O livro mais sagrado do Estado brasileiro é a Constituição
Com um português ruim e uma lógica pior, o deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA) apresentou no começo de 2019 um projeto de lei que, em condições normais de temperatura e pressão, estaria fadado ao solene esquecimento nas gavetas da Câmara.
O pastor deputado quer proibir o uso da palavra "Bíblia" e da expressão "Bíblia sagrada" fora do contexto tradicional cristão. O veto valeria para publicações impressas e eletrônicas, e seu descumprimento configuraria estelionato e crime contra o sentimento religioso.
Na forma e no conteúdo, não passa de iniciativa parlamentar estapafúrdia como tantas outras que encorpam o folclore do Congresso.
Ocorre que, em dezembro de 2021, um conjunto de 16 líderes e ex-líderes de partidos assinaram um requerimento para a proposta tramitar em regime de urgência, de modo que ela estaria dispensada de passar pelas comissões da Casa e saltaria direto para o plenário.
A mobilização chama a atenção pelo que tem de eclética. Ela não só reuniu agremiações da esquerda à direita como contou com siglas de três candidatos a presidente bem colocados nas pesquisas: o PT de Lula, o PL de Jair Bolsonaro e o Podemos de Sergio Moro.
Nenhum deles ignora que o eleitorado religioso parece ganhar relevância nas disputas majoritárias, e seus partidos decerto traçam estratégias para conquistar a simpatia desse segmento.
Convencer a população a votar neste ou naquele candidato faz parte do jogo. Rasgar a Constituição, entretanto, não faz.
A sugestão de proibir o uso de alguma palavra ou expressão contraria princípios caros ao Estado democrático de Direito, como a livre manifestação do pensamento e o veto a qualquer forma de censura.
O caso é ainda mais grave porque, ao justificar sua proposta, o deputado se revela preocupado com a edição de uma "Bíblia Gay" e diz: "Há indícios que tal livro pretende tirar as referências que condenam o homossexualismo".
Ou seja, ele se escora na homofobia, prática que por boas razões o Supremo Tribunal Federal equiparou ao racismo — um crime imprescritível e inafiançável.
Na última quinta (10), o requerimento para acelerar a tramitação do projeto entrou na ordem do dia da Câmara, mas sua votação acabou adiada. Quando voltar à pauta, que os deputados se lembrem de que o livro mais sagrado do Estado brasileiro é a Constituição.
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