Cientistas do Brasil fizeram parte da equipe internacional que analisou as primeiras imagens do James Webb
IVAN CONTERNO | Jornal da USP
jornalista
Há alguns milhares de anos, uma estrela que estava morrendo deu origem à Nebulosa do Anel do Sul (NGC 3132), na constelação de Vela. Enquanto agonizava, ela soprou suas camadas exteriores para o espaço. Isso gerou uma nuvem, que agora é iluminada pelas luzes do que restou da própria estrela.
Hektor Sthenos Alves Monteiro, que também é formado em física e doutor em astronomia pela USP, pesquisa essa mesma nebulosa desde o mestrado no IAG. Hoje ele é professor e pesquisador da Unifei. Ambos, além da professora Claudia, conversaram com a reportagem do Jornal da USP.
“Em geral, nós astrônomos temos que desenvolver os softwares que usamos para explicar a ciência por trás do que observamos”, complementa Isabel. “Neste trabalho, tem desde software que faz modelagem teórica até tratamento dos dados que vêm do telescópio, porque as imagens precisam ser manipuladas para extrair resultados”, esclarece Hektor.
Claudia Mendes de Oliveira, professora do IAG, forneceu os dados que obteve em 2016 com o então aluno de doutorado Bruno Quint e com o professor Philippe Amram, do Observatório de Marselha, no Southern Astrophysical Research Telescope (Soar).
Para colher essas informações, os cientistas usaram um novo módulo chamado SAM-FP (Soar Adaptive Module Fabry-Perot), construído com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Para reconstruir os eventos que levaram à morte da estrela e que deram origem à estrutura, os astrônomos investigaram os vestígios deixados na “cena do crime”. A equipe reconstituiu os fatos do passado com base no comportamento já conhecido de outros grupos de estrelas e no formato das nuvens de gás e de poeira do sistema.
Antes de morrer, a estrela principal “dançou” com as estrelas companheiras mais próximas. Teria sido nesse momento que esses astros lançaram pares de jatos opostos, cujos rastros podem ser observados nas bordas da nebulosa ionizada. As estrelas não visíveis podem estar escondidas atrás do brilho da estrela central ou podem ter se fundido a ela.
Isabel explica: “O gás da nebulosa não é esfericamente simétrico, não é distribuído uniformemente. Se fosse só uma estrela, imaginar-se-ia que tudo fosse ejetado com simetria esférica. O sistema tem um anel brilhante que é irregular. A região do gás central mais ionizado tem bicos simetricamente opostos, como se fossem produzidos por jatos. Na parte externa, há estruturas em forma de arcos e espinhos”.
A proximidade real das duas estrelas observáveis foi determinada pelo telescópio espacial Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA), lançado em 2013. As massas determinadas para essas estrelas já indicavam que a estabilidade do sistema dependia da existência de outras estrelas não identificadas.
> Mais informações com Isabel Aleman (bebel.aleman@gmail.com), Hektor Monteiro (hektor.monteiro@gmail.com), Cláudia de Oliveira (claudia.oliveira@iag.usp.br).
IVAN CONTERNO | Jornal da USP
jornalista
Há alguns milhares de anos, uma estrela que estava morrendo deu origem à Nebulosa do Anel do Sul (NGC 3132), na constelação de Vela. Enquanto agonizava, ela soprou suas camadas exteriores para o espaço. Isso gerou uma nuvem, que agora é iluminada pelas luzes do que restou da própria estrela.
O mistério por trás da “cena do crime” pôde ser melhor investigado através de algumas das primeiras imagens obtidas pelo Telescópio Espacial James Webb (JWST), lançado em dezembro de 2021. As lentes do satélite tiveram como alvo a NGC 3132, cujas imagens foram analisadas recentemente por 69 pesquisadores ao redor do mundo.
As fotos do espaço, reveladas em julho de 2022, permitem inferir o que deu origem à forma da nebulosa planetária, nome que se dá a esse tipo de estrutura.
