Pular para o conteúdo principal

Resultado das eleições de 1ª turno reflete a ascensão da religião evangélica

Lula ganhou em regiões onde ainda predomina o catolicismo; Bolsonaro atraiu mais os votos dos evangélicos

JOSÉ EUSTÁQUIO DINIZ ALVES / EcoDebate
doutor em demografia

O primeiro turno das eleições presidenciais, de 2 de outubro de 2022, terminou com 57,2 milhões de votos para Luiz Inácio Lula da Silva (48,4%) e 51,1 milhões de votos para Jair Bolsonaro (43,2%).

A relação entre os votos totais de Lula e Bolsonaro (RLB) no Brasil foi de 1,12. Mas estes votos não foram repartidos uniformemente, pois há diferenças por região e por Unidades da Federação (UF), assim como há diferença na distribuição da proporção de votos segundo as opções religiosas.

O Brasil passa por uma transição religiosa de grande proporção. Em 1950, os católicos representavam 93,5% da população e os evangélicos apenas 3,4%. Mas nas últimas sete décadas a percentagem de pessoas que se declaram católicas caiu rapidamente e chegou a 64,6% em 2010.

No mesmo período, os evangélicos (tradicionais, evangélicos e não institucionalizados) cresceram e atingiram 22,2% em 2010.

Houve também crescimento de outras religiões (como espíritas, religiões de matriz africana, etc.) e do percentual de pessoas que se declaram sem religião. 

Portanto, a transição religiosa brasileira se caracteriza por uma mudança na correlação de forças entre os dois maiores grupos cristãos (com queda dos católicos e ascensão dos evangélicos) e maior pluralidade religiosa, inclusive um aumento significativo de pessoas que se consideram sem religião (Alves et al. 2017).

Esta transição religiosa ocorre também de maneira diferenciada entre as regiões. O Norte, o Sudeste e o Centro-Oeste são as regiões mais avançadas na mudança de correlação de forças entre católicos e evangélicos.

O Nordeste é a região que há a maior proporção de católicos. A região Sul está em uma situação intermediária entre o Nordeste e o Sudeste na transição religiosa. Evidentemente, estas mudanças religiosas possuem impacto sobre os resultados eleitorais.

Para testar a relação entre a transição religiosa e o voto no primeiro turno das eleições presidenciais de 2022, o gráfico abaixo apresenta a associação entre a razão de votos válidos para Lula em relação a Bolsonaro (RLB) e a razão entre o número de evangélicos e o número de católicos (REC), para todas as Unidades da Federação, segundo os dados do censo demográfico de 2010 (que são os últimos dados disponibilizados pelo IBGE).

Ou seja, o gráfico testa se o avanço evangélico nos Estados está correlacionado com uma maior proporção de votos em Bolsonaro e se a maior presença católica está correlacionada com maior proporção de votos em Lula.

Como pode ser visto pela curva logarítmica vermelha do gráfico, existe uma relação positiva entre o avanço da transição religiosa e a relação entre os votos de Lula e Bolsonaro (com R2 de 64,1%). Obviamente, a variável religião não é a única que explica o resultado eleitoral de 2022, mas ela tem uma associação inquestionável.

Nota-se, no gráfico, que os Estados mais avançados na transição religiosa (Rondônia, Roraima, Acre, Espírito Santo e Rio de Janeiro) deram uma vitória significativa à Bolsonaro. Já os Estados do Nordeste (que possuem a menor proporção de evangélicos e a maior proporção de católicos) deram uma vitória significativa para o candidato do PT. O Piauí, que tem a menor REC (maior proporção de católicos), foi o que deu a maior proporção de voto para Lula (maior RLB). Mas como a religião não explica tudo, o caso de Santa Catarina mostra que uma das UFs com maior proporção de votos em Bolsonaro (baixa RLB), aconteceu em um Estado com baixa presença evangélica (baixa REC).

Em síntese, o voto evangélico, indo na maioria para Bolsonaro, influiu nas eleições presidenciais de 2022, evitando que as eleições fossem decididas no primeiro turno, pois Lula teve maioria entre os católicos, outras religiões e os sem religião (de acordo com os diversos Institutos de Pesquisa), mas não foi suficiente para atingir a maioria dos votos.

Distribuição da razão de votos válidos em Lula sobre os votos de Bolsonaro (RLB) no 1ª turno das eleições de 2022, segundo a razão do número de evangélicos sobre o número de católicos (REC) em 2010
  


O avanço dos evangélicos na sociedade é um processo conhecido. O avanço dos evangélicos na política (como na Frente Parlamentar Evangélica) também é um processo conhecido. Mas a relação entre a religião e a política está ficando mais complexa. 

