Pular para o conteúdo principal

Monge reconhece que ódio em nome de Deus é o mais feroz

O religioso comenta ataque ao escritor Salman Rushdie

ENZO BIANCHI
monge italiano

Após a tentativa de assassinato de Salman Rushdie, ainda não sabemos a matriz desse terrível gesto, e não sabemos as razões precisas pelas quais o assassino, um jovem de origem libanesa, pode ter decidido subir ao palco para atingir aquele que estava prestes a proferir uma palestra no âmbito de um festival literário.

Sabemos bem que uma recompensa de três milhões de dólares estava sobre Salman, uma fatwa emitida pela autoridade político-religiosa do Irã, confirmada e renovada por Khomeini. Por quê?

Todos nos lembramos disso: Salman, escritor consagrado, publica um romance que se refere a alguns testemunhos sobre a vida de Maomé sujeita a tentações e um pacto com a idolatria que desmente seu proclamado monoteísmo.

O livro é considerado blasfemo em relação ao Profeta e, portanto, banido do Irã, e Khomeini lança aos muçulmanos o convite para matá-lo com a promessa de um pagamento de três milhões de dólares.

Desde então, a vida de Salman — como evidenciado pelo atentado a dois de seus tradutores e um de seus editores — tem sido uma vida a ser protegida: após uma fuga da Índia, Salman se refugia nos EUA, onde acredita estar bastante seguro, mas esse último evento mostra que a fatwa não foi esquecida. Um jovem sente-se autorizado a fazer justiça, a vingar a ofensa contra o Profeta a ponto de cometer o gesto de tentativa de homicídio.

É claro que nós ainda não tomamos plenamente consciência do poder violento da ideologia religiosa: hoje as religiões se encontram, fazem pactos e alianças num clima de diálogo e de paz, mas nunca deveríamos esquecer o potencial de violência que se aninha dentro delas, que não é fácil de identificar e que sempre pode reaparecer.

E isso deve ser dito de todas as religiões, porque mesmo o que acontece entre a Rússia e a Ucrânia muitas vezes traz à tona um fundamentalismo religioso, desta vez cristão, que depois passa a se expressar naquele fanatismo que abençoa canhões e mísseis em nome de Deus, amaldiçoa o inimigo e se entrega a uma barbárie que repudia toda a humanidade!

Quando a religião se torna política, quando ocorre essa mistura entre religião e ideologia de matriz nacionalista ou com pretensões culturais e morais, então se impõe a epifania da violência.

E deve-se lembrar que se os humanos sabem ser maus, os homens religiosos sabem ser muito mais, porque pensam que seu ódio seja autorizado por Deus e, portanto, não colocam freio à violência com a razão humana. 

Em todas as religiões, infelizmente, há homens que, em nome de sua própria autoridade religiosa, se arrogam o direito de condenar alguém, de expulsá-lo até destruir sua existência, e se pudessem chegariam até a mata-lo para não serem perturbados e contestados no exercício de seu poder e de seu domínio sagrado.

A Santa Inquisição

Com toda a probabilidade, esse jovem estadunidense de origem libanesa não obedeceu a um plano preciso, confiado a ele por alguém, mas sentiu-se obrigado por emulação a vingar o Profeta, a pôr remédio ao que os líderes religiosos haviam definido como "uma ofensa irreparável”.

Sim, aqui não se trata de acusar o Islã de intolerância e de violência, mas de exercer um discernimento para chegar a um entendimento sobre as religiões: nelas pode se albergar o germe de "Deus conosco!", da defesa inclusive violenta de uma verdade que ofusca até cegar, de uma verdade que quem acredita possuí-la quer honrar mesmo com a violência.

> Esse artigo foi publicado originalmente sem a ilustração acima no jornal italiano La Stampa com o título "O ódio em nome de Deus é o mais feroz". A tradução é de Luisa Rabolini para IHU Online.





Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Onde Deus estava quando houve o massacre nos EUA?

Deixe a sua opinião aí embaixo, no espaço de comentários.

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Papa afirma que casamento gay ameaça o futuro da humanidade

Bento 16 disse que as crianças precisam de "ambiente adequado" O papa Bento 16 (na caricatura) disse que o casamento homossexual ameaça “o futuro da humanidade” porque as crianças precisam viver em "ambientes" adequados”, que são a “família baseada no casamento de um homem com uma mulher". Trata-se da manifestação mais contundente de Bento 16 contra a união homossexual. Ela foi feita ontem (9) durante um pronunciamento de ano novo a diplomatas no Vaticano. "Essa não é uma simples convenção social", disse o papa. "[Porque] as políticas que afetam a família ameaçam a dignidade humana.” O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) ficou indignado com a declaração de Bento 16, que é, segundo ele, suspeito de ser simpático ao nazismo. "Ameaça ao futuro da humanidade são o fascismo, as guerras religiosas, a pedofilia e o abusos sexuais praticados por membros da Igreja e acobertados por ele mesmo", disse. Tweet Com informação

