Pular para o conteúdo principal

Relatório aponta mais de 200 mil abusos na Igreja Católica da França

> CÉCILE CHAMBRAUD
Le Monde

Fruto de dois anos e meio de trabalho, o relatório apresentado pela Comissão Independente sobre os abusos sexuais na Igreja Católica, na terça-feira (5), fala de 216 mil vítimas agredidas quando eram menores de idade por membros do clero, no período de 1950 a 2020.

Descreve um fenômeno "massivo" e "sistêmico".

Ainda mais do que o valor absoluto, trágico, mas provavelmente subestimado, é a comparação que é devastadora. O relatório da comissão independente sobre os abusos sexuais na Igreja Católica (Ciase), divulgado na terça-feira, 5 de outubro, estima o número de vítimas que durante a menoridade sofreram violências sexuais por parte de um padre, diácono ou religioso, violências declaradas por pessoas que hoje têm 18 ou mais de 18 anos.

A comissão presidida por Jean-Marc Sauvé, ex-vice-presidente do Conselho de Estado, procurou descobrir, nesta avaliação, onde a Igreja Católica se situava em comparação com outros ambientes de socialização. 

A sua resposta é clara: “A Igreja Católica é, fora dos círculos familiares e de amigos, o ambiente em que a prevalência de violências sexuais é mais elevada”. Se somarmos as agressões sexuais sofridas por pessoas ligadas à Igreja, mesmo que não padres e não religiosos (funcionários de escolas, catequistas, dirigentes de movimentos juvenis ...), chegamos a uma estimativa de 330.000 vítimas.

Fruto de dois anos e meio de trabalho, o relatório foi entregue às entidades responsáveis por sua encomenda, ou seja, a Conferência Episcopal da França (CEF) e à Conferência das Religiosas e dos Religiosos da França (Corref). 

Sob a pressão dos coletivos das vítimas, os dois órgãos mandatários, representando um as dioceses, o outro as congregações, em novembro de 2018 decidiram criar um órgão independente para fazer um balanço do que tinha acontecido desde 1950, para estudar as reações da hierarquia eclesiástica, avaliar as providências tomadas nos últimos vinte anos para prevenir a repetição dos abusos. Há alguns dias, começaram a circular mensagens de determinados bispos para alertar os fiéis de que revelações particularmente chocantes eram esperadas.

Com o título "As violências sexuais na Igreja católica - França 1950-2020", a comissão, que pôde trabalhar sem obstáculos, faz um balanço "particularmente sombrio", sintetiza Jean-Marc Sauvé na introdução. 

Para os vinte e dois membros da CIASE, os números mais preocupantes chegaram na última fase de sua missão. No primeiro semestre deste ano, a investigação com a população em geral realizada com 30.000 pessoas permitiu calcular a prevalência das violências sexuais em diversos âmbitos de socialização.

De acordo com esse levantamento, realizado sob a orientação da socióloga Nathalie Bajos, diretora de pesquisa do Inserm e da École des hautes édues en sciences sociales (EHESS), as agressões sexuais a menores cometidas por clérigos e religiosos representaram um pouco menos de 4% de todos as agressões deste tipo cometidas, que envolveram um total de 5,5 milhões de pessoas que hoje têm 18 ou mais 18 anos (14,5% das mulheres, 6,4% dos homens). A proporção sobe para 6% se forem incluídas as agressões cometidas por leigos ligados à Igreja.

No conjunto da população hoje de maior idade, a maior parte das violências contra menores foi cometida no âmbito da família (3,7%), por um amigo da família (2%) ou por um amigo ou companheiro (1,8%). Mas, em comparação com outros âmbitos de socialização, é a Igreja católica que está na liderança, e amplamente, pela prevalência das agressões.


A proporção de pessoas que a frequentaram e que foram agredidas enquanto eram menores é de 0,82% se forem contadas apenas as violências cometidas por padres ou religiosos, e de 1,16% se forem incluídos os demais agressores ligados à Igreja. 

Nas demais instituições de socialização, a taxa é de 0,36% para as colônias e campos de férias, 0,34% para a escola pública, 0,28% para os clubes esportivos e 0,17% para as atividades culturais e artísticas. No total, a taxa de prevalência das violências sexuais contra menores na Igreja católica é, portanto, duas vezes maior do que nos outros ambientes considerados, exceto a família.