A República Federativa do Brasil é constituída por um Estado laico que não adota nenhuma religião oficial e garante a liberdade religiosa para todos os seus cidadãos, viabilizando a livre prática das crenças e dos cultos, observado o princípio de que a religião pertence à vida privada e não deve servir de parâmetro para a atuação dos agentes públicos em exercício de seus deveres constitucionais.

Porém o Estado Laico brasileiro não pode ser confundido com o fundamentalismo religioso — que tenta impor ao conjunto da nação os dogmas de seus livros sagrados — e com o conservadorismo moral — que é um pensamento político que defende a manutenção das instituições sociais tradicionais, além da manutenção dos costumes, tradições e convenções conservadoras em oposição às novas tendências plurais e progressistas.

O debate do segundo turno das eleições de 2022 precisa se pautar pelos valores republicanos e garantir a tolerância religiosa e o respeito às minorias. O Brasil está dividido ao meio entre esquerda e direita, conforme mostra o gráfico abaixo. Lula venceu em 14 estados e no exterior no 1º turno e Bolsonaro venceu em 13 UFs (12 estados e no DF). 

A composição da Câmara Federal e do Senado ficou com um perfil bastante conservador e, evidentemente, deverá dificultar mudanças progressistas na sociedade brasileira.

Desempenho dos presidenciáveis nos Estados e Distrito Federal no primeiro turno das eleições e 2022
  

Nas eleições presidenciais de 2018, segundo as pesquisas eleitorais da época, Bolsonaro ganhou com grande diferença entre os evangélicos, empatou entre os católicos, venceu entre as outras religiões e perdeu de pouco entre os sem religião. 

Agora em 2022, o quadro se alterou, pois embora Bolsonaro tenha vencido entre os evangélicos, Lula ficou em primeiro lugar na soma de votos em 2 de outubro, ganhando entre as religiões não cristãs e colocando ampla margem de vantagem entre os católicos e os sem religião.

A despeito da necessidade de discutir questões programáticas para a nação brasileira, a combinação das variáveis região e religião vão ter um grande peso na decisão do 2º turno no dia 30 de outubro de 2022.

Comentários

Anônimo disse…
Hoje os evangélicos estão espalhando fake news no zap zap de que Lula é satanista e usando fotos de decorações de Halloween para dizer que são rituais a favor do Lula, kkkkkkkkkk

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Roger tenta anular 1ª união para se casar com Larissa Sacco

Médico é acusado de ter estuprado pacientes Roger Abdelmassih (foto), 66, médico que está preso sob a acusação de ter estuprado 56 pacientes, solicitou à Justiça autorização  para comparecer ao Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de São Paulo de modo a apresentar pedido de anulação religiosa do seu primeiro casamento. Sônia, a sua segunda mulher, morreu de câncer em agosto de 2008. Antes dessa união de 40 anos, Abdelmassih já tinha sido casado no cartório e no religioso com mulher cujo nome ele nunca menciona. Esse casamento durou pouco. Agora, o médico quer anular o primeiro casamento  para que possa se casar na Igreja Católica com a sua noiva Larissa Maria Sacco (foto abaixo), procuradora afastada do Ministério Público Federal. Médico acusado de estupro vai se casar com procuradora de Justiça 28 de janeiro de 2010 Pelo Tribunal Eclesiástico, é possível anular um casamento, mas a tramitação do processo leva anos. A juíza Kenarik Boujikian Felippe,  da 16ª

Cristianismo é a religião que mais perseguiu o conhecimento científico

Cristãos foram os inventores da queima de livros LUÍS CARLOS BALREIRA / opinião As epidemias e pandemias durante milhares de anos antes do cristianismo tiveram as mais estapafúrdias explicações dos deuses. Algumas mentes brilhantes da antiguidade, tais como Imhotep (2686-2613 a.C.) e Hipócrates (460-377 a.C.) tentaram passar explicações científicas para as massas de fanáticos religiosos, ignorantes, bestas humanas. Com a chegada ao mundo das feras cristãs, mergulhamos numa era de 2000 anos de trevas e ignorância. Os cristãos foram os inventores da queima de livros e bibliotecas. O cristianismo foi a religião que mais perseguiu o conhecimento científico e os cientistas. O Serapeu foi destruído em 342 d.C. por ordem de um bispo cristão de Alexandria, sob a proteção de Teodósio I.  Morte de Hipatia de Alexandrina em ilustração de um livro do século 19 A grande cientista Hipátia de Alexandria (351/370) foi despida em praça pública e dilacerada viva pelas feras e bestas imundas cristãs. So

