Pular para o conteúdo principal

Vírus de alta letalidade ressurge no Brasil após 20 anos

Causador da febre hemorrágica brasileira, vírus sabiá (SABV) contabiliza quatro infecções na zona rural de São Paulo

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA FMUSP

Uma nova pesquisa realizada em coparticipação pelo Instituto de Medicina Tropical (IMT) e o Hospital das Clínicas (HC), ambos da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), que diagnosticou em 2019 dois novos casos de infecção pelo vírus sabiá (SABV), aprofundou a investigação sobre esse agente causador da febre hemorrágica brasileira.

Anteriormente, apenas quatro infecções desse tipo haviam sido detectadas no País, a última delas, há mais de 20 anos. Os dois diagnósticos foram realizados em meio a um surto de febre amarela na região Sudeste do País.

“Fizemos esse estudo durante a epidemia de febre amarela, então nos casos em que não conseguimos fechar o diagnóstico, fomos atrás de outros vírus”, explica a médica Ana Catharina Nastri, da Divisão de Doenças Infecciosas do HC-FMUSP. “Para nossa surpresa, achamos esses dois casos, que são extremamente raros.”

Segundo ela, os avanços na anatomia patológica, especialmente na microscopia eletrônica, permitiram um estudo mais aprofundado sobre o Brazillian mammarenavirus, ou vírus sabiá, trazendo novas informações a respeito de suas manifestações clínicas, histopatologia e possibilidade de transmissão hospitalar. 

Os achados foram publicados em artigo na revista Travel Medicine and Infectious Disease, em maio de 2022, tendo a médica Nastri como primeira autora e orientação da professora Ana S. Levin, do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da FMUSP.

Vírus sabiá

O nome do agente patogênico é uma referência ao bairro Sabiá, localizado no município de Cotia, na Grande São Paulo, onde suspeita-se que a primeira vítima tenha sido infectada. Embora existam vários tipos de Mammarenavirus descritos em diferentes países da América do Sul, o SABV é característico do Brasil. “Alguns desses vírus possuem o ciclo viral mais bem conhecidos, já o nosso vírus sabiá possui pouquíssimos dados”, diz a médica.

 “Ainda não sabemos qual é o seu reservatório na natureza, a forma de transmissão, e se existiria infecção através do contato inter-humano.”

Os quatro casos de
infecção do vírus
ocorreram na zona rural 

Previamente ao estudo, apenas quatro infecções por SABV haviam sido registradas. Ao que tudo indica, uma delas ocorreu na cidade de Cotia, em 1990, e outra, na cidade do Espírito Santo do Pinhal, em 1999, ambas localizadas na zona rural do Estado de São Paulo. 

Nos dois casos, o contágio acometeu trabalhadores rurais que vieram a falecer em decorrência de complicações da febre hemorrágica. As outras duas infecções ocorreram em trabalhadores de laboratório que, provavelmente, foram infectados enquanto manipulavam o vírus. Ambos sobreviveram.

"Caso A e Caso B”

Os dois novos casos detectados, chamados no estudo conduzido no Hospital das Clínicas de “Caso A e Caso B”, ocorreram nas cidades de Sorocaba e Assis (no interior de São Paulo), respectivamente, e ambos os pacientes foram admitidos no Hospital das Clínicas (HC) com hipótese diagnóstica de caso grave de febre amarela. 

O primeiro foi um homem de 52 anos que havia caminhado pela floresta na cidade de Eldorado (170 quilômetros ao sul de São Paulo) e passou a apresentar sintomas como dor muscular, dor abdominal e tontura. No dia seguinte, ele desenvolveu conjuntivite, sendo medicado em um hospital local e depois liberado. Quatro dias depois, foi internado novamente com febre alta e sonolência. Suspeitou-se de febre amarela e ele foi transferido para o Hospital das Clínicas.

Durante a internação, seu quadro clínico foi agravado até ele ser transferido para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), dez dias após o início dos sintomas, com sangramento significativo, insuficiência renal, rebaixamento do nível de consciência e hipotensão, vindo a falecer dois dias depois.

O Caso B refere-se a um homem de 63 anos, trabalhador rural de Assis (440 quilômetros a oeste de São Paulo), que apresentou febre, mialgia generalizada, náusea e prostração. Os sintomas pioraram e oito dias depois ele foi admitido no HC com depressão do nível de consciência e insuficiência respiratória com necessidade de intubação. Uma disfunção ventricular esquerda grave (redução drástica da função de bombeamento de parte do coração) levou a um choque refratário e eventual óbito, 11 dias após o início dos sintomas.

O que sabemos 

Para realizar os diagnósticos, os cientistas utilizaram a técnica metagenômica, que permite identificar vírus ainda desconhecidos por meio da extração, replicação e eventual sequenciamento do material genético do agente infeccioso. 

Esse material é então comparado a outros organismos em bancos de dados de bioinformática, com informações de patógenos de todo o mundo. Ao relacionar o vírus encontrado nos pacientes com outros tipos de Mammarenavirus e verificar a compatibilidade da descoberta com a prática clínica, determinou-se que se tratava do SABV.

Na análise das duas infecções fatais do estudo, os pesquisadores identificaram sintomas análogos aos registrados nos casos da década de 90. “A parte clínica é muito parecida com o que já havíamos visto antes, e entre os dois novos casos, a manifestação também foi muito similar”, diz Ana Nastri. Em todos os casos houve um comprometimento significativo do fígado e de órgãos associados à produção de células de defesa, o que pode ter facilitado o surgimento de infecções secundárias, tornando o diagnóstico inicial mais complexo.

Quanto à geografia das infecções, os quatro casos registrados tiveram como ponto em comum infecções ocorridas na zona rural. “Inferimos, baseados nos outros Mammarenavirus da América do Sul, que provavelmente a pessoa se contamina por inalação de partículas virais, talvez de fezes de roedores. Mas isso não está comprovado justamente porque temos pouquíssimos casos descritos”, diz Ana. 

A médica ainda alerta que, justamente por se tratar de áreas rurais com menos recursos laboratoriais e de diagnóstico, alguns casos podem ter evadido a análise clínica, impossibilitando um panorama completo da febre hemorrágica brasileira. “Não sabemos se realmente não há casos mais leves, como na febre amarela, que possui desde o caso grave até os que não têm sintoma nenhum.”

> Com imagem da Wikimedia Commons.

Corpo humano abriga trilhões de vírus, muito mais do que células 




Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Jornalista defende liberdade de expressão de clérigo e skinhead

Título original: Uma questão de hombridade por Hélio Schwartsman para Folha "Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos"  Disputas eleitorais parecem roubar a hombridade dos candidatos. Se Fernando Haddad e José Serra fossem um pouco mais destemidos e não tivessem transformado a busca por munição contra o adversário em prioridade absoluta de suas campanhas, estariam ambos defendendo a necessidade do kit anti-homofobia, como aliás fizeram quando estavam longe dos holofotes sufragísticos, desempenhando funções executivas. Não é preciso ter o dom de ler pensamentos para concluir que, nessa matéria, ambos os candidatos e seus respectivos partidos têm posições muito mais próximas um do outro do que da do pastor Silas Malafaia ou qualquer outra liderança religiosa. Não digo isso por ter aderido à onda do politicamente correto. Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos. Acredito que clérigos e skinheads devem ser l

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias