Lideranças evangélicas dizem sofrer pressão para se afastar de suas igrejas por divergências políticas
“Hoje eu sou um pastor de certa forma isolado”, diz Usiel Carneiro de Souza, 59 anos, à frente da Igreja Batista da Praia do Canto, em Vitória, no Espírito do Santo. Ele conta que vem sofrendo perseguições e chegou a enfrentar um processo judicial que pedia seu afastamento do cargo, por assumir voto na esquerda.
A Agência Pública conversou com pastores e lideranças evangélicas, de várias denominações, entre elas batistas, assembleianos, presbiterianos, pentecostais e neopentecostais, que relataram sofrer represálias por declararem voto no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nestas eleições. Eles representam um grupo dissidente dentro do eleitorado evangélico, onde Jair Bolsonaro (PL) lidera.
Na tentativa de conquistar mais apoio dos religiosos, Lula assumiu compromissos como o respeito à liberdade de culto, respeito à família e o combate às drogas, em uma carta aos evangélicos, apresentada nesta quarta-feira (19).
O atual presidente conta com apoio das cúpulas das principais denominações brasileiras, como a Assembleia de Deus, maior denominação evangélica do país, cuja a principal convenção apresentou resolução para punir pastores que “defendam, pratiquem ou apoiem” pautas de esquerda.
Os casos localizados pela reportagem envolvem processos judiciais contra os sacerdotes, afastamento dos pastores de suas funções, constrangimentos, ataques e xingamentos nas redes sociais, e até ameaças de morte.
Os casos localizados pela reportagem envolvem processos judiciais contra os sacerdotes, afastamento dos pastores de suas funções, constrangimentos, ataques e xingamentos nas redes sociais, e até ameaças de morte.
As pressões causaram adoecimento psicológico para alguns dos entrevistados. Eles disseram temer pela própria vida e dos seus familiares. Com medo de represálias, alguns pediram para ter suas identidades preservadas.
Por causa dos ataques envolvendo política, o pastor Usiel passou três meses afastado dos seus compromissos na igreja, no começo deste ano, e começou um acompanhamento psiquiátrico com uso de medicação.
Por causa dos ataques envolvendo política, o pastor Usiel passou três meses afastado dos seus compromissos na igreja, no começo deste ano, e começou um acompanhamento psiquiátrico com uso de medicação.
“Os xingamentos chegam na maioria das vezes pelas redes sociais. Minha postura é de não trazer temas de eleições ao púlpito, até porque tenho membros que votam em Lula e em Bolsonaro. Tenho meu posicionamento pessoal na minha rede pessoal, onde posto sobre política”, explica.
Em uma postagem no Instagram, no dia 12 de outubro, intitulada “Lula ou Bolsonaro? Cristão ou Comunista?”, o sacerdote escreveu: “Não sou Lulista, mas segundo minha visão política o reconheço como melhor opção para os próximos 4 anos. Isso faz de mim um comunista? De forma alguma.”
Em uma postagem no Instagram, no dia 12 de outubro, intitulada “Lula ou Bolsonaro? Cristão ou Comunista?”, o sacerdote escreveu: “Não sou Lulista, mas segundo minha visão política o reconheço como melhor opção para os próximos 4 anos. Isso faz de mim um comunista? De forma alguma.”
Entre os comentários críticos, um homem respondeu em tom ameaçador: “Melhor se arrepender, Jesus está voltando e os ministros da palavra serão mais cobrados no juízo final”.
O pastor Usiel também enfrentou um processo judicial por divergência política. Ele conta que em 2020, dois anos depois da eleição de Bolsonaro, um grupo de 30 membros [a igreja dele tem 500 membros no total], todos apoiadores do atual presidente, foi à Justiça pedir o afastamento dele do cargo. “Eles fizeram um dossiê contra mim pedindo minha saída. Me caluniaram, me acusaram de desvio doutrinário, esquerdista, comunista. Também de que eu estaria desviando recursos da igreja”, diz.
A ofensiva encontrou apoio da Convenção Batista do Estado do Espírito Santo, o principal órgão da denominação no estado.