Pastor mirim canta que gay vai para o inferno; fiéis aplaudem

Garoto tem 4 anos Caiu na internet dos Estados Unidos um vídeo onde, durante um culto, um menino de quatro anos canta aos fiéis mais ou menos assim: “Eu sei bem a Bíblia,/Há algo de errado em alguém,/Nenhum gay vai para o céu”. Até mais surpreendente do que a pregação homofóbica do garotinho foi a reação dos fiéis, que aplaudiram de pé, em delírio. Em uma versão mais longa do vídeo, o pai, orgulhoso, disse algo como: “Esse é o meu garoto”. A igreja é a Apostólica do Tabernáculo, do pastor Jeff Sangl, de Greensburg, Indiana. Fanático religioso de amanhã Íntegra do vídeo. Com informação da CBS . Pais não deveriam impor uma religião aos filhos, afirma Dawkins. julho de 2009 Intolerância religiosa no Brasil

Cristãos xingam aluna que obteve decisão contra oração

Jessica sofre hostilidades desde meados de 2011 Uma jovem mandou pelo Twitter uma mensagem para Jessica Ahlquist (foto): “Qual é a sensação de ser a pessoa mais odiada do Estado? Você é uma desgraça para a raça humana.”  Outra pessoa escreveu: “Espero que haja muitos banners [de oração] no inferno quando você lá estiver apodrecendo, ateia filha da puta!” Jessica, 16, uma americana de Cranston, cidade de 80 mil habitantes de maioria católica do Estado de Rhode Island, tem recebido esse tipo de mensagem desde meados de 2011, quando recorreu à Justiça para que a escola pública onde estuda retirasse uma oração de um mural bem visível, por onde passam os alunos. Ela é uma ateia determinada e leva a sério a Constituição americana, que estabelece a separação entre o Estado e a religião. Os ataques e ameaças a Jessica aumentaram de tom quando um juiz lhe deu ganho de causa e determinou a retirada da oração. Nos momentos mais tensos, ela teve de ir à escola sob a proteção da

Anglicano apoia união gay e diz que Davi gostava de Jônatas

Dom Lima citou   trechos da Bíblia Dom Ricardo Loriete de Lima (foto), arcebispo da Igreja Anglicana do Brasil, disse que apoia a união entre casais do mesmo sexo e lembrou que textos bíblicos citam que o rei Davi dizia preferir o amor do filho do rei Saul ao amor das mulheres. A data de nascimento de Davi teria sido 1.040 a.C. Ele foi o escolhido por Deus para ser o segundo monarca de Israel, de acordo com os livros sagrados hebraicos. Apaixonado por Jônatas, ele é tido como o único personagem homossexual da Bíblia. Um dos trechos os quais dom Lima se referiu é I Samuel 18:1: “E sucedeu que, acabando ele de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a alma de Davi; e Jônatas o amou, como a sua própria alma”. Outro trecho, em Samuel 20:41: “E, indo-se o moço, levantou-se Davi do lado do sul, e lançou-se sobre o seu rosto em terra, e inclinou-se três vezes; e beijaram-se um ao outro, e choraram juntos, mas Davi chorou muito mais”. Em II Samuel 1:26, fica claro p

Adventista obtém direito de faltar às aulas na sexta e sábado

Quielze já estava faltando e poderia ser reprovada Quielze Apolinario Miranda (foto), 19, obteve do juiz Marcelo Zandavali, da 3ª Vara Federal de Bauru (SP), o direito de faltar às aulas às sextas-feiras à noite e aos sábados. Ela é fiel da Igreja Adventista do Sétimo Dia, religião que prega o recolhimento nesses períodos. A estudante faz o 1º ano do curso de relações internacionais da USC (Universidade Sagrado Coração), que é uma instituição fundada por freiras na década de 50. Quielze corria o risco de ser reprovada porque já não vinha comparecendo às aulas naqueles dias. Ela se prontificou com a direção da universidade em apresentar trabalhos escolares para compensar a sua ausência. A USC, contudo, não aceitou com a alegação de que não existe base legal para isso. Pela decisão do juiz, a base legal está expressa nos artigos 5º e 9º da Constituição Federal e na lei paulista nº 12.142/2005, que asseguram aos cidadãos a liberdade de religião. Zandavali determinou

Na última entrevista, Hitchens falou da relação Igreja-nazismo

Hitchens (direita) concedeu  a última entrevista de  sua vida a Dawkins da  New Statesman Em sua edição deste mês [dezembro de 2011], a revista britânica "New Statesman" traz a última entrevista do jornalista, escritor e crítico literário inglês Christopher Hitchens, morto no dia 15 [de dezembro de 2011] em decorrência de um câncer no esôfago.