A terapia foi criada pelo controverdido alemão Bert Hellinger, um ex-padre cuja teoria normaliza o incesto
GUILHERME DE OLIVEIRA ZANCHET
Os "traumas familiares", nesse sentido, estão associados à própria rede familiar em que estamos inseridos, repercutindo impressões e implicações em todos que a integram, mesmo que inconscientemente.
As dinâmicas podem ser realizadas de diversas maneiras, sendo usuais as que ocorrem em grupo, com a representação de cenas em que o "constelado" é sintonizado com seu campo familiar a partir de interpretações de participantes que representam seus familiares ou outros elementos relevantes para a situação.
Nos últimos anos, a abordagem da constelação familiar tem sido alvo de escrutínio principalmente nos países de língua alemã onde surgiu, mas também no Brasil, onde tem sido questionada e desautorizada por órgãos de classe da área da saúde (como se verá logo mais).
Os críticos questionam várias ideias de Hellinger, a começar pelas suas bases teóricas, que se assentam em restos de pseudociência, misturados com "misticismo quântico", assim como em supostas crenças sem embasamento adequado sobre a própria estrutura do sistema familiar.
O óbvio muitas vezes precisa ser dito: uma terapia, para ser disponibilizada e aplicada no SUS, no Judiciário, ou em qualquer meio público no Brasil deve ser suficientemente respaldada em pesquisa científica. Políticas públicas não podem ser feitas de outra forma.
Qualquer Estado com o mínimo de "moralidade" (pública) deve ser capaz de filtrar terapias "da moda" ou outras invenções que venham à tona — se eventualmente elas "passarem no teste" das evidências científicas, que sejam adotadas no sistema pública; caso contrário, não.
Tratando-se do Direito, nunca se pode deixar de ressaltar que números, por si sós, podem ser enganadores. Não adianta mostrar que a constelação familiar tem resultado em x acordos todo mês no tribunal y. Existe a qualidade na prestação jurisdicional que dificilmente é captada pela quantidade que é baixada dia após dia.
GUILHERME DE OLIVEIRA ZANCHET
FRANCISCO KLIEMANN A CAMPIS
especialistas em direito público
Os fins justificam os meios? Trata-se de uma velha — mas sempre presente — questão. Neste começo de ano, é fundamental relembrar que as concepções que temos sobre o Direito (enquanto ciência, área do conhecimento humano) não são apenas importantes, mas determinantes na sua própria compreensão. As lições que podemos tirar sobre o emprego da "constelação familiar" não se limitam a essa prática, revelando também profundas verdades sobre o modo como o direito é compreendido no Brasil.
Os fins justificam os meios? Trata-se de uma velha — mas sempre presente — questão. Neste começo de ano, é fundamental relembrar que as concepções que temos sobre o Direito (enquanto ciência, área do conhecimento humano) não são apenas importantes, mas determinantes na sua própria compreensão. As lições que podemos tirar sobre o emprego da "constelação familiar" não se limitam a essa prática, revelando também profundas verdades sobre o modo como o direito é compreendido no Brasil.
1 — O que é a constelação familiar?
Para o polêmico criador da "Teoria das Constelações Familiares", Bert Hellinger, temos conexões inconscientes com os destinos de nossos antepassados que precisam ser reveladas para a superação de nossos problemas. As sessões de terapia, grosso modo, visam (r)estabelecer a harmonia desse emaranhando de conexões, baseadas em "campos de energia" que conectam passado e presente.Os "traumas familiares", nesse sentido, estão associados à própria rede familiar em que estamos inseridos, repercutindo impressões e implicações em todos que a integram, mesmo que inconscientemente.
As dinâmicas podem ser realizadas de diversas maneiras, sendo usuais as que ocorrem em grupo, com a representação de cenas em que o "constelado" é sintonizado com seu campo familiar a partir de interpretações de participantes que representam seus familiares ou outros elementos relevantes para a situação.
