo tradicionalista. Os dois homens lançam campanhas de terra arrasada para desenterrar as “sujeiras” um do outro, e, aparentemente, nada vai detê-los enquanto não alcançarem o poder. Seu subterfúgio se desdobra em paralelo a uma investigação do ataque terrorista pela polícia e pelos serviços de segurança. Sem revelar muito, no fim se descobre que os vários fios do romance estão todos conectados.
Embora haja muitas reviravoltas na trama de “L’opzione di Dio”, o romance é geralmente dialógico, apresentando longas conversas entre os vários personagens, que expõem seus sistemas de valores e perspectivas. Caliceti descreveu o romance como um esforço para escrever “Os Irmãos Karamazov 2.0”, embora, neste caso, ele coloque a sua versão do discurso do Grande Inquisidor nos lábios de um imã.
A diferença entre a era de Dostoiévski e a de hoje, diz Caliceti, é que, embora antes também houvesse lutas pelo poder e escândalos na Igreja, eles eram pouco conhecidos, ao passo que hoje “são comentados em todos os bares, quer sejam financeiros ou sexuais”. Qualquer pessoa familiarizada com as crises vaticanas da última década reconhecerá elementos de muitos deles no livro, dando à narrativa uma sensação de ver elementos “tirados das manchetes”.
“L’opzione di Dio”, obviamente, é uma representação terrivelmente enganosa da Igreja Católica. Para cada prelado maquiavélico disposto a não se deixar deter por nada enquanto não alcançar o poder – e, não se engane, tais figuras não são inteiramente fictícias – há provavelmente uma centena de missionários, pastores, freiras e ativistas leigos silenciosamente heroicos, todos entregando suas vidas para servir aos vulneráveis e esquecidos do mundo.
No entanto, essa é a consequência do escândalo: ele transforma as imagens da Igreja em uma “sala de espelhos”, em que as percepções distorcidas são o resultado inevitável.
Nesse sentido, “L’opzione di Dio” provavelmente deveria ser uma leitura obrigatória nos níveis mais elevados da autoridade eclesiástica – não tanto para transmitir aquilo que a Igreja realmente é, mas sim o modo como ela passou a ser vista por uma ampla faixa de pessoas bem-intencionadas e idealistas.
Se isso não for uma justificativa para a reforma, é difícil saber o que poderia ser.
Do outro lado, está o cardeal italiano Angelo Vignale, líder do campo tradicionalista. Os dois homens lançam campanhas de terra arrasada para desenterrar as “sujeiras” um do outro, e, aparentemente, nada vai detê-los enquanto não alcançarem o poder. Seu subterfúgio se desdobra em paralelo a uma investigação do ataque terrorista pela polícia e pelos serviços de segurança. Sem revelar muito, no fim se descobre que os vários fios do romance estão todos conectados.
Embora haja muitas reviravoltas na trama de “L’opzione di Dio”, o romance é geralmente dialógico, apresentando longas conversas entre os vários personagens, que expõem seus sistemas de valores e perspectivas. Caliceti descreveu o romance como um esforço para escrever “Os Irmãos Karamazov 2.0”, embora, neste caso, ele coloque a sua versão do discurso do Grande Inquisidor nos lábios de um imã.
A diferença entre a era de Dostoiévski e a de hoje, diz Caliceti, é que, embora antes também houvesse lutas pelo poder e escândalos na Igreja, eles eram pouco conhecidos, ao passo que hoje “são comentados em todos os bares, quer sejam financeiros ou sexuais”. Qualquer pessoa familiarizada com as crises vaticanas da última década reconhecerá elementos de muitos deles no livro, dando à narrativa uma sensação de ver elementos “tirados das manchetes”.
“L’opzione di Dio”, obviamente, é uma representação terrivelmente enganosa da Igreja Católica. Para cada prelado maquiavélico disposto a não se deixar deter por nada enquanto não alcançar o poder – e, não se engane, tais figuras não são inteiramente fictícias – há provavelmente uma centena de missionários, pastores, freiras e ativistas leigos silenciosamente heroicos, todos entregando suas vidas para servir aos vulneráveis e esquecidos do mundo.
No entanto, essa é a consequência do escândalo: ele transforma as imagens da Igreja em uma “sala de espelhos”, em que as percepções distorcidas são o resultado inevitável.
Nesse sentido, “L’opzione di Dio” provavelmente deveria ser uma leitura obrigatória nos níveis mais elevados da autoridade eclesiástica – não tanto para transmitir aquilo que a Igreja realmente é, mas sim o modo como ela passou a ser vista por uma ampla faixa de pessoas bem-intencionadas e idealistas.
Se isso não for uma justificativa para a reforma, é difícil saber o que poderia ser.
Romance espelha o que ocorre na Igreja |
> Esse texto saiu originalmente no site católico Crux, sob o título Novo livro sobre o Vaticano revelação dos custos do escândalo. A tradução para o português publicada no site IHU Online é de Moisés Sbardelotto.
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