Pular para o conteúdo principal

Brasileiros participam de estudo sobre morte de estrela

Cientistas do Brasil fizeram parte da equipe internacional que analisou as primeiras imagens do James Webb

IVAN CONTERNO | Jornal da USP
jornalista

Há alguns milhares de anos, uma estrela que estava morrendo deu origem à Nebulosa do Anel do Sul (NGC 3132), na constelação de Vela. Enquanto agonizava, ela soprou suas camadas exteriores para o espaço. Isso gerou uma nuvem, que agora é iluminada pelas luzes do que restou da própria estrela.

O mistério por trás da “cena do crime” pôde ser melhor investigado através de algumas das primeiras imagens obtidas pelo Telescópio Espacial James Webb (JWST), lançado em dezembro de 2021. As lentes do satélite tiveram como alvo a NGC 3132, cujas imagens foram analisadas recentemente por 69 pesquisadores ao redor do mundo. 

As fotos do espaço, reveladas em julho de 2022, permitem inferir o que deu origem à forma da nebulosa planetária, nome que se dá a esse tipo de estrutura.

A colaboração internacional revelou a existência de estrelas até então não conhecidas, culminou no artigo que foi capa na revista Nature Astronomy em dezembro de 2022 e recebeu destaque em boletins da Nasa (Agência Espacial Norte-Americana) e do Instituto de Ciência do Telescópio Espacial, instituição que gerencia o uso do telescópio.

A análise contou com a participação de cinco pesquisadores brasileiros, sendo uma professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e os demais ex-pesquisadores do instituto.

O trabalho dos brasileiros no artigo foi liderado por Isabel Aleman, graduada pelo Instituto de Física (IF) da USP, com mestrado e doutorado no IAG. Ela, que hoje é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Federal de Itajubá (Unifei), foi uma das organizadoras da colaboração comandada por Orsola De Marco, professora da Universidade Mcquarie, na Austrália.

Nebulosa do Anel do Sul,
uma das primeiras imagens
divulgadas pelo JWST
Imagem: NASA, ESA, CSA e STScI

Hektor Sthenos Alves Monteiro, que também é formado em física e doutor em astronomia pela USP, pesquisa essa mesma nebulosa desde o mestrado no IAG. Hoje ele é professor e pesquisador da Unifei. Ambos, além da professora Claudia, conversaram com a reportagem do Jornal da USP.

Essência da estrela

As imagens do novo telescópio foram essenciais para identificar os elementos químicos e deduzir a existência de estrelas ainda não visualizadas. 

“O trabalho se baseou em dez imagens que o JWST obteve em diversos comprimentos de ondas bem diferentes e que evidenciam emissões de diferentes espécies atômicas e moleculares do gás que compõem a nebulosa”, explica Isabel.

O estudo revela que, além das duas estrelas já conhecidas, a nebulosa pode ser composta por até mais três outros astros não visíveis.

O JWST captura a luz infravermelha, que atravessa nuvens de gás e de poeira. Desse modo, ele é complementar ao telescópio Hubble, sendo uma espécie de sucessor do telescópio Spitzer, lançado em 2003 e aposentado em 2020, porém com precisão superior. Além disso, o Telescópio James Webb fornece um detalhamento muito maior sobre a distribuição de energia nos diferentes comprimentos de onda, decompondo a luz como um arco-íris.

Diversas teorias e técnicas foram usadas na análise das imagens, um benefício da diversidade de pesquisadores envolvidos na colaboração. Para a análise dos dados e modelagem, foram desenvolvidos códigos computacionais específicos para o estudo.

Mapa mostra localização da
NGC 3132, no canto superior
esquerdo da constelação de Vela
Imagem: Roger Sinnott e Rick Fienberg/IAU e Sky & Telescope.

“Em geral, nós astrônomos temos que desenvolver os softwares que usamos para explicar a ciência por trás do que observamos”, complementa Isabel. “Neste trabalho, tem desde software que faz modelagem teórica até tratamento dos dados que vêm do telescópio, porque as imagens precisam ser manipuladas para extrair resultados”, esclarece Hektor.

Claudia Mendes de Oliveira, professora do IAG, forneceu os dados que obteve em 2016 com o então aluno de doutorado Bruno Quint e com o professor Philippe Amram, do Observatório de Marselha, no Southern Astrophysical Research Telescope (Soar).

Para colher essas informações, os cientistas usaram um novo módulo chamado SAM-FP (Soar Adaptive Module Fabry-Perot), construído com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). 

Esse instrumento fornece uma maior nitidez através da correção óptica adaptativa. Os dados e as imagens obtidas possibilitaram o estudo, entre outras coisas, dos movimentos e da abundância química de nebulosas planetárias como NGC 3132.

Isabel contribuiu com a interpretação das imagens que mostram a emissão de gás de hidrogênio molecular, assim como de modelos computacionais que ajudaram a entender quais átomos e moléculas eram responsáveis pela emissão vista em cada imagem. Hektor desenvolveu um modelo tridimensional para explicar a emissão observada e determinar a composição química e a verdadeira distribuição de matéria da nebulosa. “Para este modelo foram essenciais os dados na faixa espectral visível obtidos com o Soar”, destaca a professora Claudia.

O trabalho também teve contribuição da professora Denise Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Grandes detalhes

Apenas duas estrelas que compõem o sistema estelar no centro da nebulosa são visíveis nas imagens do JWST. A novidade, a existência de mais estrelas, foi revelada pela análise e pelos modelos do estudo.

