Pular para o conteúdo principal

Estudo revela como há 10 milhões de anos secou o maior lago da Terra

> LUCIANA CONSTANTINO
Agência FAPESP

Pesquisa publicada este mês na revista Scientific Reports revela a formação e o desaparecimento há cerca de 10 milhões de anos, do maior lago conhecido na história da Terra: o Paratethys, localizado na Eurásia, entre os Alpes Orientais e o atual Cazaquistão.

Os pesquisadores usaram um modelo paleogeográfico 3D e concluíram que o megalago perdeu cerca de 70% de sua superfície e um terço do volume de água pela evaporação durante quatro grandes crises hidrológicas ocorridas entre 11 milhões e 7,5 milhões de anos atrás.

Essas crises levaram à formação de hábitats completamente novos e provocaram impacto no clima, na hidrologia e na vegetação, influenciando a evolução de espécies na região.

Os pesquisadores acreditam que esse modelo inovador de análise da estrutura do megalago poderá ser usado em outros trabalhos que ajudem a desvendar a formação de áreas geológicas atuais, como as camadas de pré-sal no Brasil ou campos de gás próximos a Israel.

De acordo com o estudo, que teve o apoio da FAPESP, por volta de 11,6 milhões de anos atrás o Paratethys começou a se fragmentar e, depois de perder conexões com regiões a oeste dos Cárpatos (cordilheira de 1.500 quilômetros), tornou-se cada vez mais instável e suscetível aos processos de seca extrema.

Acabou se dividindo em um lago salgado central e bacias dessalinizadas periféricas, enquanto vastas regiões (de até 1,75 milhão de km2) tornaram-se uma terra emergente, adequada para o desenvolvimento de paisagens de estepe florestal. A abertura desse cinturão de estepes formou uma ponte ecológica para a migração de espécies animais para a Europa e para a Ásia Central.

“As dessecações [estado de secas extremas] parciais do megalago correspondem às mudanças climáticas, alterações da teia alimentar e da paisagem em toda a Eurásia, embora os gatilhos e mecanismos exatos ainda não tenham sido resolvidos”, escreve o grupo.

Primeiro autor do artigo, Dan Valetin Palcu, destaca que as crises hidrológicas detectadas no estudo foram semelhantes à dessecação registrada atualmente no lago Aral, mas com magnitude centenas de vezes maior. De água salgada, o Aral está localizado na Ásia Central e começou a secar nos anos de 1960 – hoje tem apenas 10% do tamanho original, tendo perdido uma área equivalente ao Estado de Santa Catarina.

Área ocupada pelo
megalago Paratehys,
entre o Alpes Orientais
e o Cazaquistão

“O Paratethys se expandiu e ocupou uma área de 2,8 milhões de km2. Chegou a armazenar 1,77 milhão de km3 de água salobra. Isso representa mais de dez vezes toda a água armazenada nos lagos modernos”, explica Palcu, que faz estágio de pós-doutorado no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), sob a supervisão do professor Luigi Jovane.

"Este estudo pode se tornar uma referência na compreensão das bacias do pré-sal como 'megalagos'. Pode ter repercussões fundamentais para estudar, por exemplo, as bacias de Campos e Santos, no Brasil, e outras que eram abertas para o mar", diz Jovane, em entrevista à Agência FAPESP.

O professor do IO-USP cita que os locais analisados na pesquisa, principalmente durante os períodos de dessecação parcial do megalago, devem ter sido parecidos com as bacias do pré-sal do Atlântico.

Biodiversidade


Durante as crises climáticas registradas na região, houve o que os pesquisadores classificam como uma "catástrofe ecológica" para a vida no local. Parte do megalago secou e ficaram quatro grandes bacias, entre elas a central, localizada onde hoje estão o mar Negro e o Cáspio. Com isso, parte da água doce ficou salobra e a salinidade de algumas áreas aumentou, tornando o local particularmente tóxico e estéril.

O impacto disso foi a redução e a modificação da fauna endêmica, com o encolhimento da biodiversidade – a quantidade de espécies diminuiu drasticamente ao longo dos anos. Os pesquisadores identificaram animais marinhos, como crustáceos, baleias e golfinhos, que chegaram a se multiplicar inicialmente, mas, forçados a se adaptar a difíceis condições no local (salinidade e alta toxicidade), foram se deformando e viraram exóticos.

Em alguns casos, se tornaram os menores na história da Terra – uma das espécies mais conhecidas é a baleia-anã, a Cetotherium riabinini, de 3 metros de comprimento (para ter uma ideia, uma baleia jubarte mede, em média, 15 metros e a azul ultrapassa os 25 metros). Já os corais desapareceram do lago.

Construção do modelo


Para fazer o estudo e a descrição do passado geológico do Paratethys, com a reconstrução histórica do padrão da superfície da Terra, os pesquisadores analisaram o período entre 11,6 milhões e 7,2 milhões de anos atrás.

