MARCOS PIVETTA
Revista Pesquisa Fapesp
Pesquisadores descobrem no Paraná espécie rara de dinossauroUm fóssil bem preservado da crista de um pterossauro que 115 milhões de anos atrás sobrevoava a atual região da chapada do Araripe, no Nordeste, pode mudar o entendimento da origem e evolução das penas, estruturas atualmente presentes apenas nas aves e, no passado remoto, em dinossauros.
Segundo um artigo publicado na revista científica Nature, a protuberância na região da cabeça do exemplar estudado desse réptil alado extinto tinha duas coberturas de tecido mole análogas a penas coloridas: uma de tamanho reduzido e constituída por um filamento único semelhante a um cabelo; e outra maior, formada por estruturas ramificadas, mais parecida com as penas das aves atuais.
A presença dessas penas ou protopenas de diferentes tonalidades (impossíveis de serem precisadas) foi identificada por um grupo de paleontólogos europeus e brasileiros a partir de análise dos vestígios da crista e de parte do crânio de um pterossauro atribuído à espécie Tupandactylus imperator.
Como alguns dinossauros e os pterossauros teriam penas coloridas, a equipe de McNamara sugere que essas estruturas de revestimento teriam uma origem muito antiga. As penas, ou algo análogo a elas, já estariam presentes entre os vertebrados dos quais derivaram tanto os dinossauros como os pterossauros, por volta de 250 milhões de anos atrás.
Na interpretação dos autores do trabalho, essas penas ou protopenas do Tupandactylus não ajudavam os pterossauros a voar. Isso parece um paradoxo, visto que os pterossauros foram os primeiros vertebrados capazes de alçar voo, dezenas de milhões de anos antes das aves. As (candidatas a) penas coloridas do fóssil do Araripe deviam auxiliá-los a controlar a temperatura corporal e funcionavam possivelmente como um tipo de comunicação visual, um predicado extra, para atrair parceiros reprodutivos.
O paleontólogo britânico Michael Benton, da Universidade de Bristol, do Reino Unido, está convencido de que as picnofibras são um tipo de pena. “Em todos os detalhes, elas são idênticas a certas penas de dinossauros e aves — sua forma geral, tamanho, ramificação, fixação à pele e por conter melanossomos”, comenta Benton, em entrevista a Pesquisa FAPESP. O pesquisador de Bristol não participou do trabalho com o fóssil do Araripe, mas escreveu um comentário sobre o artigo de McNamara e colegas para a Nature.
Especialista em pterossauros, o paleontólogo Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional (MN) do Rio de Janeiro, discorda de Benton. “Não quero diminuir a importância desse novo estudo. O trabalho usa técnicas muito modernas, impulsiona um debate muito relevante sobre a origem das penas e foi feito com um material de qualidade do Araripe, um dos principais sítios do mundo com fósseis de pterossauros”, pondera Kellner. “Mas não estou convencido de que os melanossomos estavam dentro de penas.”
O paleontólogo do MN descreveu, em 1997, o primeiro exemplar conhecido de Tupandactylus imperator, o chamado holótipo da espécie. Em 2009, com base em um fóssil da China, denominou de picnofibras os filamentos típicos que costumam cobrir a pele de pterossauros. Kellner afirma que as picnofibras não têm as características essenciais das penas, em especial a raque, eixo principal de onde parte uma série de ramos (as barbas).
“As penas teriam surgido nos primeiros Avemetatarsalia, talvez há uns 250 milhões de anos, que teriam transmitido essa característica para linhagens que posteriormente deram origem a dinossauros e pterossauros.” É possível que as penas tenham aparecido mais de uma vez na história evolutiva, de forma independente e em períodos distintos, nos dinossauros e nos pterossauros. Mas os paleontólogos gostam de abraçar hipóteses econômicas, como presumem ser a lógica da natureza.
> Autor da representação artística é Bob Nicholls.
Segundo um artigo publicado na revista científica Nature, a protuberância na região da cabeça do exemplar estudado desse réptil alado extinto tinha duas coberturas de tecido mole análogas a penas coloridas: uma de tamanho reduzido e constituída por um filamento único semelhante a um cabelo; e outra maior, formada por estruturas ramificadas, mais parecida com as penas das aves atuais.
A presença dessas penas ou protopenas de diferentes tonalidades (impossíveis de serem precisadas) foi identificada por um grupo de paleontólogos europeus e brasileiros a partir de análise dos vestígios da crista e de parte do crânio de um pterossauro atribuído à espécie Tupandactylus imperator.