Nos últimos anos, a abordagem da constelação familiar tem sido alvo de escrutínio principalmente nos países de língua alemã onde surgiu, mas também no Brasil, onde tem sido questionada e desautorizada por órgãos de classe da área da saúde (como se verá logo mais).
Os críticos questionam várias ideias de Hellinger, a começar pelas suas bases teóricas, que se assentam em restos de pseudociência, misturados com "misticismo quântico", assim como em supostas crenças sem embasamento adequado sobre a própria estrutura do sistema familiar.
A título de exemplo, Hellinger chega a vincular a homossexualidade em um menino à necessidade de suprir os sentimentos de uma irmã falecida em uma família que não conte com outra figura feminina para tanto.
Em outro momento, ele afirma que o incesto e o estupro criam um "vínculo" ("apesar de tudo"), que não pode ser simplesmente rompido pela "luta", exigindo, na verdade, o reconhecimento de respeito ao perpetrador para restabelecimento do equilíbrio familiar.
O pai das "constelações familiares", aliás, redigiu uma espécie de "ode a Hitler" em sua última obra (de 2004), reforçando uma pecha que já pairava sobre si de antissemita e mostrando uma abjeta distorção no nosso valor enquanto seres humanos.
Supostamente, a pseudociência auxiliaria na "humanização" de práticas conciliatórias no âmbito forense, pessoalizando mais o ato judicial a partir das representações realizadas durante as sessões.
O juiz de Direito Sami Storch, discípulo de Hellinger, é o precursor do uso da pseudociência no âmbito judicial, tendo inclusive publicado texto aqui na ConJur sobre o tema.
Em março de 2022, o assunto foi debatido no Senado, motivado por requerimento do "campo quântico" que se manifestava na prática, "no qual a telepatia atua como resultado da interconexão entre os níveis energéticos das mentes humanas".
Em outro momento, ele afirma que o incesto e o estupro criam um "vínculo" ("apesar de tudo"), que não pode ser simplesmente rompido pela "luta", exigindo, na verdade, o reconhecimento de respeito ao perpetrador para restabelecimento do equilíbrio familiar.
O pai das "constelações familiares", aliás, redigiu uma espécie de "ode a Hitler" em sua última obra (de 2004), reforçando uma pecha que já pairava sobre si de antissemita e mostrando uma abjeta distorção no nosso valor enquanto seres humanos.
2 - O que o Direito tem a ver com isso?
Trazer à tona esse "método terapêutico" não é mera curiosidade. Em abril de 2018, O CNJ noticiou que a constelação familiar era adotada na Justiça em 16 estados e no Distrito Federal, alinhada à promoção de práticas que proporcionam tratamento adequado dos conflitos preconizada pela Resolução CNJ nº 125/2010.Supostamente, a pseudociência auxiliaria na "humanização" de práticas conciliatórias no âmbito forense, pessoalizando mais o ato judicial a partir das representações realizadas durante as sessões.
O juiz de Direito Sami Storch, discípulo de Hellinger, é o precursor do uso da pseudociência no âmbito judicial, tendo inclusive publicado texto aqui na ConJur sobre o tema.
Em março de 2022, o assunto foi debatido no Senado, motivado por requerimento do "campo quântico" que se manifestava na prática, "no qual a telepatia atua como resultado da interconexão entre os níveis energéticos das mentes humanas".
Antes disso, a constelação familiar já havia sido incluída como prática integrativa e complementar (PICS) no Sistema Único de Saúde (SUS), por força da Portaria nº 702/2018, com base na hipotética "existência de um inconsciente familiar — além do inconsciente individual e do inconsciente coletivo — atuando em cada membro de uma família".
Ademais, uma rápida pesquisa no Google acadêmico mostra diversos artigos de baixa densidade teórica defendendo o uso da constelação familiar no Direito. Um dos argumentos mais empregados é o suposto incremento no número de acordos proporcionadas pelo método, sem avaliar a conformidade com a legislação ou qualidade desses ajustes.
