Largamente adotadas no Brasil, inclusive no sistema judiciária, essas constelações — um suposto método de terapia por intermédio de dramatizações — são machistas, atribuindo ao pai grande importância psicológica familiar, colocando a mãe em um papel subalterno.
As dramatizações revitimizam principalmente as mulheres. Elas têm de encenar, por exemplo, casos em que são vítimas de violência doméstica por parte dos maridos, reforçando traumas.
O machismo das constelações chega ao absurdo de naturalizar o incesto praticado pelo pai, culpado a mãe de, nesse caso, não darem atenção sexual ao marido. Essa naturalização foi defendida em livro e em palestras pelo alemão Berg Hellinger (1925-2019), criador dessa pseudociência,
Em 2001, por exemplo, Hellinger contou em uma palestra em Kyoto, Japão, o caso de uma adolescente vítima de incesto que tentou o suicídio, não só por estar traumatizada, mas principalmente porque, segundo ele, o abusador foi denunciado à Justiça.
A nota do CRP-PR ressalta que o psicólogo “precisa respeitar a vítima, preservando o senso de intimidade da mulher e atentando para o que os seus limites não sejam invadidos, de forma que o trabalho terapêutico não represente uma reedição sofrida e uma ameaça à sua integridade psíquica”.
Assim, para o conselho, a prática das constelações familiares contraria a Lei Maria da Penha, que defende a mulher de todo tipo de violência, seja física ou psicológica.
Lembra que, por essa lei, a mulher vítima de violência tem o direito de ser ouvida, mas em momento oportuno e distante do agressor, o que geralmente não ocorre nas constelações familiares como procedimento de conciliação no âmbito da Justiça.
A decisão no Paraná é a primeira de um conselho regional de psicologia que desaconselha as constelações, caracterizando-as como pseudociência.
Constelações familiares são implacáveis com a mulher |
Segue a íntegra da nota técnica divulgada no dia 14 de outubro de 2022.
Conselho Regional de Psicologia — 8ª Região
Nota técnica nº 3/2022/08-COF/08-GETEC
Processo nº 570800145/2022-94
Interessado: plenário
Considerando:
1. A recomendação da Comissão Especial de Segurança da Mulher do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDIM) do Rio de Janeiro, para que as Constelações Familiares não sejam incorporadas à prática profissional das(os/es) Psicólogas (os/es);
2. Que a prática no âmbito da Justiça, em especial nos casos de violência doméstica e familiar, vai contra o disposto na Lei Maria da Penha, que expressamente proíbe os mecanismos de mediação em litígios dessa natureza;
3. Que, conforme a Lei Maria da Penha, a mulher tem o direito de ser ouvida em momento oportuno, distante do agressor, desde que manifeste expressamente o pedido, em que pese o procedimento de conciliação no âmbito da Justiça seja legalmente previsto e designado automaticamente nas Varas de Família;
4. Que os pressupostos teóricos basilares das Constelações Familiares indicam uma naturalização de lugares fixos dos membros de uma família, a par de rígida hierarquia, contrapondo-se à análise histórico-social tão necessária para a compreensão dos fenômenos psíquicos, das formas de se comportar, ser e viver;
5. Que o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP) indica que as(os/es) Psicólogas(os/es) não podem se valer de técnicas não regulamentadas ou reconhecidas pela profissão;
6. Que a validação científica de técnicas, práticas e procedimentos de intervenção ocorrem em âmbito acadêmico, a par de estudos sistemáticos e dentro de padrões éticos definidos pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), cujos resultados exitosos alcançam o exercício profissional, na medida em que novas(os/es) Psicólogas(os/es), ao longo do tempo, são formadas(os/es) e os incorporam às suas práticas;
7. A publicação da Resolução CFP nº 018/2022, que cria o Sistema de Avaliação de Práticas Psicológicas Aluízio Lopes de Brito e estabelece diretrizes para o seu funcionamento, tendo por finalidade a avaliação de práticas psicológicas no âmbito do exercício profissional da Psicologia;
8. Que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) se manifestou contrário [5] à tramitação do Projeto de Lei nº 4887/2020, que propunha regulamentar o exercício da profissão de Constelador(a) Familiar Sistêmico ou Terapeuta Sistêmico;
9. Que, para além do Código de Ética Profissional (Resolução CFP nº 010/2005), a ulização da técnica por profissionais da Psicologia pode ser incompatível com o disposto nas Referências Técnicas para atuação de psicólogas(os) em Programas de Atenção à Mulher em situação de Violência (CFP, 2013 [6]); na Resolução CFP nº 008/2020, que estabelece normas de exercício profissional da Psicologia em relação às violências de gênero; na Resolução CFP nº 001/1999, que estabelece normas de atuação para as(os/es) Psicólogas(os/es) em relação à questão da orientação sexual; na Resolução CFP nº 001/2018, que estabelece normas de atuação para Psicólogas(os/es) em relação às pessoas transexuais e travestis; e na Resolução CFP nº 018/2002, a qual estabelece normas de atuação para Psicólogas(os/es) em relação ao preconceito e à discriminação racial;
