Pular para o conteúdo principal

Principal elemento da base social da extrema direita global é a religião

No Brasil há uma convergência entre pentecostais e ala conservadora da Igreja Católica

ROBSON SÁVIO REIS SOUZA
coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas

A extrema direita global desfruta de símbolos do cristianismo para formar uma "milícia religiosa", a reeditar a guerra do bem contra o mal. No caso, o bem seria tudo aquilo associado ao pensamento conservador (religião, família tradicional, propriedade privada, meritocracia, precedência do individual sobre o público).

O mal, por sua vez, está associado à modernidade, ciência, feminismo, esquerdismo, luta de classe, estado social, etc...).

Montada, como numa cruzada religiosa, em tradições da "família conservadora", a extrema direita une líderes como Bolsonaro; extremistas norte-americanos, incluindo grupos supremacistas (e lideranças religiosas evangélicas e católicas, até mesmo junto ao episcopado); Viktor Orban (Hungria); Vladimir Putin (que se aliou à Igreja Católica Ortodoxa Russa); Le Pen (França); extremistas da Espanha, Inglaterra e até neonazistas alemães.

No Brasil, além de lideranças evangélicas neopentecostais (principalmente das grandes igrejas midiáticas — muitas delas verdadeiras empresas religiosas), a extrema direita goza de prestígio junto a membros do clero e do episcopado católicos, vários padres midiáticos, instituições religiosas (algumas midiáticas), youtubers famosos e uma bancada de ultraconservadores no Parlamento (de câmaras de vereadores ao Congresso Nacional).

Essa aliança une o conservadorismo religioso, o poder político ancorado no militarismo no caso esse governo militarizado — que se vangloria na defesa de moralismos à la Olavo de Carvalho) e no poder econômico alicerçado no ultraliberalismo (à la Paulo Guedes e figuras esdrúxulas, do tipo o Véio das megalojas de produtos variados, Wizzard e outros negociantes que, segundo dizem, para alcançarem o sucesso individual e privado vendem até a mãe).

Portanto, a base social que agrega essa massa difusa precisa de um discurso moralista, cristão, conservador para manter mobilizada uma legião religiosa que tem em líderes carismáticos radicais, como Bolsonaro, Putin e outros, e para defender radicalmente uma visão salvacionista e redentora do mundo.

Uma recristianização global, que é a base da Teologia do Domínio presente nos discursos desses grupos religiosos (a crença segundo o qual a religião deve dominar o poder político, a cultura, a educação, as artes, os comportamentos...).

A religião é o principal elemento de constituição dessa base social da extrema-direita global. Mas são o militarismo e ultraliberismo que caracterizam o domínio do poder estatal (da extrema-direita) em níveis nacionais, com intentos globais. Não por coincidência, governos teocráticos, militares e ultraliberais são formas distintas de autoritarismos.

Por isso, na ausência momentânea de Trump, Bolsonaro é um dos candidatos à liderança da extrema direita global conforme ficou claro na visita de uma liderança neonazista alemã ao presidente brasileiro nesta semana.

Uma observação final: o papa Francisco é a principal liderança global no enfrentamento à extrema direita. Por isso, é tão perseguido, inclusive dentro da Igreja Católica. Estima-se, por exemplo, que dos 240 bispos norte-americanos, somente uns 40 apoiam explicitamente Francisco.

Não ouso afirmar sobre a situação no Brasil. Mas certamente o apoio do episcopado brasileiro ao papa Francisco é bem maior e mais explícito. Vide manifestações da CNBB nos últimos tempos.

> Esse texto foi publicado originalmente no IHU Online como o título Extrema direita: religião, militarismo e neoliberalismo. O autor é pós-doutor em direitos humanos, doutor em ciências sociais e professor do departamento de ciência da religião da PUC Minas.

• Igreja e extrema-direita promovem nova caça às bruxas, denuncia filósofa italiana





Comentários

Leandro Bueno disse…
E o que significaria exatamente esse termo fluido e subjetivo que denomina de "extrema-direita"? Por exemplo, ser contra legalização de drogas, legalização de aborto, teoria queer para crianças é ser de extrema-direita? Para mim, esses rótulos hoje em dia são extremamente vazios de significância no discurso público, pois quem não concorda com o mainstream é logo taxado de fascista, reacionário, etc. E quem adota tal narrativa vira um queridinho, um auto-proclamado "progressista", ainda que o que essa pessoa defenda, na prática, não trará nenhuma melhoria para a coletividade, sendo algo que apenas a bolha acha crível.
Sim, os rótulos de "Direita" e "Esquerda" tecnicamente se perderam há tempos, mas os extremismos continuam válidos. Adotando apenas o "senso comum" da "Direita" ou "Esquerda".
E "ser contra legalização de drogas, legalização de aborto, teoria queer para crianças é ser de extrema-direita?", aí apenas demonstra intolerância e costuma ser associada a extrema-Direita geralmente, embora hajam de extema-Esquerda assim também. E outros preconceituosos "independentes"... Religião, ah, ela como quase sempre, está no meio disso tudo.
-- Aborto: um direito fundamental da mulher, violado pela Lei, salvo em casos específicos que é legalizado. O pior que esses intolerantes de extrema-direita querem remover até em casos de estupro etc garantidos legalmente.
-- "Teoria queer": dizer a respeito as pessoas LGBT+ e no que são, e nisso nem há idade, é para todos e deve começar desde cedo. É outra situação fundamental em Direitos Humanos. É dizer de pessoas assim e no que são, nada com "sexo" (ato sexual). Este último que seria em idade oportuna, detalhes sobre o próprio corpo, prevenção contra IST, abusos etc. Os intolerantes ficam no reducionismo que LGBT+ é sobre "sexo".
Direitos Humanos é algo que deveria ser defendidos por todos, mas religiosos em geral são contra, em particular contra LGBTs, situações de gẽnero, mulheres e laicidade.
.
-- Legalização das drogas: ai sim é complicado, envolve saúde, crime etc. A pessoa quando adulta APTA, se quer consumir, que o faça, mas a idade "a partir de" deveria ser entre 23..25 anos, o fim da adolescência. Além das proibições com penalidades mais severas em conduzir veículos, profissões, fornecer para menores etc. A proibição irrestrita só deu força ao narcotráfico e todo o esquema (gigantesco e internacional!) de corrupção envolvido. Melhor investir na Educação e qualidade de vida em geral para reduzir o consumo em vez de proibição, exceto para menores que devem ser proibidos mesmo, sem esquecer do restante de qualidade de vida etc para eles.
A tal "guerra às drogas" já nasceu perdida.
Bom conhecer o experimento "Parque dos Ratos" sobre a "dependência" química.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê