Moro não se opõe ao conservadorismo religioso
O ateu e ateia bolsonarista se revela politicamente conservador, baseado em ideias como a pauta anticorrupção, a defesa de uma economia de livre mercado onde o indivíduo é o único referencial (como a ideia de que a pobreza ou a riqueza é consequência exclusiva da ação dos sujeitos), apego aos valores heteronormativos como únicos corretos, vide família e casamento.
O entendimento do ateísmo apenas como descrença em Deus enfraquece o impacto político e social nas reflexões sobre diversas demandas que dilaceram o país atualmente.
E isso é mais impactante ao se ter conhecimento de que o ateísmo moderno, que apareceu acoplado ao desenvolvimento da filosofia iluminista, foi um poderoso fermento de contestação ao Antigo Regime europeu, como a estrutura social estamental, a união entre Igreja e Estado, as desigualdades econômicas e os valores morais retrógrados.
E agora, não bastasse a existência do “ateu e ateia bolsonarista”, a internet começa a revelar o surgimento dos “ateus e ateias moristas”, ou seja, apoiadores e apoiadoras do ex-juiz Sérgio Moro, atual pré-candidato para as eleições presidenciais de 2022, sob a justificativa de ele ser o candidato “honesto”, paladino da ética e da luta contra a corrupção, único capaz de vencer Lula e as esquerdas e não ser um fascista como Bolsonaro.
Ateus e ateias apoiando Sérgio Moro, a pessoa sobre quem pairam inúmeros relatos de ter atuado como um verdadeiro Torquemada na condução da Lava Jato, atropelado os procedimentos legais, vazado informações sobre a operação para a grande mídia e, declarado por fim, parcial pelo STF em julgamentos envolvendo o ex-presidente Lula.
Mas não apenas isso. Sérgio Moro tornou-se ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro. Na época, Rosângela Moro (esposa) declarou que "Moro e Bolsonaro são uma coisa só".
Mais tarde, Sérgio Moro saiu do governo Bolsonaro reclamando de interferências do presidente nos assuntos relativos ao Ministério da Justiça e dizendo até mesmo que na época do PT não havia esse tipo de interferência.
Mas, ao sair do governo, em nenhum momento Sérgio Moro mostrou divergência com a pauta econômica liberal, com a prática política autoritária e o conservadorismo religioso de Bolsonaro sobre os costumes. Esse é o mesmo Sérgio Moro que ateus e ateias começam a defender como “diferente” do Bolsonaro.
Algumas pessoas que lerem esse artigo podem concluir que eu estou defendendo que todo ateu e ateia tenha que ser de esquerda ou votar no PT e no Lula. Não.
Não é esse o raciocínio do artigo. O que quero ressaltar é que o fato de uma pessoa se auto definir como ateia não implica que ela não possa ser conservadora, moralista e eivada de preconceitos.
O que me entristece, ainda mais conhecendo a história de ateus e ateias que dedicaram suas vidas contra discriminações e desigualdades de vários matizes, como Ernestine Rose, Bertrand Russell, Simone de Beauvoir, Huey Percy Newton e José Saramago.
> Esse texto foi publicado originalmente na Tribuna da Imprensa sob o título Sobre ateus bolsonaristas e moristas: uma opinião.
professor de história
Uma Pesquisa Datafolha divulgada em 25 de outubro de 2018 mostrou a estimativa da distribuição dos votos do eleitorado no segundo turno das eleições presidenciais brasileiras daquele ano de acordo com o perfil religioso dos votantes.
Nessa pesquisa, 1.048.388 da estimativa dos votos válidos foram de pessoas que se declararam ateias ou agnósticas. O candidato Fernando Haddad (PT) angariava 670.968 mil votos desse grupo, enquanto Jair Bolsonaro (PSL) obtinha, por sua vez, 377.420 mil votos.
Para quem olhar para os grupos religiosos vai reparar que a pesquisa revelou que Jair Bolsonaro (PSL) teve mais votos do eleitorado católico, evangélico (nesse segmento, de modo maciço), espírita e daqueles que foram classificados como de “outra religião”.
Fernando Haddad (PT) ganhou mais votos, além do segmento populacional dos ateus e agnósticos, dos adeptos de religião de matriz africana e dos que se definiram como “sem religião”.
Ainda que Bolsonaro tenha perdido a eleição no grupo ateísta e agnóstico, chama atenção que a estimativa de votos dados a ele por esse segmento tenha sido 377.420.
Bolsonaro, o candidato cujo lema de campanha foi “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”; o mesmo que disse durante a campanha que “não existe essa historinha de Estado laico. É Estado cristão”; o mesmo que estabeleceu alianças políticas com grupos religiosos conservadores; e que mais recentemente defendeu um “ministro terrivelmente evangélico” para o STF, dando a entender que o critério de escolha para o STF é a opção religiosa.
Muitos ateus e ateias não apenas votaram em Jair Bolsonaro como continuaram a apoiá-lo depois que ele foi eleito. A internet, especialmente as redes sociais, é uma fonte notável para encontrar esse tipo de posicionamento da parte de pessoas que se declaram ateístas.
Como pesquisador da história do ateísmo, fiquei intrigado e busquei entender o fenômeno do “ateu bolsonarista”. Como explicar algo que a princípio parece algo incoerente?
Uma primeira pista que me levou a decifrar esse enigma provém da definição que esses ateus a ateias oferecem ao ateísmo, o qual, na opinião deles, significa apenas não acreditar na existência de Deus.
Consequentemente, não haveria relação entre ateísmo e política, não sendo, assim, incoerente o apoio ao Bolsonaro. Ao se avançar nas explicações, essas pessoas também desfraldam a bandeira da anticorrupção como justificativa e, por fim, a convicção de que Bolsonaro seria eficaz no combate ao comunismo.
A partir de tais justificativas é possível entender que o ateísmo não significa para essas pessoas a possibilidade de desenvolver um olhar crítico e contestador sobre os elementos que buscam moldar a estrutura social na qual estão inseridos.
Uma Pesquisa Datafolha divulgada em 25 de outubro de 2018 mostrou a estimativa da distribuição dos votos do eleitorado no segundo turno das eleições presidenciais brasileiras daquele ano de acordo com o perfil religioso dos votantes.
Nessa pesquisa, 1.048.388 da estimativa dos votos válidos foram de pessoas que se declararam ateias ou agnósticas. O candidato Fernando Haddad (PT) angariava 670.968 mil votos desse grupo, enquanto Jair Bolsonaro (PSL) obtinha, por sua vez, 377.420 mil votos.
Para quem olhar para os grupos religiosos vai reparar que a pesquisa revelou que Jair Bolsonaro (PSL) teve mais votos do eleitorado católico, evangélico (nesse segmento, de modo maciço), espírita e daqueles que foram classificados como de “outra religião”.
Fernando Haddad (PT) ganhou mais votos, além do segmento populacional dos ateus e agnósticos, dos adeptos de religião de matriz africana e dos que se definiram como “sem religião”.
Ainda que Bolsonaro tenha perdido a eleição no grupo ateísta e agnóstico, chama atenção que a estimativa de votos dados a ele por esse segmento tenha sido 377.420.
Bolsonaro, o candidato cujo lema de campanha foi “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”; o mesmo que disse durante a campanha que “não existe essa historinha de Estado laico. É Estado cristão”; o mesmo que estabeleceu alianças políticas com grupos religiosos conservadores; e que mais recentemente defendeu um “ministro terrivelmente evangélico” para o STF, dando a entender que o critério de escolha para o STF é a opção religiosa.
Muitos ateus e ateias não apenas votaram em Jair Bolsonaro como continuaram a apoiá-lo depois que ele foi eleito. A internet, especialmente as redes sociais, é uma fonte notável para encontrar esse tipo de posicionamento da parte de pessoas que se declaram ateístas.
Como pesquisador da história do ateísmo, fiquei intrigado e busquei entender o fenômeno do “ateu bolsonarista”. Como explicar algo que a princípio parece algo incoerente?