O pastor Usiel também enfrentou um processo judicial por divergência política. Ele conta que em 2020, dois anos depois da eleição de Bolsonaro, um grupo de 30 membros [a igreja dele tem 500 membros no total], todos apoiadores do atual presidente, foi à Justiça pedir o afastamento dele do cargo. “Eles fizeram um dossiê contra mim pedindo minha saída. Me caluniaram, me acusaram de desvio doutrinário, esquerdista, comunista. Também de que eu estaria desviando recursos da igreja”, diz.
A ofensiva encontrou apoio da Convenção Batista do Estado do Espírito Santo, o principal órgão da denominação no estado.
O afastamento do pastor da congregação só não aconteceu porque a outra parte da congregação se posicionou a favor de Usiel. Eles assinaram uma carta de membros contra o posicionamento da convenção e do grupo bolsonarista, que diz: “Se pela voz injusta e colimadora daqueles poucos esta Comissão se sente motivada a acolher suas queixas e agir, esperamos e solicitamos que, pela voz de inúmeros irmãos, que esta Comissão respeite as decisões da IBPC [Igreja Batista da Praia do Canto] tomadas corretamente por nosso Conselho e mostrem respeito pelo nosso pastor, cujo ministério tem ricamente abençoado nossas vidas.”
O grupo bolsonarista terminou deixando a congregação e respondendo a processo disciplinar do Conselho Batista. Mas, este ano, com as eleições, o pastor diz que voltou a sofrer ataques e coações. Ele conta ter visto ex-membros da igreja filmando o culto. “Como se quisessem me incriminar”, narra. “Minha preocupação é essas situações saírem do ambiente virtual e virarem violência física”.
Nestas eleições, o caso de outro pastor batista, Sérgio Dusilek, do Rio de Janeiro, se tornou símbolo da perseguição a cristãos de esquerda. Ele sofreu pressão para renunciar à presidência da Convenção Batista Carioca (CBC) depois de participar de um encontro de Lula com evangélicos em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, realizado em um ginásio de um clube, no dia 9 de setembro. Na ocasião, Sérgio disse que “a igreja tem que pedir perdão ao presidente Lula”. O vídeo com a declaração viralizou.
Desde então, o pastor tem evitado ir à igreja, sido desconvidado a participar de eventos e recebido ameaças diretas. “Uma das muitas ameaças que recebi dizia: o senhor não vai ficar impune. Isso é bem abrangente e, pelo teor da mensagem como um todo, cabe a interpretação de levar às últimas consequências, ou seja,é uma ameaça velada de morte, porque se a pessoa diz vou te matar abertamente, posso denunciá-la à polícia”.
Nas duas semanas depois do encontro em São Gonçalo, o pastor Sérgio evitou ir à igreja e ficou mais em casa. “Alguns amigos me sugeriram andar com seguranças, mas não recorri a isso, primeiro por achar uma excrescência pastor andar com segurança. Segundo porque não tenho dinheiro para pagá-los”, explica.
“É uma rejeição que não é só uma cara que se vira quando te vê, é uma rejeição afrontosa”, desabafa Sérgio. “Fui falar que a igreja precisava parar de demonizar o ex-presidente Lula e me tornei um demônio para os meus. E, como sou taxado de demônio, os espaços sumiram. Se eu antes frequentava púlpitos de outras igrejas, hoje, não mais. Além de pressões. Tem um pastor que, apesar do carinho que tenho por ele, falou no púlpito contra mim. Sofri retaliações de pessoas que tinha consideração”, lamenta.
A Convenção Batista Carioca publicou um comunicado institucional dizendo que “não apoia, nem indica, nem toma partido de qualquer candidato a cargo público, ou ainda, não referenda qualquer corrente político-partidária”. Em sua defesa, o pastor Sérgio argumenta que “falou como Sérgio” e não em nome da instituição, durante o encontro de Lula. “O que usaram para me atacar não foi dito dentro da igreja. Eu acredito numa igreja isenta de política partidária e acho que esse assunto é muito pequeno comparado a outros, como a salvação”.
Para ele, “quando a convenção [Batista] caça o meu posicionamento mas não há nenhum tipo de reprimenda às manifestações e pedidos de voto para Bolsonaro, a igreja diz ter um lado”, argumenta, lembrando do momento em que a igreja Batista convocou fiéis para um jejum e oração em prol do “futuro da nossa nação e pelos juízes do STF”, em 2018. O evento tinha relação com o julgamento do Habeas Corpus do ex-presidente Lula pelo Supremo Tribunal Federal.
O pastor Filipe Gibran, da igreja Comuna do Reino, em Belo Horizonte (MG), publicou um vídeo, no dia 12 de outubro, denunciando boicote por motivações políticas. Ele diz que foi impedido de realizar um culto na igreja do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, em Belo Horizonte, porque o reitor da instituição teria presumido que a pregação seria feita por “pastores de esquerda”. A Pública buscou a reitoria do Centro Universitário sobre o assunto e não obteve retorno.
“Ele ligou para nós no dia anterior ao culto e disse que não poderíamos fazer um ‘culto de esquerda’. Isso nunca tinha acontecido”, conta, negando que a celebração tivesse cunho político. Depois do episódio, Felipe se juntou a um grupo de dez pastores progressistas em Belo Horizonte, que se uniu para apoio mútuo. Todos eles sofreram algum tipo de perseguição política.
“Iniciamos este trabalho em decorrência do cenário de assédios, assassinato de reputação por líderes evangélicos da extrema-direita”, explica Enéas Alixandrino, pastor na Comunidade Cristã Êxodo em Minas Gerais, um dos idealizadores do grupo. Ele conta que, desde 2019, quando decidiu tornar os cultos mais acolhedores a fieis LGBTQIA+, explicitando que a presença de casais homossexuais era bem vinda, sofre violências.
Os ataques, que já relacionavam Enéas à “política de esquerda” e ao “comunismo”, ganharam novo fôlego durante o período eleitoral. “São retaliações colocando em xeque a credibilidade da minha devoção à fé cristã como se houvesse incompatibilidade entre ser progressista e ser cristão”. O pastor diz que a repressão vem, principalmente, na forma de atitudes e comentários preconceituosos dentro da própria comunidade evangélica, que prejudicam sua reputação.
Antonio Marcos de Souza, da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e integrante do grupo de pastores progressistas, também relata repressões, muitas vezes direcionados à própria congregação, que atua em duas periferias da cidade de Belo Horizonte, e assume algumas posturas progressistas como a inclusão de homossexuais e a defesa da democracia, além de já ter se posicionado publicamente contra ações específicas do governo Bolsonaro. Devido a esse enfrentamento, segundo o pastor, “muitas vezes a igreja não é convidada para eventos evangélicos ou incluída em programações”.
“Minha igreja já nasce da perseguição que ocorreu em vários organismos da igreja presbiteriana desde a década de 70. Desde então, há uma repressão no sentido de nos colocar em uma situação lamentável, muitas vezes negando que fazemos parte da comunidade evangélica”, conta.
“Há perseguição por parte de outras igrejas e outros líderes que fazem um tipo de denuncismo. Já aconteceu de nós estarmos tendo contato com novos eclesianos [pessoas que pertencem à igreja] e as pessoas iam lá e falavam mal da nossa igreja com as pessoas que estavam entrando. Isso é uma agressão à fé”, conta. “Quando nos aliamos aos nossos irmãos católicos, da defesa dos direitos humanos, da defesa dos projetos sociais ou mesmo nos comprometemos a pregar o Evangelho de maneira genuína, muitas vezes somos julgados”, diz.
Antônio Marcos diz que o nível das perseguições já fez com que ele “considerasse não apenas deixar a comunidade evangélica, mas o país”. “Às vezes a gente é tomado pelo desânimo, pela apatia de ser confrontado por pessoas nas quais a gente não consegue ver o amor Cristão”.Grupo de pastores progressistas passou a se reunir em BH, em decorrência dos assédios
No grupo de apoio em BH, os pastores progressistas compartilham suas histórias e, principalmente, dividem apoio para evitar um problema cada vez mais frequente: o afastamento da congregação ou da própria religião por pressões políticas.