Tudo isso deveria causar certo espanto. O Conselho Federal de Psicologia se manifestou expressamente contra o Projeto de Lei nº 4887/2020 (Câmara dos Deputados), que visa regulamentar a profissão de "constelador familiar sistêmico ou terapeuta sistêmico".
Aliás, para o Conselho Regional de Psicologia do Paraná, os princípios das constelações familiares fomentariam a "naturalização de lugares fixos dos membros de uma família, a partir de rígida hierarquia", em desconformidade com achados mais recentes que demonstram a complexidade dos fenômenos psíquicos. Publicação do Conselho Federal de Medicina destacou exatamente a inexistência de resultados e eficácia comprovados cientificamente .
Ademais, uma rápida pesquisa no Google acadêmico mostra diversos artigos de baixa densidade teórica defendendo o uso da constelação familiar no Direito. Um dos argumentos mais empregados é o suposto incremento no número de acordos proporcionadas pelo método, sem avaliar a conformidade com a legislação ou qualidade desses ajustes.
3 - Encerrar processos a todo custo?
É sintomático que um método fundado em supostos "campos de energia" e "conexões inconscientes" possa estar sendo aplicado sem tantos questionamentos no Judiciário brasileiro. No locus das discussões mais íntimas, mais divisivas, que podem significar a ruína ou a fortuna dos envolvidos, a constelação familiar é tratada como um procedimento terapêutico como qualquer outro, como se fosse validado e respaldado cientificamente.Tudo isso deveria causar certo espanto. O Conselho Federal de Psicologia se manifestou expressamente contra o Projeto de Lei nº 4887/2020 (Câmara dos Deputados), que visa regulamentar a profissão de "constelador familiar sistêmico ou terapeuta sistêmico".
Aliás, para o Conselho Regional de Psicologia do Paraná, os princípios das constelações familiares fomentariam a "naturalização de lugares fixos dos membros de uma família, a partir de rígida hierarquia", em desconformidade com achados mais recentes que demonstram a complexidade dos fenômenos psíquicos. Publicação do Conselho Federal de Medicina destacou exatamente a inexistência de resultados e eficácia comprovados cientificamente .
O óbvio muitas vezes precisa ser dito: uma terapia, para ser disponibilizada e aplicada no SUS, no Judiciário, ou em qualquer meio público no Brasil deve ser suficientemente respaldada em pesquisa científica. Políticas públicas não podem ser feitas de outra forma.
Qualquer Estado com o mínimo de "moralidade" (pública) deve ser capaz de filtrar terapias "da moda" ou outras invenções que venham à tona — se eventualmente elas "passarem no teste" das evidências científicas, que sejam adotadas no sistema pública; caso contrário, não.
Tratando-se do Direito, nunca se pode deixar de ressaltar que números, por si sós, podem ser enganadores. Não adianta mostrar que a constelação familiar tem resultado em x acordos todo mês no tribunal y. Existe a qualidade na prestação jurisdicional que dificilmente é captada pela quantidade que é baixada dia após dia.
• Governo gastou com pseudociência R$ 17,2 bilhões só em 2018
A Crença na Onipotência do Julgador também dá as caras quando aceitamos que um acordo judicial pode ser alcançado de qualquer forma. A constelação familiar se torna instrumento de aplicação da lei quando incorporada no sistema judiciário — daí por que precisamos exigir evidências científicas nas decisões judiciais.[10]
Veja-se como isso é relevante: durante os debates no Senado em torno da constelação familiar, foram relatadas situações em que o método poderia até mesmo gerar "revitimização", principalmente em casos com mulheres que haviam sido vítimas de agressão no meio familiar. Assim, abusos psicológicos e físicos seriam reavivados, submetendo a mulher a situações de humilhação. Há até mesmo notícia de órgãos judiciais que agem de forma a forçar a realização do acordo [11].
Isso não é tudo. Em certos momentos — embora sempre ele o faça com ressalvas — Hellinger apresenta tons homofóbicos e sexistas em seus textos. Para ele, a "[h]omossexualidade significa que uma pessoa não está em sintonia com sua identidade sexual"[12], podendo ela ser muitas vezes derivada de problemas nesse inconsciente suposto.