Para reconstruir os eventos que levaram à morte da estrela e que deram origem à estrutura, os astrônomos investigaram os vestígios deixados na “cena do crime”. A equipe reconstituiu os fatos do passado com base no comportamento já conhecido de outros grupos de estrelas e no formato das nuvens de gás e de poeira do sistema.

Antes de morrer, a estrela principal “dançou” com as estrelas companheiras mais próximas. Teria sido nesse momento que esses astros lançaram pares de jatos opostos, cujos rastros podem ser observados nas bordas da nebulosa ionizada. As estrelas não visíveis podem estar escondidas atrás do brilho da estrela central ou podem ter se fundido a ela.

Isabel explica: “O gás da nebulosa não é esfericamente simétrico, não é distribuído uniformemente. Se fosse só uma estrela, imaginar-se-ia que tudo fosse ejetado com simetria esférica. O sistema tem um anel brilhante que é irregular. A região do gás central mais ionizado tem bicos simetricamente opostos, como se fossem produzidos por jatos. Na parte externa, há estruturas em forma de arcos e espinhos”.

A proximidade real das duas estrelas observáveis foi determinada pelo telescópio espacial Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA), lançado em 2013. As massas determinadas para essas estrelas já indicavam que a estabilidade do sistema dependia da existência de outras estrelas não identificadas.

> Mais informações com Isabel Aleman (bebel.aleman@gmail.com), Hektor Monteiro (hektor.monteiro@gmail.com), Cláudia de Oliveira (claudia.oliveira@iag.usp.br).


Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

PMs de Cristo combatem violência com oração e jejum

Violência se agrava em SP, e os PMs evangélicos oram Houve um recrudescimento da violência na Grande São Paulo. Os homicídios cresceram e em menos de 24 horas, de anteontem para ontem, ocorreram pelo menos 20 assassinatos (incluindo o de policiais), o triplo da média diária de seis mortes por violência. Um grupo de PMs acredita que pode ajudar a combater a violência pedindo a intercessão divina. A Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, que é mais conhecida como PMs de Cristo, iniciou no dia 25 de outubro uma campanha de “52 dias de oração e jejum pela polícia e pela paz na cidade”, conforme diz o site da entidade. “Essa é a nossa nobre e divina missão. Vamos avante!” Um representante do comando da corporação participou do lançamento da campanha. Com o objetivo de dar assistência espiritual aos policiais, a associação PMs de Cristo foi fundada em 1992 sob a inspiração de Neemias, o personagem bíblico que teria sido o responsável por uma mobili...

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê...

Papa tem prima na Austrália que é Testemunha de Jeová

Bento 16  fez uma visita  a sua parente Em sua visita à Austrália, o papa Bento 16 visitou uma prima de segundo grau. O nome dela é Steffie Brzako Kopp, tem 81 anos, mesma idade do papa, e é também alemã. Steffie é Testemunha de Jeová. Ela mora em Cooma, comunidade de 8 mil pessoas. Sua mãe foi prima da mãe de Joseph Ratzinger, hoje o papa. Ela não via o primo desde 1979, época que Ratzinger era arcebispo de Munique, informa o jornal Canberra Times. Ao visitar a prima, Bento 16 elogiou as atividades missionárias dos Testemunhos de Jeová. E acrescentou: “Vocês estão fazendo o que deveríamos fazer. Têm salas pequenas, mas cheias; nós temos as catedrais e as igrejas, muitas vezes vazias”. A afirmação do papa confirma que ele não está preocupado com a perda de fiéis nos últimos anos, graças, por exemplo, a atitudes retrógadas da Igreja Católica de ser contra o uso da camisinha nesta época de AIDS. O bispo Edir Macedo, oportunista do jeito que é, talvez se inte...

Cardeal africano cotado para ser papa associa gay à pedofilia

O conservador Peter Turkson é forte  candidato a substituir o papa Bento 16 O cardeal Peter Turkson (foto), de Gana, disse à rede CNN que há menos casos de pedofilia na África em relação a outros continentes porque muitos povos africanos não aceitam o relacionamento sexual entre pessoas do mesmo sexo. Nas bolsas de apostas, Turkson é um dos mais cotados para ser o novo papa. Ele afirmou que a África existem “sistemas culturais tradicionais que protegem sua população dessa tendência [pedofilia]”. Isto porque, explicou, em muitas comunidades “as relações de pessoas do mesmo sexo não são toleradas". Barbara Blaine, presidente da Snap., uma ong de assistência às vítimas de pedofilia, disse que o comentário “horrível” de Turkson o desqualifica para substituir Bento 16. "As declarações do cardeal são inaceitáveis”, disse Blaine à Folha de S.Paulo. “Se ele for eleito o novo papa, a igreja vai jogar sal nas feridas das vítimas e mandar um sinal claro de que os padres crimi...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Livro conta em 300 páginas histórias de papas das quais poucos sabem

Chico Buarque: 'Sou ateu, faz parte do meu tipo sanguíneo'

O compositor e cantor Chico Buarque  disse em várias ocasiões ser ateu. Em 2005, por exemplo, ao jornal espanhol La Vanguardia , fez um resumo de sua biografia.

Nada na civilização faz sentido, exceto à luz da evolução de Darwin