Nestas eleições, o caso de outro pastor batista, Sérgio Dusilek, do Rio de Janeiro, se tornou símbolo da perseguição a cristãos de esquerda. Ele sofreu pressão para renunciar à presidência da Convenção Batista Carioca (CBC) depois de participar de um encontro de Lula com evangélicos em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, realizado em um ginásio de um clube, no dia 9 de setembro. Na ocasião, Sérgio disse que “a igreja tem que pedir perdão ao presidente Lula”. O vídeo com a declaração viralizou.
Desde então, o pastor tem evitado ir à igreja, sido desconvidado a participar de eventos e recebido ameaças diretas. “Uma das muitas ameaças que recebi dizia: o senhor não vai ficar impune. Isso é bem abrangente e, pelo teor da mensagem como um todo, cabe a interpretação de levar às últimas consequências, ou seja,é uma ameaça velada de morte, porque se a pessoa diz vou te matar abertamente, posso denunciá-la à polícia”.
Nas duas semanas depois do encontro em São Gonçalo, o pastor Sérgio evitou ir à igreja e ficou mais em casa. “Alguns amigos me sugeriram andar com seguranças, mas não recorri a isso, primeiro por achar uma excrescência pastor andar com segurança. Segundo porque não tenho dinheiro para pagá-los”, explica.
“É uma rejeição que não é só uma cara que se vira quando te vê, é uma rejeição afrontosa”, desabafa Sérgio. “Fui falar que a igreja precisava parar de demonizar o ex-presidente Lula e me tornei um demônio para os meus. E, como sou taxado de demônio, os espaços sumiram. Se eu antes frequentava púlpitos de outras igrejas, hoje, não mais. Além de pressões. Tem um pastor que, apesar do carinho que tenho por ele, falou no púlpito contra mim. Sofri retaliações de pessoas que tinha consideração”, lamenta.
A Convenção Batista Carioca publicou um comunicado institucional dizendo que “não apoia, nem indica, nem toma partido de qualquer candidato a cargo público, ou ainda, não referenda qualquer corrente político-partidária”. Em sua defesa, o pastor Sérgio argumenta que “falou como Sérgio” e não em nome da instituição, durante o encontro de Lula. “O que usaram para me atacar não foi dito dentro da igreja. Eu acredito numa igreja isenta de política partidária e acho que esse assunto é muito pequeno comparado a outros, como a salvação”.
Para ele, “quando a convenção [Batista] caça o meu posicionamento mas não há nenhum tipo de reprimenda às manifestações e pedidos de voto para Bolsonaro, a igreja diz ter um lado”, argumenta, lembrando do momento em que a igreja Batista convocou fiéis para um jejum e oração em prol do “futuro da nossa nação e pelos juízes do STF”, em 2018. O evento tinha relação com o julgamento do Habeas Corpus do ex-presidente Lula pelo Supremo Tribunal Federal.
O pastor Filipe Gibran, da igreja Comuna do Reino, em Belo Horizonte (MG), publicou um vídeo, no dia 12 de outubro, denunciando boicote por motivações políticas. Ele diz que foi impedido de realizar um culto na igreja do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, em Belo Horizonte, porque o reitor da instituição teria presumido que a pregação seria feita por “pastores de esquerda”. A Pública buscou a reitoria do Centro Universitário sobre o assunto e não obteve retorno.
“Ele ligou para nós no dia anterior ao culto e disse que não poderíamos fazer um ‘culto de esquerda’. Isso nunca tinha acontecido”, conta, negando que a celebração tivesse cunho político. Depois do episódio, Felipe se juntou a um grupo de dez pastores progressistas em Belo Horizonte, que se uniu para apoio mútuo. Todos eles sofreram algum tipo de perseguição política.