Foram usados dois modelos digitais de elevação (DEM, na sigla em inglês): o primeiro para estimar a expansão máxima do megalago e o segundo, mais próximo dos maiores episódios de dessecação parcial do Paratethys, para simular a queda do nível da água e obter a paleogeografia parcialmente dessecada. O modelo digital representa altitudes da superfície topográfica agregada a elementos geográficos, como cobertura vegetal.

Essas reconstruções foram complementadas com dados paleogeográficos de uma série de estudos regionais do norte e oeste da Europa, dos Alpes e da Europa Central, da região de Gibraltar, do mar Egeu, além de um mapa tectônico do Oriente Médio.

A reconstrução da paleogeografia também exigiu a conversão de mapas para batimetria, que é a medição da profundidade dos oceanos, lagos e rios expressa cartograficamente por curvas que unem pontos com equidistâncias verticais, à semelhança das curvas de nível topográfico.

Para isso, foram adotadas estimativas de profundidade de referências usando dados atuais do mar Negro, mar de Azov e lago Cáspio. Além dos dados geológicos e de perfuração, os pesquisadores estudaram também fósseis encontrados na região.

> O artigo Late Miocene megalake regressions in Eurasia, dos pesquisadores Dan Valentin Palcu, Irina Stanislavovna Patina, IonuÈ? È?andric, Sergei Lazarev, Iuliana Vasiliev, Marius Stoica e Wout Krijgsman, pode ser lido em www.nature.com/articles/s41598-021-91001-z#Sec7.




Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

PMs de Cristo combatem violência com oração e jejum

Violência se agrava em SP, e os PMs evangélicos oram Houve um recrudescimento da violência na Grande São Paulo. Os homicídios cresceram e em menos de 24 horas, de anteontem para ontem, ocorreram pelo menos 20 assassinatos (incluindo o de policiais), o triplo da média diária de seis mortes por violência. Um grupo de PMs acredita que pode ajudar a combater a violência pedindo a intercessão divina. A Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, que é mais conhecida como PMs de Cristo, iniciou no dia 25 de outubro uma campanha de “52 dias de oração e jejum pela polícia e pela paz na cidade”, conforme diz o site da entidade. “Essa é a nossa nobre e divina missão. Vamos avante!” Um representante do comando da corporação participou do lançamento da campanha. Com o objetivo de dar assistência espiritual aos policiais, a associação PMs de Cristo foi fundada em 1992 sob a inspiração de Neemias, o personagem bíblico que teria sido o responsável por uma mobili...

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê...

Papa tem prima na Austrália que é Testemunha de Jeová

Bento 16  fez uma visita  a sua parente Em sua visita à Austrália, o papa Bento 16 visitou uma prima de segundo grau. O nome dela é Steffie Brzako Kopp, tem 81 anos, mesma idade do papa, e é também alemã. Steffie é Testemunha de Jeová. Ela mora em Cooma, comunidade de 8 mil pessoas. Sua mãe foi prima da mãe de Joseph Ratzinger, hoje o papa. Ela não via o primo desde 1979, época que Ratzinger era arcebispo de Munique, informa o jornal Canberra Times. Ao visitar a prima, Bento 16 elogiou as atividades missionárias dos Testemunhos de Jeová. E acrescentou: “Vocês estão fazendo o que deveríamos fazer. Têm salas pequenas, mas cheias; nós temos as catedrais e as igrejas, muitas vezes vazias”. A afirmação do papa confirma que ele não está preocupado com a perda de fiéis nos últimos anos, graças, por exemplo, a atitudes retrógadas da Igreja Católica de ser contra o uso da camisinha nesta época de AIDS. O bispo Edir Macedo, oportunista do jeito que é, talvez se inte...

Cardeal africano cotado para ser papa associa gay à pedofilia

O conservador Peter Turkson é forte  candidato a substituir o papa Bento 16 O cardeal Peter Turkson (foto), de Gana, disse à rede CNN que há menos casos de pedofilia na África em relação a outros continentes porque muitos povos africanos não aceitam o relacionamento sexual entre pessoas do mesmo sexo. Nas bolsas de apostas, Turkson é um dos mais cotados para ser o novo papa. Ele afirmou que a África existem “sistemas culturais tradicionais que protegem sua população dessa tendência [pedofilia]”. Isto porque, explicou, em muitas comunidades “as relações de pessoas do mesmo sexo não são toleradas". Barbara Blaine, presidente da Snap., uma ong de assistência às vítimas de pedofilia, disse que o comentário “horrível” de Turkson o desqualifica para substituir Bento 16. "As declarações do cardeal são inaceitáveis”, disse Blaine à Folha de S.Paulo. “Se ele for eleito o novo papa, a igreja vai jogar sal nas feridas das vítimas e mandar um sinal claro de que os padres crimi...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Livro conta em 300 páginas histórias de papas das quais poucos sabem

Chico Buarque: 'Sou ateu, faz parte do meu tipo sanguíneo'

O compositor e cantor Chico Buarque  disse em várias ocasiões ser ateu. Em 2005, por exemplo, ao jornal espanhol La Vanguardia , fez um resumo de sua biografia.

Nada na civilização faz sentido, exceto à luz da evolução de Darwin