A colaboração internacional revelou a existência de estrelas até então não conhecidas, culminou no artigo que foi capa na revista Nature Astronomy em dezembro de 2022 e recebeu destaque em boletins da Nasa (Agência Espacial Norte-Americana) e do Instituto de Ciência do Telescópio Espacial, instituição que gerencia o uso do telescópio.
A análise contou com a participação de cinco pesquisadores brasileiros, sendo uma professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e os demais ex-pesquisadores do instituto.
O trabalho dos brasileiros no artigo foi liderado por Isabel Aleman, graduada pelo Instituto de Física (IF) da USP, com mestrado e doutorado no IAG. Ela, que hoje é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Federal de Itajubá (Unifei), foi uma das organizadoras da colaboração comandada por Orsola De Marco, professora da Universidade Mcquarie, na Austrália.
A colaboração internacional revelou a existência de estrelas até então não conhecidas, culminou no artigo que foi capa na revista Nature Astronomy em dezembro de 2022 e recebeu destaque em boletins da Nasa (Agência Espacial Norte-Americana) e do Instituto de Ciência do Telescópio Espacial, instituição que gerencia o uso do telescópio.
A análise contou com a participação de cinco pesquisadores brasileiros, sendo uma professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e os demais ex-pesquisadores do instituto.
O trabalho dos brasileiros no artigo foi liderado por Isabel Aleman, graduada pelo Instituto de Física (IF) da USP, com mestrado e doutorado no IAG. Ela, que hoje é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Federal de Itajubá (Unifei), foi uma das organizadoras da colaboração comandada por Orsola De Marco, professora da Universidade Mcquarie, na Austrália.
Nebulosa do Anel do Sul, uma das primeiras imagens divulgadas pelo JWST Imagem: NASA, ESA, CSA e STScI |
Hektor Sthenos Alves Monteiro, que também é formado em física e doutor em astronomia pela USP, pesquisa essa mesma nebulosa desde o mestrado no IAG. Hoje ele é professor e pesquisador da Unifei. Ambos, além da professora Claudia, conversaram com a reportagem do Jornal da USP.
Essência da estrela
As imagens do novo telescópio foram essenciais para identificar os elementos químicos e deduzir a existência de estrelas ainda não visualizadas.
“O trabalho se baseou em dez imagens que o JWST obteve em diversos comprimentos de ondas bem diferentes e que evidenciam emissões de diferentes espécies atômicas e moleculares do gás que compõem a nebulosa”, explica Isabel.
O estudo revela que, além das duas estrelas já conhecidas, a nebulosa pode ser composta por até mais três outros astros não visíveis.
O JWST captura a luz infravermelha, que atravessa nuvens de gás e de poeira. Desse modo, ele é complementar ao telescópio Hubble, sendo uma espécie de sucessor do telescópio Spitzer, lançado em 2003 e aposentado em 2020, porém com precisão superior. Além disso, o Telescópio James Webb fornece um detalhamento muito maior sobre a distribuição de energia nos diferentes comprimentos de onda, decompondo a luz como um arco-íris.
Diversas teorias e técnicas foram usadas na análise das imagens, um benefício da diversidade de pesquisadores envolvidos na colaboração. Para a análise dos dados e modelagem, foram desenvolvidos códigos computacionais específicos para o estudo.
O JWST captura a luz infravermelha, que atravessa nuvens de gás e de poeira. Desse modo, ele é complementar ao telescópio Hubble, sendo uma espécie de sucessor do telescópio Spitzer, lançado em 2003 e aposentado em 2020, porém com precisão superior. Além disso, o Telescópio James Webb fornece um detalhamento muito maior sobre a distribuição de energia nos diferentes comprimentos de onda, decompondo a luz como um arco-íris.
Diversas teorias e técnicas foram usadas na análise das imagens, um benefício da diversidade de pesquisadores envolvidos na colaboração. Para a análise dos dados e modelagem, foram desenvolvidos códigos computacionais específicos para o estudo.