A Crença na Onipotência do Julgador também dá as caras quando aceitamos que um acordo judicial pode ser alcançado de qualquer forma. A constelação familiar se torna instrumento de aplicação da lei quando incorporada no sistema judiciário — daí por que precisamos exigir evidências científicas nas decisões judiciais.[10]
Veja-se como isso é relevante: durante os debates no Senado em torno da constelação familiar, foram relatadas situações em que o método poderia até mesmo gerar "revitimização", principalmente em casos com mulheres que haviam sido vítimas de agressão no meio familiar. Assim, abusos psicológicos e físicos seriam reavivados, submetendo a mulher a situações de humilhação. Há até mesmo notícia de órgãos judiciais que agem de forma a forçar a realização do acordo [11].
Isso não é tudo. Em certos momentos — embora sempre ele o faça com ressalvas — Hellinger apresenta tons homofóbicos e sexistas em seus textos. Para ele, a "[h]omossexualidade significa que uma pessoa não está em sintonia com sua identidade sexual"[12], podendo ela ser muitas vezes derivada de problemas nesse inconsciente suposto.
Em outro excerto, Hellinger indica que "[o] amor é geralmente bem servido quando uma mulher segue o marido na língua, na família e na cultura, e quando concorda que os filhos devem segui-lo também." Questões como essas integram a visão terapêutica por ele projetada e, de uma forma ou de outra, orientam a técnica.
Se a interpretação jurídica requer um treinamento e um estudo específicos, a psicologia também. Juristas não são psicólogos. Isso significa que não pode ficar à livre disposição dos juízes a escolha pelos métodos terapêuticos que julgarem convenientes — ainda mais quando eles próprios passam a ser habilitados a conduzir, como no caso da constelação familiar.
Se a interpretação jurídica requer um treinamento e um estudo específicos, a psicologia também. Juristas não são psicólogos. Isso significa que não pode ficar à livre disposição dos juízes a escolha pelos métodos terapêuticos que julgarem convenientes — ainda mais quando eles próprios passam a ser habilitados a conduzir, como no caso da constelação familiar.
4 - Levando o Direito a sério como ciência
Que Direito queremos enquanto sociedade? No limite, o debate sobre a legitimação da constelação familiar como política pública — seja no SUS, seja em mediações judiciais — passa pelo sentido que atribuímos ao Direito enquanto área do conhecimento humano.
Lenio Streck já demonstrou há muito que uma das principais chaves para compreensão do fenômeno jurídico é sua autonomia: o Direito só pode ser Direito na medida em que o visualizamos como um produto da política, da economia, da moral (para ficar apenas nessas) [14]. O Direito não é a política, ou a economia, ou a moral, mas um produto que é, em certo sentido, autônomo. Daí por que é possível sustentar, a partir disso, uma espécie de "blindagem" do discurso jurídico contra argumentos propriamente de política, economia ou moral — quanto mais de pseudociência.
O juiz não pode dizer que uma lei diz x simplesmente porque essa é "sua opinião política". Da mesma forma o juiz não pode utilizar um método terapêutico pseudocientífico, baseado em vagas noções "quânticas" (aliás, o misticismo quântico está na moda), em sessões de mediação. O discurso jurídico exige compromissos institucionais. Assim como o juiz não deve apenas escolher uma interpretação legal, mas esforçar-se em buscar aquela que melhor considere o Direito como um todo (o Direito na sua melhor luz), também o juiz não pode ser livre para se valer de métodos questionáveis em audiência.
De fato, o caminho proporcionado pela constelação familiar pode ser muitas vezes mais fácil. Todavia, ainda que se admitisse — e não há evidências robustas disso — que a técnica proporciona alto índice de acordos, ainda assim não seria correto o seu emprego. O Direito, acima de tudo, não pode ser entendido como uma questão de consequência, mas como questão de princípio. "Pacificar conflitos sociais" não equivale a pôr fim aos processos judiciais. O meio adequado importa.
