ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA FMUSP
Uma nova pesquisa realizada em coparticipação pelo Instituto de Medicina Tropical (IMT) e o Hospital das Clínicas (HC), ambos da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), que diagnosticou em 2019 dois novos casos de infecção pelo vírus sabiá (SABV), aprofundou a investigação sobre esse agente causador da febre hemorrágica brasileira.
“Fizemos esse estudo durante a epidemia de febre amarela, então nos casos em que não conseguimos fechar o diagnóstico, fomos atrás de outros vírus”, explica a médica Ana Catharina Nastri, da Divisão de Doenças Infecciosas do HC-FMUSP. “Para nossa surpresa, achamos esses dois casos, que são extremamente raros.”
Segundo ela, os avanços na anatomia patológica, especialmente na microscopia eletrônica, permitiram um estudo mais aprofundado sobre o Brazillian mammarenavirus, ou vírus sabiá, trazendo novas informações a respeito de suas manifestações clínicas, histopatologia e possibilidade de transmissão hospitalar.
Os achados foram publicados em artigo na revista Travel Medicine and Infectious Disease, em maio de 2022, tendo a médica Nastri como primeira autora e orientação da professora Ana S. Levin, do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da FMUSP.
Vírus sabiá
O nome do agente patogênico é uma referência ao bairro Sabiá, localizado no município de Cotia, na Grande São Paulo, onde suspeita-se que a primeira vítima tenha sido infectada. Embora existam vários tipos de Mammarenavirus descritos em diferentes países da América do Sul, o SABV é característico do Brasil. “Alguns desses vírus possuem o ciclo viral mais bem conhecidos, já o nosso vírus sabiá possui pouquíssimos dados”, diz a médica.
“Ainda não sabemos qual é o seu reservatório na natureza, a forma de transmissão, e se existiria infecção através do contato inter-humano.”
Os quatro casos de infecção do vírus ocorreram na zona rural |
Previamente ao estudo, apenas quatro infecções por SABV haviam sido registradas. Ao que tudo indica, uma delas ocorreu na cidade de Cotia, em 1990, e outra, na cidade do Espírito Santo do Pinhal, em 1999, ambas localizadas na zona rural do Estado de São Paulo.
Nos dois casos, o contágio acometeu trabalhadores rurais que vieram a falecer em decorrência de complicações da febre hemorrágica. As outras duas infecções ocorreram em trabalhadores de laboratório que, provavelmente, foram infectados enquanto manipulavam o vírus. Ambos sobreviveram.
"Caso A e Caso B”
Os dois novos casos detectados, chamados no estudo conduzido no Hospital das Clínicas de “Caso A e Caso B”, ocorreram nas cidades de Sorocaba e Assis (no interior de São Paulo), respectivamente, e ambos os pacientes foram admitidos no Hospital das Clínicas (HC) com hipótese diagnóstica de caso grave de febre amarela.
O primeiro foi um homem de 52 anos que havia caminhado pela floresta na cidade de Eldorado (170 quilômetros ao sul de São Paulo) e passou a apresentar sintomas como dor muscular, dor abdominal e tontura. No dia seguinte, ele desenvolveu conjuntivite, sendo medicado em um hospital local e depois liberado. Quatro dias depois, foi internado novamente com febre alta e sonolência. Suspeitou-se de febre amarela e ele foi transferido para o Hospital das Clínicas.
Durante a internação, seu quadro clínico foi agravado até ele ser transferido para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), dez dias após o início dos sintomas, com sangramento significativo, insuficiência renal, rebaixamento do nível de consciência e hipotensão, vindo a falecer dois dias depois.
O Caso B refere-se a um homem de 63 anos, trabalhador rural de Assis (440 quilômetros a oeste de São Paulo), que apresentou febre, mialgia generalizada, náusea e prostração. Os sintomas pioraram e oito dias depois ele foi admitido no HC com depressão do nível de consciência e insuficiência respiratória com necessidade de intubação. Uma disfunção ventricular esquerda grave (redução drástica da função de bombeamento de parte do coração) levou a um choque refratário e eventual óbito, 11 dias após o início dos sintomas.
O que sabemos
Para realizar os diagnósticos, os cientistas utilizaram a técnica metagenômica, que permite identificar vírus ainda desconhecidos por meio da extração, replicação e eventual sequenciamento do material genético do agente infeccioso.
Esse material é então comparado a outros organismos em bancos de dados de bioinformática, com informações de patógenos de todo o mundo. Ao relacionar o vírus encontrado nos pacientes com outros tipos de Mammarenavirus e verificar a compatibilidade da descoberta com a prática clínica, determinou-se que se tratava do SABV.
Na análise das duas infecções fatais do estudo, os pesquisadores identificaram sintomas análogos aos registrados nos casos da década de 90. “A parte clínica é muito parecida com o que já havíamos visto antes, e entre os dois novos casos, a manifestação também foi muito similar”, diz Ana Nastri. Em todos os casos houve um comprometimento significativo do fígado e de órgãos associados à produção de células de defesa, o que pode ter facilitado o surgimento de infecções secundárias, tornando o diagnóstico inicial mais complexo.
Quanto à geografia das infecções, os quatro casos registrados tiveram como ponto em comum infecções ocorridas na zona rural. “Inferimos, baseados nos outros Mammarenavirus da América do Sul, que provavelmente a pessoa se contamina por inalação de partículas virais, talvez de fezes de roedores. Mas isso não está comprovado justamente porque temos pouquíssimos casos descritos”, diz Ana.
A médica ainda alerta que, justamente por se tratar de áreas rurais com menos recursos laboratoriais e de diagnóstico, alguns casos podem ter evadido a análise clínica, impossibilitando um panorama completo da febre hemorrágica brasileira. “Não sabemos se realmente não há casos mais leves, como na febre amarela, que possui desde o caso grave até os que não têm sintoma nenhum.”
> Com imagem da Wikimedia Commons.
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