Uma primeira pista que me levou a decifrar esse enigma provém da definição que esses ateus a ateias oferecem ao ateísmo, o qual, na opinião deles, significa apenas não acreditar na existência de Deus.
Consequentemente, não haveria relação entre ateísmo e política, não sendo, assim, incoerente o apoio ao Bolsonaro. Ao se avançar nas explicações, essas pessoas também desfraldam a bandeira da anticorrupção como justificativa e, por fim, a convicção de que Bolsonaro seria eficaz no combate ao comunismo.
A partir de tais justificativas é possível entender que o ateísmo não significa para essas pessoas a possibilidade de desenvolver um olhar crítico e contestador sobre os elementos que buscam moldar a estrutura social na qual estão inseridos.
O ateu e ateia bolsonarista se revela politicamente conservador, baseado em ideias como a pauta anticorrupção, a defesa de uma economia de livre mercado onde o indivíduo é o único referencial (como a ideia de que a pobreza ou a riqueza é consequência exclusiva da ação dos sujeitos), apego aos valores heteronormativos como únicos corretos, vide família e casamento.
O entendimento do ateísmo apenas como descrença em Deus enfraquece o impacto político e social nas reflexões sobre diversas demandas que dilaceram o país atualmente.
E isso é mais impactante ao se ter conhecimento de que o ateísmo moderno, que apareceu acoplado ao desenvolvimento da filosofia iluminista, foi um poderoso fermento de contestação ao Antigo Regime europeu, como a estrutura social estamental, a união entre Igreja e Estado, as desigualdades econômicas e os valores morais retrógrados.
E agora, não bastasse a existência do “ateu e ateia bolsonarista”, a internet começa a revelar o surgimento dos “ateus e ateias moristas”, ou seja, apoiadores e apoiadoras do ex-juiz Sérgio Moro, atual pré-candidato para as eleições presidenciais de 2022, sob a justificativa de ele ser o candidato “honesto”, paladino da ética e da luta contra a corrupção, único capaz de vencer Lula e as esquerdas e não ser um fascista como Bolsonaro.
Ateus e ateias apoiando Sérgio Moro, a pessoa sobre quem pairam inúmeros relatos de ter atuado como um verdadeiro Torquemada na condução da Lava Jato, atropelado os procedimentos legais, vazado informações sobre a operação para a grande mídia e, declarado por fim, parcial pelo STF em julgamentos envolvendo o ex-presidente Lula.
Mas não apenas isso. Sérgio Moro tornou-se ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro. Na época, Rosângela Moro (esposa) declarou que "Moro e Bolsonaro são uma coisa só".
Mais tarde, Sérgio Moro saiu do governo Bolsonaro reclamando de interferências do presidente nos assuntos relativos ao Ministério da Justiça e dizendo até mesmo que na época do PT não havia esse tipo de interferência.
Mas, ao sair do governo, em nenhum momento Sérgio Moro mostrou divergência com a pauta econômica liberal, com a prática política autoritária e o conservadorismo religioso de Bolsonaro sobre os costumes. Esse é o mesmo Sérgio Moro que ateus e ateias começam a defender como “diferente” do Bolsonaro.
Algumas pessoas que lerem esse artigo podem concluir que eu estou defendendo que todo ateu e ateia tenha que ser de esquerda ou votar no PT e no Lula. Não.
Não é esse o raciocínio do artigo. O que quero ressaltar é que o fato de uma pessoa se auto definir como ateia não implica que ela não possa ser conservadora, moralista e eivada de preconceitos.
O que me entristece, ainda mais conhecendo a história de ateus e ateias que dedicaram suas vidas contra discriminações e desigualdades de vários matizes, como Ernestine Rose, Bertrand Russell, Simone de Beauvoir, Huey Percy Newton e José Saramago.
Comentários
Junte com os vieses cognitivos, como dissonância cognitiva e hipocrisia, vai aparecer logicamente os ateus bolsominions, conservadores e afins insanos.
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