Mapa mostra localização da NGC 3132, no canto superior esquerdo da constelação de Vela Imagem: Roger Sinnott e Rick Fienberg/IAU e Sky & Telescope. |
“Em geral, nós astrônomos temos que desenvolver os softwares que usamos para explicar a ciência por trás do que observamos”, complementa Isabel. “Neste trabalho, tem desde software que faz modelagem teórica até tratamento dos dados que vêm do telescópio, porque as imagens precisam ser manipuladas para extrair resultados”, esclarece Hektor.
Claudia Mendes de Oliveira, professora do IAG, forneceu os dados que obteve em 2016 com o então aluno de doutorado Bruno Quint e com o professor Philippe Amram, do Observatório de Marselha, no Southern Astrophysical Research Telescope (Soar).
Para colher essas informações, os cientistas usaram um novo módulo chamado SAM-FP (Soar Adaptive Module Fabry-Perot), construído com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Esse instrumento fornece uma maior nitidez através da correção óptica adaptativa. Os dados e as imagens obtidas possibilitaram o estudo, entre outras coisas, dos movimentos e da abundância química de nebulosas planetárias como NGC 3132.
Isabel contribuiu com a interpretação das imagens que mostram a emissão de gás de hidrogênio molecular, assim como de modelos computacionais que ajudaram a entender quais átomos e moléculas eram responsáveis pela emissão vista em cada imagem. Hektor desenvolveu um modelo tridimensional para explicar a emissão observada e determinar a composição química e a verdadeira distribuição de matéria da nebulosa. “Para este modelo foram essenciais os dados na faixa espectral visível obtidos com o Soar”, destaca a professora Claudia.
O trabalho também teve contribuição da professora Denise Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Isabel contribuiu com a interpretação das imagens que mostram a emissão de gás de hidrogênio molecular, assim como de modelos computacionais que ajudaram a entender quais átomos e moléculas eram responsáveis pela emissão vista em cada imagem. Hektor desenvolveu um modelo tridimensional para explicar a emissão observada e determinar a composição química e a verdadeira distribuição de matéria da nebulosa. “Para este modelo foram essenciais os dados na faixa espectral visível obtidos com o Soar”, destaca a professora Claudia.
O trabalho também teve contribuição da professora Denise Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Grandes detalhes
Apenas duas estrelas que compõem o sistema estelar no centro da nebulosa são visíveis nas imagens do JWST. A novidade, a existência de mais estrelas, foi revelada pela análise e pelos modelos do estudo.
Para reconstruir os eventos que levaram à morte da estrela e que deram origem à estrutura, os astrônomos investigaram os vestígios deixados na “cena do crime”. A equipe reconstituiu os fatos do passado com base no comportamento já conhecido de outros grupos de estrelas e no formato das nuvens de gás e de poeira do sistema.
Antes de morrer, a estrela principal “dançou” com as estrelas companheiras mais próximas. Teria sido nesse momento que esses astros lançaram pares de jatos opostos, cujos rastros podem ser observados nas bordas da nebulosa ionizada. As estrelas não visíveis podem estar escondidas atrás do brilho da estrela central ou podem ter se fundido a ela.
Isabel explica: “O gás da nebulosa não é esfericamente simétrico, não é distribuído uniformemente. Se fosse só uma estrela, imaginar-se-ia que tudo fosse ejetado com simetria esférica. O sistema tem um anel brilhante que é irregular. A região do gás central mais ionizado tem bicos simetricamente opostos, como se fossem produzidos por jatos. Na parte externa, há estruturas em forma de arcos e espinhos”.
A proximidade real das duas estrelas observáveis foi determinada pelo telescópio espacial Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA), lançado em 2013. As massas determinadas para essas estrelas já indicavam que a estabilidade do sistema dependia da existência de outras estrelas não identificadas.
> Mais informações com Isabel Aleman (bebel.aleman@gmail.com), Hektor Monteiro (hektor.monteiro@gmail.com), Cláudia de Oliveira (claudia.oliveira@iag.usp.br).
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