> MARIA FERNANDA GUIMARÃES
jornalista
A Lacta acabou com a marca "Feitiçaria" de um bombom, cedendo às pressões de teorias conspiratórias de grupos evangélicos segundo as quais o bombom teria "mensagens malignas" na embalagem.
Remake do clássico bombom “Feitiço”, famoso na década de 1990, o “Feitiçaria”, para pastores e fiéis, é um 'bombom de Satanás'.
Remake do clássico bombom “Feitiço”, famoso na década de 1990, o “Feitiçaria”, para pastores e fiéis, é um 'bombom de Satanás'.
Diante da repercussão negativa, nas semanas que antecedem maior venda de chocolates, a Páscoa, a companhia optou por mudar o nome para “Lacta Morango”.
Em um dos vídeos postados na rede social, uma religiosa — pecando tanto pelo desequilíbrio lógico quanto por imperícia no manejo do português, em sua norma padrão — acusa a empresa de fazer "pacto satânico".
Em sua pregação [vídeo abaixo], a mulher não identificada diz que o bombom traz na embalagem "mensagens malignas de feitiçaria, macumba, magia negra" e que "as forças do mal também é poderosa" (sic). "Quem tem visão de Deus não se mistura com as coisa nojenta do maligno" (sic).
No vídeo, que viralizou no WhatsApp, TikTok e Twitter, a mulher também diz: "Nesta Páscoa, não compre bombons da Lacta. Essa empresa está fazendo pacto satânico. Não faz sentido você ter esses bombons. Não faz sentido. É golpe baixo. Existe vários pactos malignos para transformar a inteligência da sua criança". (sic)
A força do demônio
"Essa é uma das formas que o maligno encontra para destruir" — ameaça a mulher, numa clara referência àquela crença da virada do século XII para o XIII e da primeira fase da Santa Inquisição.
Nove século atrás, a Igreja Católica reafirmou a participação do "demônio" em todas as práticas que associassem qualquer contato com o sobrenatural.
Isso era para neutralizar as crenças e ações que fossem alheias ao controle da Igreja e assim associar o paganismo — ainda vigente na Europa especialmente entre as populações rurais — às práticas satânicas.
Foi assim que o demônio passou, pouco a pouco, a ocupar um papel no cotidiano da humanidade tão
importante quanto o do próprio Jesus Cristo. A mulher que grava o vídeo repete um temor que foi martelado há cerca de 900 anos.
Mais tarde, já no alvorecer da Idade Moderna, as concepções eclesiásticas sobre a magia e pactos tenderam ao contexto da grande luta universal entre o Bem e o Mal.
O neopentecostalismo, católico e protestante, e o neopaganismo — eventos sociais surgidos após a década de 1970 — restabeleceram as crenças de magia, na força de Satã, no "perigo" das bruxarias, das feitiçarias.
No Brasil e outros países com forte influência das religiões anímicas de África, a crença fundiu-se com o "perigo" da macumba, dos vodus e dos orixás.
Assim, com essa "magia religiosa", que ficara adormecida, renasceu nos anos 1970, como se o ser humano tivesse poderes de intervenção sobre a saúde e as doenças, os fenômenos e desastres da natureza, as ocorrências de escassez e de prosperidade.
Assim, com essa "magia religiosa", que ficara adormecida, renasceu nos anos 1970, como se o ser humano tivesse poderes de intervenção sobre a saúde e as doenças, os fenômenos e desastres da natureza, as ocorrências de escassez e de prosperidade.
Vídeo viralizado
Tendo em vista o fenômeno do temor que os pastores inculcam sobre os fieis, não é de estranhar que, depois do vídeo original contra o chocolate, outros evangélicos fanáticos ampliavam a história.
Aí apareceram outras pessoas dizendo que comer o chocolate trazia maldições e, apesar de todas as dificuldades econômicas e carestia que atravessamos devido à pandemia, os fiéis jogavam os bombons fora.
Aí apareceram outras pessoas dizendo que comer o chocolate trazia maldições e, apesar de todas as dificuldades econômicas e carestia que atravessamos devido à pandemia, os fiéis jogavam os bombons fora.
Em contrapartida, a moçada da irreverência pegou carona para trazer mais likes a seus vídeos no TikTok e Twitter e começou a comer bombons "Feitiçaria" diante das câmeras, brincando com os filtros dos aplicativos e fazendo blague de que iriam virar demônio, ou coelhinho da Páscoa... e mesmo jacaré.
Nova embalagem
Os produtos com a nova embalagem, sem estrelinhas, sem silhueta do Mago Merlin e sem meia-lua, já estão sendo comercializados. O conteúdo, no entanto, continua o mesmo: bombom com fondant de morango, recheado com caramelo, creme, biscoito e cobertura de chocolate.Em nota, a Lacta informa que a mudança faz parte de uma estratégia de reposicionamento planejada no final de 2020.
> Com informação da rede social e da Lacta.
Comentários
Postar um comentário