Em 2012, a Câmara expulsou um servidor público que se recusou a ficar em pé durante leitura de trecho da Bíblia
O Ministério Público do Estado de São Paulo deu o golpe de misericórdia nas leituras bíblicas realizadas na Câmara Municipal de Piracicaba ao propor a ADI (Ação de Inconstitucionalidade) 2060503-84.2022.8.26.0000, provocado pelo escritor e jornalista ateu Eduardo Banks, ativista de defesa do Estado laico.
Ajuizado em 22 de março, o processo foi distribuído à relatoria do Desembargador Moacir Peres, do Órgão Especial que, dois dias depois, requisitou informações da Câmara.
Como noticiado neste site, o servidor do Ministério Público de São Paulo, Régis Bencsik Monteiro chegou a ser expulso das dependências da Câmara Municipal, por se recusar a ficar de pé durante a “leitura bíblica” [vídeo abaixo].
Como noticiado neste site, o servidor do Ministério Público de São Paulo, Régis Bencsik Monteiro chegou a ser expulso das dependências da Câmara Municipal, por se recusar a ficar de pé durante a “leitura bíblica” [vídeo abaixo].
Régis processou o Município, e em 2020 o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou o Município de Piracicaba a pagar indenização de cinco mil reais, corrigidos desde a data do fato, em 2012, ao servidor ultrajado.
Segundo o texto da representação aviada por Eduardo Banks, a prática da leitura bíblica transforma os vereadores em sacerdotes, como se fossem “áugures” ou “augustais”, ou outros magistrados romanos que acumulavam funções de sacerdócio, comparando-os aos Lords Spirituals, bispos anglicanos que têm assento na Câmara dos Lordes do Reino da Inglaterra, o que também “avilta aos cidadãos que professam outras religiões, aos que não praticam ou seguem nenhuma religião, e aos que são agnósticos ou ateus”, pois dá um “recado” à população de que a Bíblia seria um livro “superior” a outros livros, como a Constituição, o que infringe diretamente o artigo 19, inciso I da Constituição Federal, incorporado aos artigos 111 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.
A Câmara Municipal respondeu ao Ministério Público dizendo que “muito mais do que um livro sagrado, a Bíblia é um compilado de textos que nos contam a história da humanidade e pode ser lida e interpretada sob diferentes vieses”, e que Eduardo Banks “faz uma análise simplista e distorcida da previsão Regimental da Câmara piracicabana, ao afirmar que, com a leitura bíblica, os Vereadores se transformam em sacerdotes”.
Invocou a existência do Projeto de Lei nº. 1, de 2019, na Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Sargento Isidório, que pretende transformar a Bíblia em “patrimônio cultural da Humanidade”.
Em relação ao fato envolvendo o servidor Régis Bencsik Monteiro, a Câmara Municipal deu a sua versão, tentando minorar a gravidade do caso, dizendo que “a conduta do então Presidente que mandou retirar o cidadão do Plenário, por se recusar a ficar em pé, não adotada nem recomentada dentro desta Casa de Leis, onde todos os posicionamentos religiosos e ideológicos são igualmente respeitados. Salienta-se que tal fato ocorreu há mais de seis anos e nunca voltou a se repetir no Plenário da Casa”.
Em relação ao fato envolvendo o servidor Régis Bencsik Monteiro, a Câmara Municipal deu a sua versão, tentando minorar a gravidade do caso, dizendo que “a conduta do então Presidente que mandou retirar o cidadão do Plenário, por se recusar a ficar em pé, não adotada nem recomentada dentro desta Casa de Leis, onde todos os posicionamentos religiosos e ideológicos são igualmente respeitados. Salienta-se que tal fato ocorreu há mais de seis anos e nunca voltou a se repetir no Plenário da Casa”.
Com isso, admitiu, ainda que implicitamente, que houve excesso e ato ilícito por parte do então Presidente da Câmara Municipal, João Manuel dos Santos (PTB), e que a 4ª Câmara de Direito Público do TJ-SP andou bem em condenar o Município a indenizar o servidor.
A argumentação, da Chefe do Departamento Jurídico e de Transparência da Câmara Municipal de Piracicaba Laura Margoni Checoli não convenceu ao Procurador Geral de Justiça em exercício João Machado de Araújo Neto, que de logo propôs a Ação de Inconstitucionalidade, afirmando:
“De fato, não compete ao poder público criar preferência por determinada religião – como a leitura de um texto bíblico nas sessões da Câmara – voltado exclusivamente aos seguidores dos princípios cristãos.” (...) “O ato normativo em análise tem nítido caráter religioso, instituindo preferência por determinadas religiões, deixando de contemplar as que não se orientam pela Bíblia.”
Pediu que “seja julgado procedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade da expressão ‘e ao Segundo Secretário para que faça a leitura bíblica’ constante do art. 121 caput da Resolução no 16, de 19 de novembro de 1993, do Município de Piracicaba (Regimento Interno da Câmara Municipal).”
Uma vez a leitura bíblica foi pretexto para expulsar um cidadão do interior da casa do Povo, que é a Câmara Municipal; depois, o Município foi condenado a ressarcir em pecúnia ao munícipe ultrajado em sua liberdade de ir e vir, e proibido de manifestar a sua discordância com o ato de culto religioso praticado dentro de uma Casa de Leis. Agora, é a leitura bíblica que será proibida — por iniciativa de um ateu declarado — quando o Órgão Especial do TJ-SP julgar o mérito da Ação de Inconstitucionalidade, esperando-se que siga a jurisprudência já consolidada no Tribunal de que resolução de Câmara Municipal que institua “leitura bíblica” viola a laicidade do Estado e é, por isso, inconstitucional.
Eduardo Banks entende que é importante proibir leituras religiosas em espaços públicos, pois assim é combatida a influência dos padres e pastores na sociedade; ele também representou contra a prática da leitura bíblica nas câmaras municipais de Araçatuba, Araraquara e São Carlos, e pediu aos leitores deste blog que comentem nesta matéria para informar quanto à existência de resoluções semelhantes em suas cidades, fazendo um “pente fino” contra “leituras bíblicas” e outras violações à laicidade estatal, para que também represente contra todas elas, ou que cada cidadão, querendo, represente ele mesmo ao Procurador Geral de Justiça pedindo a propositura de ADI.
> Com informações da íntegra do parecer do Ministério Público e do escritor Eduardo Banks.
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