Esse era um animal de grande porte, cujas asas abertas alcançavam uma envergadura estimada de 5 metros.
O fóssil estava em posse do Instituto Real Belga de Ciências Naturais, de Bruxelas, e foi repatriado para o Museu de Ciências da Terra (MCTer), do Serviço Geológico do Brasil ‒ CPRM, no Rio de Janeiro, em fevereiro deste ano de forma amigável, sem processo judicial (ver quadro ao lado).
O biólogo Hebert Bruno Nascimento Campos, do Centro Universitário Maurício de Nassau, de Campina Grande, na Paraíba, destaca a qualidade de conservação do pterossauro do Araripe. “O nível de preservação das estruturas moles é surpreendente”, diz Campos, um dos dois brasileiros que coassinam o estudo. O outro é o paleontólogo Edio-Ernst Kischlat, da unidade em Porto Alegre do Serviço Geológico do Brasil – CPRM.
Com o emprego de técnicas modernas de microscopia eletrônica, os pesquisadores encontraram, no tecido mole da crista preservada em rocha, dois tipos de melanossomos, com formatos diferentes. Essas organelas carregam o pigmento melanina, que dá cor à pele e às penas das aves atuais e de alguns dinossauros.
Com o emprego de técnicas modernas de microscopia eletrônica, os pesquisadores encontraram, no tecido mole da crista preservada em rocha, dois tipos de melanossomos, com formatos diferentes. Essas organelas carregam o pigmento melanina, que dá cor à pele e às penas das aves atuais e de alguns dinossauros.
Uma das formas das organelas tem uma geometria mais arredondada; a outra é mais comprida e ovalada. Os melanossomos foram identificados no interior de picnofibras da crista do Tupandactylus, um tipo de filamento denso típico da pele de pterossauros. Alguns estudiosos consideram as picnofibras como um revestimento mais semelhante aos pelos dos mamíferos. Outros, como a equipe do novo estudo, argumentam que são uma variante das penas.
“Nas aves de hoje, a cor das penas está fortemente ligada à forma dos melanossomos”, diz, em comunicado de imprensa, a paleontóloga Maria McNamara, do University College de Cork (UCC), da Irlanda, uma das coordenadoras do estudo.
“Nas aves de hoje, a cor das penas está fortemente ligada à forma dos melanossomos”, diz, em comunicado de imprensa, a paleontóloga Maria McNamara, do University College de Cork (UCC), da Irlanda, uma das coordenadoras do estudo.
“Como os tipos de penas dos pterossauros tinham diferentes formas de melanossomo, esses animais devem ter tido o maquinário genético para controlar as cores de suas penas. Esse recurso mostra que a coloração era uma característica crítica até mesmo das primeiras penas.”
Os pterossauros foram o grupo de vertebrados mais próximo evolutivamente dos dinossauros, dos quais descendem as aves atuais. Foram contemporâneos e praticamente surgiram e desapareceram da Terra ao mesmo tempo. Coexistiram entre 235 milhões e 66 milhões de atrás, quando ambos os grupos se extinguiram.
Os pterossauros foram o grupo de vertebrados mais próximo evolutivamente dos dinossauros, dos quais descendem as aves atuais. Foram contemporâneos e praticamente surgiram e desapareceram da Terra ao mesmo tempo. Coexistiram entre 235 milhões e 66 milhões de atrás, quando ambos os grupos se extinguiram.
Representação artística de Tupandactylus imperator |
Como alguns dinossauros e os pterossauros teriam penas coloridas, a equipe de McNamara sugere que essas estruturas de revestimento teriam uma origem muito antiga. As penas, ou algo análogo a elas, já estariam presentes entre os vertebrados dos quais derivaram tanto os dinossauros como os pterossauros, por volta de 250 milhões de anos atrás.
Na interpretação dos autores do trabalho, essas penas ou protopenas do Tupandactylus não ajudavam os pterossauros a voar. Isso parece um paradoxo, visto que os pterossauros foram os primeiros vertebrados capazes de alçar voo, dezenas de milhões de anos antes das aves. As (candidatas a) penas coloridas do fóssil do Araripe deviam auxiliá-los a controlar a temperatura corporal e funcionavam possivelmente como um tipo de comunicação visual, um predicado extra, para atrair parceiros reprodutivos.