“Iniciamos este trabalho em decorrência do cenário de assédios, assassinato de reputação por líderes evangélicos da extrema-direita”, explica Enéas Alixandrino, pastor na Comunidade Cristã Êxodo em Minas Gerais, um dos idealizadores do grupo. Ele conta que, desde 2019, quando decidiu tornar os cultos mais acolhedores a fieis LGBTQIA+, explicitando que a presença de casais homossexuais era bem vinda, sofre violências.
Os ataques, que já relacionavam Enéas à “política de esquerda” e ao “comunismo”, ganharam novo fôlego durante o período eleitoral. “São retaliações colocando em xeque a credibilidade da minha devoção à fé cristã como se houvesse incompatibilidade entre ser progressista e ser cristão”. O pastor diz que a repressão vem, principalmente, na forma de atitudes e comentários preconceituosos dentro da própria comunidade evangélica, que prejudicam sua reputação.
Antonio Marcos de Souza, da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e integrante do grupo de pastores progressistas, também relata repressões, muitas vezes direcionados à própria congregação, que atua em duas periferias da cidade de Belo Horizonte, e assume algumas posturas progressistas como a inclusão de homossexuais e a defesa da democracia, além de já ter se posicionado publicamente contra ações específicas do governo Bolsonaro. Devido a esse enfrentamento, segundo o pastor, “muitas vezes a igreja não é convidada para eventos evangélicos ou incluída em programações”.
“Minha igreja já nasce da perseguição que ocorreu em vários organismos da igreja presbiteriana desde a década de 70. Desde então, há uma repressão no sentido de nos colocar em uma situação lamentável, muitas vezes negando que fazemos parte da comunidade evangélica”, conta.
“Há perseguição por parte de outras igrejas e outros líderes que fazem um tipo de denuncismo. Já aconteceu de nós estarmos tendo contato com novos eclesianos [pessoas que pertencem à igreja] e as pessoas iam lá e falavam mal da nossa igreja com as pessoas que estavam entrando. Isso é uma agressão à fé”, conta. “Quando nos aliamos aos nossos irmãos católicos, da defesa dos direitos humanos, da defesa dos projetos sociais ou mesmo nos comprometemos a pregar o Evangelho de maneira genuína, muitas vezes somos julgados”, diz.
Antônio Marcos diz que o nível das perseguições já fez com que ele “considerasse não apenas deixar a comunidade evangélica, mas o país”. “Às vezes a gente é tomado pelo desânimo, pela apatia de ser confrontado por pessoas nas quais a gente não consegue ver o amor Cristão”.Grupo de pastores progressistas passou a se reunir em BH, em decorrência dos assédios
No grupo de apoio em BH, os pastores progressistas compartilham suas histórias e, principalmente, dividem apoio para evitar um problema cada vez mais frequente: o afastamento da congregação ou da própria religião por pressões políticas.
“Infelizmente o discurso da extrema-direita evangélica afeta sua membresia no sentido de deixá-los mais intolerantes, autoritários, misóginos, homofóbicos, xenofóbicos e mesmo racistas. Por outro lado, a igreja evangélica vem experimentando um êxodo para fora dela de membros que não se encaixam neste perfil”, pontua Enéas.
Um pastor batista negro e periférico, que atua em Belo Horizonte e está no grupo de apoio, contou, em condição de sigilo por temer novas represálias, que perdeu metade dos membros da sua congregação este ano por discordâncias políticas. “Tinha 70, hoje são 35”, contabiliza. Ele diz que não fala de política partidária nos cultos, mas aborda “justiça social, respeito ao diferente e se posiciona contra as armas”.
Um pastor batista negro e periférico, que atua em Belo Horizonte e está no grupo de apoio, contou, em condição de sigilo por temer novas represálias, que perdeu metade dos membros da sua congregação este ano por discordâncias políticas. “Tinha 70, hoje são 35”, contabiliza. Ele diz que não fala de política partidária nos cultos, mas aborda “justiça social, respeito ao diferente e se posiciona contra as armas”.
“Bandido bom não pode ser bandido morto porque quem tem o poder da vida é Jesus. Aí já fazem associações com candidatos. Só de ter posições mais progressistas, as pessoas te classificam de abortista, pró-LGBT. Não tenho problemas com LGBTs, porém minha comunidade não é inclusiva, mas é acolhedora. E só ser acolhedor já é um problema para o fundamentalista”, diz.