Recenseamento dos abusadores

O número de padres, diáconos e religiosos perpetradores de agressões sexuais contra menores não pode ser avaliado com os mesmos métodos. Em vez disso, a investigação a partir dos arquivos e dos testemunhos conduzidos pela equipe do sociólogo e historiador Philippe Portier, professor da École pratique des hautes études (EPHE), permite estabelecer um dado “base”. Desde 1950, entre 2.900 e 3.200 padres, diáconos e religiosos cujos nomes são conhecidos infligiram, de forma confirmada, violências sexuais a menores (principalmente) ou adultos vulneráveis (principalmente religiosas, mas também seminaristas).

Se esse número for comparado com o total de padres e religiosos que exerceram a profissão durante os setenta anos considerados, ou seja, cerca de 115.000, pode-se estabelecer uma percentagem de abusadores clericais que varia entre 2,5% e 2,8%.%. Pode refletir a realidade? A Comissão Sauvé permanece cautelosa a esse respeito. Ressalta que essa relação se situa "na extremidade inferior da faixa" estabelecida por comissões equivalentes que trabalharam por vinte anos em outros países ocidentais — que está entre 4,4% e 7,5% — mas que é superior àquela obtida pela comissão holandesa.

Além disso, a comissão constata que, quando comparada com os dados da pesquisa sobre a população em geral, essa relação suporia um número muito elevado de vítimas (entre 64 e 67) por agressor. Assim estabeleceu outras hipóteses "correspondentes a taxas entre 5% e 7%", para chegar a uma estimativa de que "uma taxa de cerca de 3% de clérigos e religiosos autores de agressões sexuais constitui uma estimativa mínima e uma base de comparação pertinente com os outros países".

No total, tendo em conta os dados resultantes das várias investigações em ciências sociais realizadas, a comissão considera que o fenômeno das violências sexuais na Igreja católica pode ser definido como "massivo" e que apresenta "um carácter sistêmico".

“Fenômeno sistêmico”

Diante dessas violências, como se comportou a instituição? Sua atitude teve uma evolução ao longo das décadas, conforme mostrado em detalhes pelo estudo de arquivos de Philippe Portier. 

Durante as décadas de 50 e 60 do século passado, aquelas em que ocorreram mais da metade (56%) dos fatos (na época representavam 8% do total das violências sexuais contra menores), a hierarquia eclesiástica busca em primeiro lugar “proteger-se do escândalo”, realizando um tratamento dos padres agressores em estruturas ad hoc, enquanto as vítimas são “convidadas a ficar em silêncio” e a sua sorte é “ocultada”. 

Nas duas décadas seguintes (22% dos abusos), a preocupação da Igreja com os abusos parece diminuir e depois, nos anos 1990, começa a "levar em consideração a existência das vítimas", até chegar, na segunda década de 2000, a começar a "reconhecê-las".

O juízo geral expresso pela Ciase é severo. Resume-o com estas palavras: “ocultação”, “relativização, senão negação, com um reconhecimento apenas muito recente, realmente visível apenas a partir de 2015, mas desigual segundo as dioceses e as congregações”. 

Em última análise, “impõe-se a noção de fenômeno sistêmico”, na medida em que “a instituição eclesial claramente não foi capaz de prevenir aquelas violências, nem simplesmente vê-las, e muito menos tratá-las com a determinação e a precisão necessárias”.

A Ciase analisou diversos fatores que parecem explicar a extensão do fenômeno, como o mau tratamento que aplicou. Coloca em discussão o direito canônico, ou seja, o direito interno da Igreja, que considera "bastante inadequado", pois não prevê nenhum espaço para a vítima e nunca faz menção às violências sexuais. Em suma, não responde “aos padrões do processo justo e aos direitos da pessoa humana na matéria tão delicada das agressões sexuais contra menores”.

A comissão questionou também o papel de certos elementos da doutrina católica, cujos "desvios" e "distorções" teriam facilitado os abusos. Cita “a sacralização excessiva da pessoa do padre”, “a valorização excessiva do celibato”, “o desvio da obediência quando beira o cancelamento da consciência”, “a visão excessivamente tabu da sexualidade”. No entanto, a síntese do relatório não se aventura na questão central do celibato dos padres ou na ordenação reservada aos homens.