O paleontólogo britânico Michael Benton, da Universidade de Bristol, do Reino Unido, está convencido de que as picnofibras são um tipo de pena. “Em todos os detalhes, elas são idênticas a certas penas de dinossauros e aves — sua forma geral, tamanho, ramificação, fixação à pele e por conter melanossomos”, comenta Benton, em entrevista a Pesquisa FAPESP. O pesquisador de Bristol não participou do trabalho com o fóssil do Araripe, mas escreveu um comentário sobre o artigo de McNamara e colegas para a Nature.
Especialista em pterossauros, o paleontólogo Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional (MN) do Rio de Janeiro, discorda de Benton. “Não quero diminuir a importância desse novo estudo. O trabalho usa técnicas muito modernas, impulsiona um debate muito relevante sobre a origem das penas e foi feito com um material de qualidade do Araripe, um dos principais sítios do mundo com fósseis de pterossauros”, pondera Kellner. “Mas não estou convencido de que os melanossomos estavam dentro de penas.”
O paleontólogo do MN descreveu, em 1997, o primeiro exemplar conhecido de Tupandactylus imperator, o chamado holótipo da espécie. Em 2009, com base em um fóssil da China, denominou de picnofibras os filamentos típicos que costumam cobrir a pele de pterossauros. Kellner afirma que as picnofibras não têm as características essenciais das penas, em especial a raque, eixo principal de onde parte uma série de ramos (as barbas).
“Também é possível que não se trate de melanossomos e que essas estruturas identificadas no artigo como penas não sejam da epiderme [camada mais superficial da pele], mas da derme [camada mais interna, abaixo da epiderme]”, argumenta Kellner. “A pele cortada e exposta de um pterossauro poderia gerar estruturas que podem ser confundidas com as picnofibras. Já vi isso em um exemplar de dinossauro”.
Nem sempre é fácil divisar nos fósseis as diferentes estruturas que constituem os tecidos moles. Os organismos preservados nas camadas geológicas são usualmente achatados, com o corpo pressionado e “estampado” na rocha. Isso pode dificultar a separação e identificação das partes moles de um fóssil, como pele, músculos e tecido conjuntivo.
Há pelo menos cinco décadas, os paleontólogos debatem se os filamentos sobre a pele dos pterossauros podem ser considerados como penas. Essa discussão, que tem partidários dos dois lados, ganhou impulso depois da descrição em 1971 de um pequeno exemplar desses répteis alados encontrado no Cazaquistão, entre a Ásia central e o leste da Europa.
Nem sempre é fácil divisar nos fósseis as diferentes estruturas que constituem os tecidos moles. Os organismos preservados nas camadas geológicas são usualmente achatados, com o corpo pressionado e “estampado” na rocha. Isso pode dificultar a separação e identificação das partes moles de um fóssil, como pele, músculos e tecido conjuntivo.
Há pelo menos cinco décadas, os paleontólogos debatem se os filamentos sobre a pele dos pterossauros podem ser considerados como penas. Essa discussão, que tem partidários dos dois lados, ganhou impulso depois da descrição em 1971 de um pequeno exemplar desses répteis alados encontrado no Cazaquistão, entre a Ásia central e o leste da Europa.
Era um fóssil com apenas 60 centímetros de envergadura de asas que tinha inequivocamente partes do corpo cobertas por filamentos. Não por acaso a espécie foi denominada Sordes pilosus, diabo peludo em uma tradução livre do latim.
Se ficar demonstrado que as picnofibras dos pterossauros podem ser consideradas penas, e ainda por cima coloridas, é possível que essas estruturas sobre a pele tenham se originado muito antes do que era consenso até agora. Elas podem ter sido uma característica de um grupo animal denominado Avemetatarsalia, uma linhagem de vertebrados que inclui tanto o grupo dos dinossauros (e das aves) quanto o dos pterossauros.
“Nesse caso, o cenário mais simples e parcimonioso para a origem das penas consistiria no aparecimento de estruturas a elas equivalentes, como as picnofibras, uma única vez no processo evolutivo”, comenta o paleontólogo Max Langer, da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto.
Se ficar demonstrado que as picnofibras dos pterossauros podem ser consideradas penas, e ainda por cima coloridas, é possível que essas estruturas sobre a pele tenham se originado muito antes do que era consenso até agora. Elas podem ter sido uma característica de um grupo animal denominado Avemetatarsalia, uma linhagem de vertebrados que inclui tanto o grupo dos dinossauros (e das aves) quanto o dos pterossauros.
“Nesse caso, o cenário mais simples e parcimonioso para a origem das penas consistiria no aparecimento de estruturas a elas equivalentes, como as picnofibras, uma única vez no processo evolutivo”, comenta o paleontólogo Max Langer, da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto.
> Autor da representação artística é Bob Nicholls.
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