Segundo o pastor, boa parte dos ex-membros da sua congregação migrou para igrejas mais conservadoras e que têm lideranças que declaram abertamente apoio a Bolsonaro. “BH é uma cidade com grandes igrejas bolsonaristas, como a Batista da Lagoinha [onde Bolsonaro e a primeira-dama Michelle subiram ao púlpito durante culto realizado em 7 de agosto, pouco antes do início da campanha oficial, no dia 16] a Getsêmani, de Jorge de Linhares e a Batista Central, de Paulo Mazoni, uma igreja rica. A gente tem colocado mensagens sobre amor, graça e compaixão. Muitos preferem igrejas fundamentalistas que falam sobre inferno, que demonizam religiões afro”.
Por abordar questões raciais dentro da igreja, o pastor Marco Davi de Oliveira, da Nossa Igreja Brasileira no Rio de Janeiro, sempre sofreu perseguições.
Segundo o pastor, boa parte dos ex-membros da sua congregação migrou para igrejas mais conservadoras e que têm lideranças que declaram abertamente apoio a Bolsonaro. “BH é uma cidade com grandes igrejas bolsonaristas, como a Batista da Lagoinha [onde Bolsonaro e a primeira-dama Michelle subiram ao púlpito durante culto realizado em 7 de agosto, pouco antes do início da campanha oficial, no dia 16] a Getsêmani, de Jorge de Linhares e a Batista Central, de Paulo Mazoni, uma igreja rica. A gente tem colocado mensagens sobre amor, graça e compaixão. Muitos preferem igrejas fundamentalistas que falam sobre inferno, que demonizam religiões afro”.
Por abordar questões raciais dentro da igreja, o pastor Marco Davi de Oliveira, da Nossa Igreja Brasileira no Rio de Janeiro, sempre sofreu perseguições.
“Com o acirramento da questão política, comecei a sofrer outros tipos de represálias. Em 2019, fui desconvidado de um evento da juventude batista brasileira, antes da pandemia. Era um evento na Igreja Batista Atitude, que é frequentado por Michelle Bolsonaro. Depois fui entender que não era só racismo especificamente, mas a questão política já estava lá, porque eu já me colocava contra bolsonaro”, lembra.
O pastor Marco tem ajudado a colher casos de pastoras e pastores de esquerda que estão sendo atacados por posicionamento político em todo o país. Ele trabalha com a Frente Evangélica pelo Estado de Direito, que acaba de lançar um canal de denúncias por telefone e Whatsapp para acolher essas situações.
O pastor Marco tem ajudado a colher casos de pastoras e pastores de esquerda que estão sendo atacados por posicionamento político em todo o país. Ele trabalha com a Frente Evangélica pelo Estado de Direito, que acaba de lançar um canal de denúncias por telefone e Whatsapp para acolher essas situações.
O pastor Ariovaldo Ramos, coordenador da Frente, que também atua na campanha de Lula, diz que ainda não há dados consolidados sobre a quantidade de casos mapeados até agora, mas que já estão sendo feitas algumas escutas a partir de denúncias recebidas.
O próprio Ariovaldo também é alvo de ataques. Da Comunidade Cristã Reformada, ele foi envolvido recentemente em uma notícia falsa sobre recebimento de R$ 6 milhões por meio de uma ONG, da qual ele se afastou em 2018, como mostrou a checagem do Coletivo Bereia.
Pastor Ariovaldo vê aumento de casos de violência contra lideranças evangélicas desde a eleição de Bolsonaro
Ariovaldo diz que houve um “aumento perceptível” de casos de violência e repressão de lideranças evangélicas, especialmente desde a eleição de Bolsonaro. Para ele, a situação representa um “enorme constrangimento” para a igreja evangélica. “Na linguagem evangélica, existe muita idolatria, que é considerado algo muito grave entre nós. Muitos pastores estão agindo como cabo eleitoral do candidato à reeleição.”.