Estudante expulsa acusa escola adventista de homofobia

Arianne disse ter pedido outra com chance, mas a escola negou com atualização Arianne Pacheco Rodrigues (foto), 19, está acusando o Instituto Adventista Brasil Central — uma escola interna em Planalmira (GO) — de tê-la expulsada em novembro de 2010 por motivo homofóbico. Marilda Pacheco, a mãe da estudante, está processando a escola com o pedido de indenização de R$ 50 mil por danos morais. A primeira audiência na Justiça ocorreu na semana passada. A jovem contou que a punição foi decidida por uma comissão disciplinar que analisou a troca de cartas entre ela e outra garota, sua namorada na época. Na ata da reunião da comissão consta que a causa da expulsão das duas alunas foi “postura homossexual reincidente”. O pastor  Weslei Zukowski (na foto abaixo), diretor da escola, negou ter havido homofobia e disse que a expulsão ocorreu em consequência de “intimidade sexual” (contato físico), o que, disse, é expressamente proibido pelo regulamento do estabelecimento. Consel

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Seleção de vôlei sequestrou palco olímpico para expor crença cristã

Título original: Oração da vitória por Daniel Sottomaior (foto) para Folha de S.Paulo Um hipotético sujeito poderoso o suficiente para fraudar uma competição olímpica merece ser enaltecido publicamente? A se julgar pela ostensiva prece de agradecimento da seleção brasileira de vôlei pela medalha de ouro nas Olimpíadas, a resposta é um entusiástico sim! Sagrado é o direito de se crer em qualquer mitologia e dá-la como verdadeira. Professar uma religião em público também não é crime nenhum, embora costume ser desagradável para quem está em volta. Os problemas começam quando a prática religiosa se torna coercitiva, como é a tradição das religiões abraâmicas. Os membros da seleção de vôlei poderiam ter realizado seus rituais em local mais apropriado. É de se imaginar que uma entidade infinita e onibenevolente não se importaria em esperar 15 minutos até que o time saísse da quadra. Mas uma crescente parcela dos cristãos brasileiros não se contenta com a prática privada: para

Com 44% de ateus, Holanda usa igrejas como livrarias e cafés

Livraria Selexyz, em Maastricht Café Olivier, em Utrecht As igrejas e templos da Holanda estão cada vez mais vazios e as ordens religiosas não têm recursos para mantê-los. Por isso esses edifícios estão sendo utilizados por livrarias, cafés, salão de cabeleireiro, pistas de dança, restaurantes, casas de show e por aí vai. De acordo com pesquisa de 2007, a mais recente, os ateus compõem 44% da população holandesa; os católicos, 28%; os protestantes, 19%; os muçulmanos, 5%, e os fiéis das demais religiões, 4%. A maioria da população ainda acredita em alguma crença, mas, como ocorre em outros países, nem todos são assíduos frequentadores de celebrações e cultos religiosos. Algumas adaptações de igrejas têm sido elogiadas, como a de Maastricht, onde hoje funciona a livraria Selexyz (primeira foto acima). A arquitetura realmente impressiona. O Café Olivier (a segunda foto), em Utrecht, também ficou bonito e agradável. Ao fundo, em um mezanino, se destaca o órgão da antiga ig

Drauzio Varella afirma por que ateus despertam a ira de religiosos

Malafaia diz que Feliciano é vítima do PT, gays e ateus

Para pastor Malafaia,  há um  complô  contra seu colega Silas Malafaia (foto) afirmou que são os petistas, gays e ateus que estão movendo uma campanha de descrédito contra o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP). Em uma nota de alerta aos pastores para que não assinem uma carta pedindo o afastamento de Feliciano da presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, Malafaia disse estar em jogo, nesse caso, o interesse dos petistas que querem desviar a atenção da opinião pública para a posse de dois de seus integrantes condenados pelo crime do mensalão em uma das mais importantes comissões da Câmara. Trata-se dos deputados José Genoíno e João Paulo Cunha, que agora fazem parte da Comissão de Constituição e Justiça. “Eles [os petistas] precisavam desviar da sociedade o foco deste fato”, afirmou Malafaia. Outro motivo, segundo ele, é que Feliciano é “um ferrenho opositor dos privilégios” defendidos pelos ativistas gays, além de combater, por exemplo, a legaliza

Xuxa pede mobilização contra o 'monstro' Marco Feliciano

Pela primeira vez a apresentadora se envolve em uma polêmica A apresentadora da Rede Globo Xuxa (foto) afirmou em sua página no Facebook que o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP), o novo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, não é “um religioso, é um monstro”. Sem citar o nome de Feliciano, ela ficou indignada ao ler que “esse deputado disse que negros, aidéticos e homossexuais não têm alma”. “Vamos fazer alguma coisa! Em nome de Deus, ele não pode ter poder.” É a primeira vez que Xuxa pede mobilização de seus fãs em uma questão polêmica. Amiga do padre Marcelo Rossi, ela é católica praticante. No Facebook, em seu desabafo, escreveu sete vezes a palavra "Deus" e argumentou que todos sabem que ela respeita todas as religiões. A apresentadora também se mostrou abalada ao saber que Feliciano, durante uma pregação, pediu a senha do cartão bancário de um fiel. “O que é isso, meu povo?” “Essa pessoa não pode ser presidente da C