Uma resposta insuficiente

A comissão era também convidada a avaliar as medidas tomadas pelas autoridades eclesiásticas nos últimos vinte anos, depois que casos de agressões sexuais tinham regularmente chegado ao conhecimento da opinião pública. Aqui também, apesar das decisões definidas “importantes” para preveni-las ou tratá-las, a Ciase expressa um juízo severo. Aquelas medidas foram muitas vezes “tardias”, decididas “como reação aos ‘acontecimentos’ e, além disso, ‘aplicadas de maneira desigual’”. Em suma: “Globalmente insuficientes”.

> Com tradução para o IHU Online de Luisa Rabolini da versão em italiano do texto publicada por Fine Settimana, sob o título "Abusos sexuais na Igreja católica: o balanço avassalador da comissão Sauvé". 

Padre diz que a Igreja ainda não entendeu a seriedade dos abusos sexuais



Igreja holandesa vai indenizar mais de 2 mil vítimas de padres


Comentários

Anônimo disse…
Candidato Cristão é aprovado em prova de concurso público promovido pelo Estado Laico.
Anônimo disse…
a MELHOR FORMA DE COMBATER O CRIME É FECHANDO A SEITA CATÓLICA. JÁ VAI REDUZIR PELA METADE OS ABUSOS.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Cristianismo é a religião que mais perseguiu o conhecimento científico

Cristãos foram os inventores da queima de livros LUÍS CARLOS BALREIRA / opinião As epidemias e pandemias durante milhares de anos antes do cristianismo tiveram as mais estapafúrdias explicações dos deuses. Algumas mentes brilhantes da antiguidade, tais como Imhotep (2686-2613 a.C.) e Hipócrates (460-377 a.C.) tentaram passar explicações científicas para as massas de fanáticos religiosos, ignorantes, bestas humanas. Com a chegada ao mundo das feras cristãs, mergulhamos numa era de 2000 anos de trevas e ignorância. Os cristãos foram os inventores da queima de livros e bibliotecas. O cristianismo foi a religião que mais perseguiu o conhecimento científico e os cientistas. O Serapeu foi destruído em 342 d.C. por ordem de um bispo cristão de Alexandria, sob a proteção de Teodósio I.  Morte de Hipatia de Alexandrina em ilustração de um livro do século 19 A grande cientista Hipátia de Alexandria (351/370) foi despida em praça pública e dilacerada viva pelas feras e bestas imundas cristãs. So

Estudante expulsa acusa escola adventista de homofobia

Arianne disse ter pedido outra com chance, mas a escola negou com atualização Arianne Pacheco Rodrigues (foto), 19, está acusando o Instituto Adventista Brasil Central — uma escola interna em Planalmira (GO) — de tê-la expulsada em novembro de 2010 por motivo homofóbico. Marilda Pacheco, a mãe da estudante, está processando a escola com o pedido de indenização de R$ 50 mil por danos morais. A primeira audiência na Justiça ocorreu na semana passada. A jovem contou que a punição foi decidida por uma comissão disciplinar que analisou a troca de cartas entre ela e outra garota, sua namorada na época. Na ata da reunião da comissão consta que a causa da expulsão das duas alunas foi “postura homossexual reincidente”. O pastor  Weslei Zukowski (na foto abaixo), diretor da escola, negou ter havido homofobia e disse que a expulsão ocorreu em consequência de “intimidade sexual” (contato físico), o que, disse, é expressamente proibido pelo regulamento do estabelecimento. Consel

Roger tenta anular 1ª união para se casar com Larissa Sacco

Médico é acusado de ter estuprado pacientes Roger Abdelmassih (foto), 66, médico que está preso sob a acusação de ter estuprado 56 pacientes, solicitou à Justiça autorização  para comparecer ao Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de São Paulo de modo a apresentar pedido de anulação religiosa do seu primeiro casamento. Sônia, a sua segunda mulher, morreu de câncer em agosto de 2008. Antes dessa união de 40 anos, Abdelmassih já tinha sido casado no cartório e no religioso com mulher cujo nome ele nunca menciona. Esse casamento durou pouco. Agora, o médico quer anular o primeiro casamento  para que possa se casar na Igreja Católica com a sua noiva Larissa Maria Sacco (foto abaixo), procuradora afastada do Ministério Público Federal. Médico acusado de estupro vai se casar com procuradora de Justiça 28 de janeiro de 2010 Pelo Tribunal Eclesiástico, é possível anular um casamento, mas a tramitação do processo leva anos. A juíza Kenarik Boujikian Felippe,  da 16ª