Outra iniciativa que busca acolher líderes e fieis que se sentem acuados por seus posicionamentos é a Novas Narrativas Evangélicas, um coletivo formado por jovens de diferentes igrejas pela preservação da pluralidade. Em resposta aos ataques mais recentes contra lideranças progressistas, o grupo publicou uma nota reforçando que “o crente é livre para votar em quem quiser, de acordo com a própria consciência e não pela pressão da igreja ou de pastores”.
“Existe um tipo de cristão que já está sendo perseguido: os que não se dobraram à idolatria da extrema-direita nas igrejas. Esses irmãos e irmãs são constantemente intimidados pelas lideranças religiosas e outros membros que seguem o pensamento hegemônico”, denuncia a nota.
O teólogo e ex-presbítero Flávio Pinheiro também sofreu retaliações por discordância política. Desde o início do exercício no cargo de liderança da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), ele conta que foi orientado por superiores a “mudar o pensamento” em tópicos relacionados à política. Seu afastamento oficial do cargo aconteceu em 2021, após postagens nas redes sociais onde criticava o presidente Bolsonaro.
Flávio continua se posicionando politicamente em seus perfis nas redes sociais e diz que, mesmo após um ano desde o seu afastamento, há pessoas que buscam as redes sociais para descredibilizá-lo. “Costumo bloquear ou excluir coisas mais ofensivas, mas ainda acontecem. No Facebook, por exemplo, às vezes escrevo alguma coisa e reagem com ‘risos’, que não podem ser excluídos da postagem. Dizem que eu fui ingrato com a igreja, que falo coisas sobre política para aparecer”, conta.
“Eu entendo que existe um limite entre a separação da vida religiosa e a vida pessoal. Você não pode ser um psicopata fora da igreja e pregar a palavra de Cristo dentro dela. Qualquer pessoa que frequentou as mesmas igrejas que eu, sabe que eu não levo manifestações político-partidárias no ambiente religioso, apenas nas minhas redes”, completa.
Ariovaldo diz que houve um “aumento perceptível” de casos de violência e repressão de lideranças evangélicas, especialmente desde a eleição de Bolsonaro. Para ele, a situação representa um “enorme constrangimento” para a igreja evangélica. “Na linguagem evangélica, existe muita idolatria, que é considerado algo muito grave entre nós. Muitos pastores estão agindo como cabo eleitoral do candidato à reeleição.”.
Outra iniciativa que busca acolher líderes e fieis que se sentem acuados por seus posicionamentos é a Novas Narrativas Evangélicas, um coletivo formado por jovens de diferentes igrejas pela preservação da pluralidade. Em resposta aos ataques mais recentes contra lideranças progressistas, o grupo publicou uma nota reforçando que “o crente é livre para votar em quem quiser, de acordo com a própria consciência e não pela pressão da igreja ou de pastores”.
“Existe um tipo de cristão que já está sendo perseguido: os que não se dobraram à idolatria da extrema-direita nas igrejas. Esses irmãos e irmãs são constantemente intimidados pelas lideranças religiosas e outros membros que seguem o pensamento hegemônico”, denuncia a nota.
O teólogo e ex-presbítero Flávio Pinheiro também sofreu retaliações por discordância política. Desde o início do exercício no cargo de liderança da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), ele conta que foi orientado por superiores a “mudar o pensamento” em tópicos relacionados à política. Seu afastamento oficial do cargo aconteceu em 2021, após postagens nas redes sociais onde criticava o presidente Bolsonaro.
Flávio continua se posicionando politicamente em seus perfis nas redes sociais e diz que, mesmo após um ano desde o seu afastamento, há pessoas que buscam as redes sociais para descredibilizá-lo. “Costumo bloquear ou excluir coisas mais ofensivas, mas ainda acontecem. No Facebook, por exemplo, às vezes escrevo alguma coisa e reagem com ‘risos’, que não podem ser excluídos da postagem. Dizem que eu fui ingrato com a igreja, que falo coisas sobre política para aparecer”, conta.
