Jornalista colheu depoimentos e ouviu vítimas
O título de um livro da jornalista Iara Lemos vai direto ao ponto, como um tapa no rosto de quem fecha os olhos para um crime perpetrado contra crianças famintas: "A Cruz Haitiana — Como a Igreja Católica Usou seu Poder para Esconder Religiosos Pedófilos no Haiti" (Tagore Editora).
A voraz legião de padres pedófilos ataca em todo o mundo, nos Estados Unidos, Alemanha, França, Irlanda… Nos últimos anos, a imprensa tem denunciado esses criminosos, forçando a Igreja Católica a se manifestar, mas ainda assim os holofotes poupam os predadores sexuais do Haiti, país onde, como se a miséria não fosse o bastante, as tragédias da natureza são frequentes.
Abrangendo três décadas, os relatos do livro mostram que os pedófilos da Igreja Católica não têm piedade sequer de crianças famintas — a comida é usada para obter sexo, para facilitar o estupro.
"O alvo desses religiosos são crianças que vivem nas ruas, o que é comum no Haiti", diz a autora em uma entrevista. "Eles levam as crianças para as escolas, onde são violentadas".
Uma jovem teve de se entregar a um padre sob a ameaça de uma arma. E ela ficou grávida.
Iara Lemos ouviu pela primeira vez sobre os padres pedófilos do Haiti em 2008, quando esteve no país, na cidade Jérémie, para uma reportagens sobre a missão de freiras brasileiras.
Colheu documentos no Vaticano, Canadá e Estados Unidos, descobrindo que a Igreja mandava para o Haiti padres que violentaram crianças em seu país de origem, geralmente.
Lemos voltou para o Haiti para falar com as vítimas. Contou com a colaboração do jornalista haitiano Cyrus Sibert, que, com a família, teve de sair do país, por pressão da liderança da Igreja Católica.
A brasileira também teve a ajuda de Mitchell Garabedian, advogado conhecido por participar da descoberta dos abusos cometidos por padres de Boston, Estados Unidos, o que resultou no filme Spotlight.
Os primeiros casos de abusos que podem ser comprovados pelos documentos apurados pela jornalista ocorreram nos anos 1990. Milhares de crianças foram vítimas dos padres.
O livro revela os nomes de criminosos, alguns poucos deles foram divulgados pela imprensa internacional. Todos contam ou já contaram com o acobertamento da Igreja.
Dom Józef Wesolowski, polonês, está na lista dos abusadores. Entre 2008 e 2013, ele foi núncio papal do Haiti e República Dominicana e abusou de crianças em situação de rua dos dois países.
O Vaticano afastou Wesolowski de suas atividades, mas não pôde julgá-lo porque morreu em 2015, aos 67 anos. E assim a pedofilia de padres no Haiti continua longe do noticiário internacional.
Vítimas da fome, tragédias naturais e da pedofilia |
Um trecho do livro
"O que começou com uma reportagem sobre um grupo de freiras gaúchas que atuava no Haiti — e que me rendeu um Prêmio Esso de Jornalismo — desaguou em denúncias sobre exploração sexual envolvendo representantes da Igreja Católica no país considerado o mais pobre das Américas. É lá que a sociedade vive com fome, que crianças descobrem, ao longo de sua curta existência, que o único lugar seguro que tiveram um dia foi no útero materno. Fora dele, sob as bençãos de quem deveria protegê-las, milhares de menores são usados como objeto sexual, em uma prática milenar da cultura haitiana. Outros tantos são violentados para satisfazer desejos obscuros de padres e representantes da Igreja Católica. Todos eles colocados no país de forma sistemática para manter longe de sociedades mais estruturadas os problemas nunca solucionados pelo sistema religioso católico."
> Com informação de O Tempo e de outras fontes.
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