10. Que as primeiras abordagens sistêmicas se sustentam pela Teoria Geral dos Sistemas (Bertalanffy, 1975 [8]), e representam uma mudança paradigmática em relação ao pensamento individualizando, na medida em que propõe que o processo psicoterapêutico esteja centrado no aspecto relacional e contextual;
11. Que não é cabível considerar a Constelação Familiar como sistêmica, uma vez que, em sua prática ou teoria, os pressupostos do Pensamento Sistêmico não se fazem presentes: não basta fazer uso do termo “sistêmica”; requer-se uma postura terapêutica que acompanhe seus princípios (MARINO, MACEDO, 2017) [9];
12. Que os dados do 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública [10]apontam que, em 2019, foram registrados 66.123 boletins de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável nas delegacias de polícia do país, apresentando média de um estupro a cada 8 minutos;
13. Que as mulheres continuam sendo as principais vítimas do crime, com 56.667 dos registros (85,7%), o que equivale a um crime sexual a cada 10 minutos;
14. Que se faz necessário reconhecer o abuso sexual como um fenômeno complexo, que envolve e afeta o indivíduo, a família e a sociedade, e implica a necessidade de reflexões e intervenções interdisciplinares;
15. Que, considerando a natureza da violência, a(o/e) Psicóloga(o/e) precisa respeitar os limites da vítima, preservando o senso de intimidade da mulher e atentando para que os seus limites e barreiras não sejam invadidos, de forma que o trabalho terapêutico não represente uma reedição da violência sofrida e uma ameaça à sua integridade psíquica (SILVA, VAGOSTELLO, 2017) [11];
16. Que o exercício da Psicologia deve se fundamentar na eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação e violência, e, portanto, é necessário problematizar, conceber e definir as consequências do racismo, do machismo, do sexismo e da LGBTQIA+fobia, dentre outras formas de violências e opressões;
17. Que a(o/e) Psicóloga(o/e), ao se utilizar de técnicas, meios e recursos de caráter machista, sexista e hierárquico da doutrina que fundamenta as Constelações Familiares, estará se posicionando contrariamente ao exercício ético profissional e, consequentemente, favorecendo diversas formas e reproduções de violências;
18. Que a Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças (APAF) do Sistema Conselhos de Psicologia deliberou, em dezembro de 2021, pela criação de um Grupo de Trabalho Nacional com o objetivo de publicar uma Nota Técnica sobre Constelação Familiar e as Incompatibilidades Éticas;
19. As atribuições dos Conselhos Regionais de Psicologia de orientar, fiscalizar e disciplinar o exercício profissional de Psicólogas(os/es);
O XIV Plenário do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), no uso das atribuições conferidas pela Lei 5766/1971, em decisão adotada em 03 de setembro de 2022, resolve:
Art. 1° — Orientar e recomendar a não utilização das Constelações Familiares no exercício profissional da Psicologia.
Curitiba, 23 de setembro de 2022.
Psic. Gustavo Lacatus da Costa de Oliveira, CRP-08/20191, Conselheiro Secretário Conselho Regional de Psicologia do Paraná
Psic. Renata Campos Mendonça, CRP-08/09371, Conselheira Presidenta Conselho Regional de Psicologia do Paraná
2. Que a prática no âmbito da Justiça, em especial nos casos de violência doméstica e familiar, vai contra o disposto na Lei Maria da Penha, que expressamente proíbe os mecanismos de mediação em litígios dessa natureza;
3. Que, conforme a Lei Maria da Penha, a mulher tem o direito de ser ouvida em momento oportuno, distante do agressor, desde que manifeste expressamente o pedido, em que pese o procedimento de conciliação no âmbito da Justiça seja legalmente previsto e designado automaticamente nas Varas de Família;
4. Que os pressupostos teóricos basilares das Constelações Familiares indicam uma naturalização de lugares fixos dos membros de uma família, a par de rígida hierarquia, contrapondo-se à análise histórico-social tão necessária para a compreensão dos fenômenos psíquicos, das formas de se comportar, ser e viver;
5. Que o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP) indica que as(os/es) Psicólogas(os/es) não podem se valer de técnicas não regulamentadas ou reconhecidas pela profissão;
6. Que a validação científica de técnicas, práticas e procedimentos de intervenção ocorrem em âmbito acadêmico, a par de estudos sistemáticos e dentro de padrões éticos definidos pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), cujos resultados exitosos alcançam o exercício profissional, na medida em que novas(os/es) Psicólogas(os/es), ao longo do tempo, são formadas(os/es) e os incorporam às suas práticas;