“Eu entendo que existe um limite entre a separação da vida religiosa e a vida pessoal. Você não pode ser um psicopata fora da igreja e pregar a palavra de Cristo dentro dela. Qualquer pessoa que frequentou as mesmas igrejas que eu, sabe que eu não levo manifestações político-partidárias no ambiente religioso, apenas nas minhas redes”, completa.
Ameaças de morte
“Endemoniado, enviado do inferno, herege. Quando posto um vídeo, recebo centenas de mensagens e ataques. Já recebi até ameaças de morte de bolsonaristas. Não tenho medo por mim, mas receio pela minha família”, conta o pastor Gilmar Almeida, morador de Montemor, em São Paulo, membro da Assembleia de Deus Ministério do Belém. Ele grava vídeos criticando abertamente Bolsonaro e divulga nas redes sociais.
Um vídeo dele chamado “Bolsonaro anticristo” alcançou mais de 3 milhões de visualizações no TikTok. Na peça, ele cita passagens bíblicas, uma delas no livro de Mateus. “Porque muitos virão em meu nome, diz o senhor Jesus Cristo”.
“Endemoniado, enviado do inferno, herege. Quando posto um vídeo, recebo centenas de mensagens e ataques. Já recebi até ameaças de morte de bolsonaristas. Não tenho medo por mim, mas receio pela minha família”, conta o pastor Gilmar Almeida, morador de Montemor, em São Paulo, membro da Assembleia de Deus Ministério do Belém. Ele grava vídeos criticando abertamente Bolsonaro e divulga nas redes sociais.
Um vídeo dele chamado “Bolsonaro anticristo” alcançou mais de 3 milhões de visualizações no TikTok. Na peça, ele cita passagens bíblicas, uma delas no livro de Mateus. “Porque muitos virão em meu nome, diz o senhor Jesus Cristo”.
Entre os mais de 19 mil comentários, há críticas ao comentário do religioso e xingamentos. “vai ler a Bíblia..anti Cristo é vc falando do próximo”, escreveu uma mulher. “Você vai ser espulso e tem que ser.vou enviar sua fala ate chegar ao pastor presidente (sic)”, comentou um homem.
A Assembleia de Deus em São Paulo reagiu ao viral. Em nota, a cúpula do ministério informou que o pastor não consta em quadro de Membros e Ministros filiados à igreja” e que, por isso, “não tem procuração ou autorização para falar em nome das instituições”.
A Assembleia de Deus em São Paulo reagiu ao viral. Em nota, a cúpula do ministério informou que o pastor não consta em quadro de Membros e Ministros filiados à igreja” e que, por isso, “não tem procuração ou autorização para falar em nome das instituições”.
Gilmar afirma que congrega na Assembleia de Deus em São Paulo, Ministério do Belém há 33 anos e diz que, apesar de nunca ter sido ordenado pastor, assume o cargo “por vocação”. “Pastorear é dom de Deus”, argumenta. “Já recebi vários convites para pastorear igrejas e não aceitei. Prego nas casas, converso com presos sobre Jesus”, explica. Este ano, ele se candidatou a deputado estadual pelo Avante, mas não foi eleito. “Gosto de política. Acho uma ferramenta poderossíma para exercer o bem”, diz.
“Se Jesus estivesse aqui hoje, o Macedo [Edir Macedo, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus], o Malafaia [Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo], esses caras todos expulsaram ele na hora. Eles não querem nada com Jesus, eles querem o dinheiro do povo”, comenta.
A reportagem procurou as convenções e igrejas citadas sobre os casos de perseguição aos pastores e lideranças evangélicas, mas não obteve retorno até a publicação.
> Esse texto foi publicado originalmente na Agência Pública.
“Se Jesus estivesse aqui hoje, o Macedo [Edir Macedo, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus], o Malafaia [Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo], esses caras todos expulsaram ele na hora. Eles não querem nada com Jesus, eles querem o dinheiro do povo”, comenta.
A reportagem procurou as convenções e igrejas citadas sobre os casos de perseguição aos pastores e lideranças evangélicas, mas não obteve retorno até a publicação.
> Esse texto foi publicado originalmente na Agência Pública.
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