Lançado em 2021, Vice Versa: Crusaders apresenta como uma seita fundamentalista pode massacrar a vida de pessoas
Stephanie Fessler e sua família tiveram a determinação para levar adiante um processo judicial contra uma Testemunha de Jeová que abusou dela dezenas de vezes quando era adolescente, na cidade Spring Grove, no condado de York.
Inicialmente, anciãos (pastores) tentaram desencorajar os pais de Stephanie a dar queixa do abuso na polícia. Depois, tendo o caso já em tramitação na Justiça, os advogados das Testemunhas de Jeová atuaram fortemente para convencer o Tribunal que a mulher estava mentindo, que não houve abuso algum.
O cineasta Aaron Kaufman, 47, ficou sabendo da ação judicial em 2017 pela imprensa e concluiu haver 'algo de podre' no caso e o mau cheiro vinha da direção da organização.
E foi assim que ele decidiu fazer um documentário sobre as vítimas de abuso sexual por parte de integrantes das Testemunhas de Jeová e o esforço de dirigentes da igreja para encobrir seus criminosos, sem denunciá-los às autoridades.
"Como ocorreu com a Igreja Católica, as Testemunhas de Jeová optaram por proteger sua organização em vez de proteger seus paroquianos, sejam crianças ou adultos”, diz o cineasta.
Ele próprio ex-Testemunha de Jeová, Kaufman sabia da grande influência que a "seita" (palavra que faz questão de usar) exerce sobre os fiéis, a ponto de desestimular que se faça curso superior.
O que salvou Kaufman em sua adolescência das garras do fundamentalismo religioso foi sua paixão pelo cinema
"Era difícil assistir a filmes proibidos ou ouvir música popular. Tive de jogar fora várias vezes meus CDs do AC/DC. Mas eu podia ler o que queria. Postava comentários sobre um romance de Henry Miller, e as pessoas da religião não faziam ideia do que se tratava."
Ele lançou em meados de 2021 o documentário Vice Versa: Crusaders (ver abaixo), onde vítimas de abuso sexual falam de seu sofrimento, angústia e medos e como a organização religiosa se opõe contra elas, para massacrá-las, colocando familiares e amigos uns contra outros, mantendo controle total sobre os fiéis.
Kaufman teve acesso a documentos que vazaram dos arquivos da Torre de Vigia (nome jurídico das Testemunhas de Jeová) que confirmam a política de acobertamento dos predadores sexuais.
Ele descobriu que a organização mantém um banco secreto de dados com os nomes de pedófilos, para estar mais bem preparada a reagir caso a caso, se for acionada na Justiça.
O documentário procurou se concentrar em uma perversidade peculiar das Testemunhas de Jeová, que não se registra na Igreja Católica, por exemplo.
Trata-se de aceitar uma denúncia de estupro, para investigá-la, só se a vítima tiver uma testemunha ocular, como se a maioria dos predadores procurasse ter por perto alguém para reforçar a acusação.
Sem uma testemunha, diz o cineasta, as Testemunhas de Jeová não acionarão as autoridades, como também recomendam as famílias a fazerem o mesmo, de modo que a imagem da igreja fique preservado ao custo dos traumas dos abusados.
Em uma entrevista, Aaron Kaufman falou de uma época em que, mesmo distante da organização, ainda acreditava na sua seriedade e justeza de propósito.
Até que um dia ele se irritou com uma pessoa que insistia em chamar as Testemunhas de Jeová de "seita",.
A resposta do interlocutor mudou a cabeça dele: "As Testemunhas de Jeová são, sim, uma seita porque não permitem o ensino superior. Elas recomendam que você se case jovem. Elas tornam o fiel dependente do grupo. Quem abandona a religião não é a mesma coisa que sair do catolicismo. Você se sente desamparado, como um bebê, embora tenha 50 anos. A boa notícia: você está livre! A má é que você não está preparado para enfrentar o mundo exterior, não tem ferramentas para isso".
Para quem já conseguiu se libertar ou para quem pretende escapar desse fundamentalismo religioso, o Vice Versa: Crusaders é encorajador porque apresenta casos de superação. Disponível no Youtube, espera-se que alguém legende o documentário para o português.
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