7. A publicação da Resolução CFP nº 018/2022, que cria o Sistema de Avaliação de Práticas Psicológicas Aluízio Lopes de Brito e estabelece diretrizes para o seu funcionamento, tendo por finalidade a avaliação de práticas psicológicas no âmbito do exercício profissional da Psicologia;
8. Que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) se manifestou contrário [5] à tramitação do Projeto de Lei nº 4887/2020, que propunha regulamentar o exercício da profissão de Constelador(a) Familiar Sistêmico ou Terapeuta Sistêmico;
9. Que, para além do Código de Ética Profissional (Resolução CFP nº 010/2005), a ulização da técnica por profissionais da Psicologia pode ser incompatível com o disposto nas Referências Técnicas para atuação de psicólogas(os) em Programas de Atenção à Mulher em situação de Violência (CFP, 2013 [6]); na Resolução CFP nº 008/2020, que estabelece normas de exercício profissional da Psicologia em relação às violências de gênero; na Resolução CFP nº 001/1999, que estabelece normas de atuação para as(os/es) Psicólogas(os/es) em relação à questão da orientação sexual; na Resolução CFP nº 001/2018, que estabelece normas de atuação para Psicólogas(os/es) em relação às pessoas transexuais e travestis; e na Resolução CFP nº 018/2002, a qual estabelece normas de atuação para Psicólogas(os/es) em relação ao preconceito e à discriminação racial;
10. Que as primeiras abordagens sistêmicas se sustentam pela Teoria Geral dos Sistemas (Bertalanffy, 1975 [8]), e representam uma mudança paradigmática em relação ao pensamento individualizando, na medida em que propõe que o processo psicoterapêutico esteja centrado no aspecto relacional e contextual;
11. Que não é cabível considerar a Constelação Familiar como sistêmica, uma vez que, em sua prática ou teoria, os pressupostos do Pensamento Sistêmico não se fazem presentes: não basta fazer uso do termo “sistêmica”; requer-se uma postura terapêutica que acompanhe seus princípios (MARINO, MACEDO, 2017) [9];
12. Que os dados do 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública [10]apontam que, em 2019, foram registrados 66.123 boletins de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável nas delegacias de polícia do país, apresentando média de um estupro a cada 8 minutos;
13. Que as mulheres continuam sendo as principais vítimas do crime, com 56.667 dos registros (85,7%), o que equivale a um crime sexual a cada 10 minutos;
14. Que se faz necessário reconhecer o abuso sexual como um fenômeno complexo, que envolve e afeta o indivíduo, a família e a sociedade, e implica a necessidade de reflexões e intervenções interdisciplinares;
15. Que, considerando a natureza da violência, a(o/e) Psicóloga(o/e) precisa respeitar os limites da vítima, preservando o senso de intimidade da mulher e atentando para que os seus limites e barreiras não sejam invadidos, de forma que o trabalho terapêutico não represente uma reedição da violência sofrida e uma ameaça à sua integridade psíquica (SILVA, VAGOSTELLO, 2017) [11];
16. Que o exercício da Psicologia deve se fundamentar na eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação e violência, e, portanto, é necessário problematizar, conceber e definir as consequências do racismo, do machismo, do sexismo e da LGBTQIA+fobia, dentre outras formas de violências e opressões;
17. Que a(o/e) Psicóloga(o/e), ao se utilizar de técnicas, meios e recursos de caráter machista, sexista e hierárquico da doutrina que fundamenta as Constelações Familiares, estará se posicionando contrariamente ao exercício ético profissional e, consequentemente, favorecendo diversas formas e reproduções de violências;
18. Que a Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças (APAF) do Sistema Conselhos de Psicologia deliberou, em dezembro de 2021, pela criação de um Grupo de Trabalho Nacional com o objetivo de publicar uma Nota Técnica sobre Constelação Familiar e as Incompatibilidades Éticas;
19. As atribuições dos Conselhos Regionais de Psicologia de orientar, fiscalizar e disciplinar o exercício profissional de Psicólogas(os/es);
O XIV Plenário do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), no uso das atribuições conferidas pela Lei 5766/1971, em decisão adotada em 03 de setembro de 2022, resolve:
Art. 1° — Orientar e recomendar a não utilização das Constelações Familiares no exercício profissional da Psicologia.
Curitiba, 23 de setembro de 2022.
Psic. Gustavo Lacatus da Costa de Oliveira, CRP-08/20191, Conselheiro Secretário Conselho Regional de Psicologia do Paraná
Psic. Renata Campos Mendonça, CRP-08/09371, Conselheira Presidenta Conselho Regional de Psicologia do Paraná
> Com informação do Conselho Regional de Psicologia do Paraná e de outras fontes.
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