Drauzio Varella afirma por que ateus despertam a ira de religiosos

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Seleção de vôlei sequestrou palco olímpico para expor crença cristã

Título original: Oração da vitória por Daniel Sottomaior (foto) para Folha de S.Paulo Um hipotético sujeito poderoso o suficiente para fraudar uma competição olímpica merece ser enaltecido publicamente? A se julgar pela ostensiva prece de agradecimento da seleção brasileira de vôlei pela medalha de ouro nas Olimpíadas, a resposta é um entusiástico sim! Sagrado é o direito de se crer em qualquer mitologia e dá-la como verdadeira. Professar uma religião em público também não é crime nenhum, embora costume ser desagradável para quem está em volta. Os problemas começam quando a prática religiosa se torna coercitiva, como é a tradição das religiões abraâmicas. Os membros da seleção de vôlei poderiam ter realizado seus rituais em local mais apropriado. É de se imaginar que uma entidade infinita e onibenevolente não se importaria em esperar 15 minutos até que o time saísse da quadra. Mas uma crescente parcela dos cristãos brasileiros não se contenta com a prática privada: para

Com 44% de ateus, Holanda usa igrejas como livrarias e cafés

Livraria Selexyz, em Maastricht Café Olivier, em Utrecht As igrejas e templos da Holanda estão cada vez mais vazios e as ordens religiosas não têm recursos para mantê-los. Por isso esses edifícios estão sendo utilizados por livrarias, cafés, salão de cabeleireiro, pistas de dança, restaurantes, casas de show e por aí vai. De acordo com pesquisa de 2007, a mais recente, os ateus compõem 44% da população holandesa; os católicos, 28%; os protestantes, 19%; os muçulmanos, 5%, e os fiéis das demais religiões, 4%. A maioria da população ainda acredita em alguma crença, mas, como ocorre em outros países, nem todos são assíduos frequentadores de celebrações e cultos religiosos. Algumas adaptações de igrejas têm sido elogiadas, como a de Maastricht, onde hoje funciona a livraria Selexyz (primeira foto acima). A arquitetura realmente impressiona. O Café Olivier (a segunda foto), em Utrecht, também ficou bonito e agradável. Ao fundo, em um mezanino, se destaca o órgão da antiga ig

Bíblia diz que pastor tem de ganhar bem, afirma Malafaia

Malafaia disse  a Gabi  que ama os  gays como  ama os bandidos   Silas Malafaia (foto), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, afirmou que a “Bíblia diz que pastor deve ganhar muito bem”. Ainda assim, afirmou ao ser entrevistado por Marília Gabriela , faz 25 anos que ele abriu mão do salário da igreja. Falou que seus rendimentos vêm de palestras e da venda de livros e CDS de sua editora, a Central Gospel. O pastor levou a sua declaração do Imposto de Renda ao  programa "De Frente com Gabi", apresentado ontem pelo SBT, para mostrar que seus bens dão o total de R$ 4,5 milhões, em valores atualizados. Afirmou que, por isso, vai processar a revista americana Forbes por ter lhe atribuído uma fortuna de R$ 300 milhões, quantia que o colocaria na terceira posição na lista de pastores mais ricos do Brasil, abaixo apenas de Edir Macedo e Valdemiro Santiago. Malafaia chamou o jornalista que escreveu a reportagem de “safado, sem vergonha, caluniador”, porque, disse, que

Suposto ativista do Anonymous declara guerra a Malafaia

Grupo Anonymous critica o enriquecimento de pastores O braço brasileiro dos ativistas digitais Anonymous (ou alguém que está se passando por eles) declarou guerra ao Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e aos demais pastores que pregam "mentiras" e “a prosperidade usando a Bíblia” para enriquecimento próprio. “Vamos buscar a fé verdadeira e a religião”, promete uma voz feminina gerada por um soft, de acordo com um vídeo de 14,5 minutos. As imagens reproduzem cenas de programas antigos do pastor pedindo aos fiéis, por exemplo, contribuição no valor de um aluguel, inclusive dos desempregados. Em contraposição, o vídeo apresenta o depoimento de alguns pastores que criticam a “teologia da prosperidade”. Resgata uma gravação onde Malafaia chama de “palhaço” um pastor cearense que critica a exploração dos fiéis. Como quase sempre, é difícil confirmar a autenticidade de mensagem dos Anonymous. Neste vídeo, o curioso é que os ativistas estão preocup