Relembrar traumas, com possibilidade de revitimização, é situação necessária na terapia? Os "campos energéticos familiares" existem? Quais são as implicações da constelação familiar em longo prazo? Ela é realmente benéfica, maléfica ou não faz nenhuma diferença? O Direito não pode responder a essas perguntas, isso é papel da ciência que investiga esses fenômenos (psicologia, medicina), a qual vem, inclusive, deslegitimando a prática. O perigo reside na ideia de que os juristas possam passar por cima dos elevados padrões do método científico nas suas lidas forenses.
Esse tipo de constrangimento epistemológico [15] é essencial em uma época tão marcada pela relativização da verdade. Se não for pela dificuldade de se aceitarem argumentos pouco fundamentados de mecânica quântica, devemos duvidar ao menos da possibilidade de juízes, promotores e advogados lidarem com questões que não são de sua área de formação.
Ainda, em um aspecto que não pode deixar de ser minimamente abordado, chega a ser embaraçoso ver a fenomenologia heideggeriana associada à constelação familiar. Com efeito, Hellinger frequentemente se refere ao des-velamento tão caro aos hermeneutas.
Lenio Streck já demonstrou há muito que uma das principais chaves para compreensão do fenômeno jurídico é sua autonomia: o Direito só pode ser Direito na medida em que o visualizamos como um produto da política, da economia, da moral (para ficar apenas nessas) [14]. O Direito não é a política, ou a economia, ou a moral, mas um produto que é, em certo sentido, autônomo. Daí por que é possível sustentar, a partir disso, uma espécie de "blindagem" do discurso jurídico contra argumentos propriamente de política, economia ou moral — quanto mais de pseudociência.
O juiz não pode dizer que uma lei diz x simplesmente porque essa é "sua opinião política". Da mesma forma o juiz não pode utilizar um método terapêutico pseudocientífico, baseado em vagas noções "quânticas" (aliás, o misticismo quântico está na moda), em sessões de mediação. O discurso jurídico exige compromissos institucionais. Assim como o juiz não deve apenas escolher uma interpretação legal, mas esforçar-se em buscar aquela que melhor considere o Direito como um todo (o Direito na sua melhor luz), também o juiz não pode ser livre para se valer de métodos questionáveis em audiência.
De fato, o caminho proporcionado pela constelação familiar pode ser muitas vezes mais fácil. Todavia, ainda que se admitisse — e não há evidências robustas disso — que a técnica proporciona alto índice de acordos, ainda assim não seria correto o seu emprego. O Direito, acima de tudo, não pode ser entendido como uma questão de consequência, mas como questão de princípio. "Pacificar conflitos sociais" não equivale a pôr fim aos processos judiciais. O meio adequado importa.
Relembrar traumas, com possibilidade de revitimização, é situação necessária na terapia? Os "campos energéticos familiares" existem? Quais são as implicações da constelação familiar em longo prazo? Ela é realmente benéfica, maléfica ou não faz nenhuma diferença? O Direito não pode responder a essas perguntas, isso é papel da ciência que investiga esses fenômenos (psicologia, medicina), a qual vem, inclusive, deslegitimando a prática. O perigo reside na ideia de que os juristas possam passar por cima dos elevados padrões do método científico nas suas lidas forenses.
Esse tipo de constrangimento epistemológico [15] é essencial em uma época tão marcada pela relativização da verdade. Se não for pela dificuldade de se aceitarem argumentos pouco fundamentados de mecânica quântica, devemos duvidar ao menos da possibilidade de juízes, promotores e advogados lidarem com questões que não são de sua área de formação.
Ainda, em um aspecto que não pode deixar de ser minimamente abordado, chega a ser embaraçoso ver a fenomenologia heideggeriana associada à constelação familiar. Com efeito, Hellinger frequentemente se refere ao des-velamento tão caro aos hermeneutas.
O problema é que dificilmente um hermeneuta compraria ideias arrojadas de mecânica quântica sem o mínimo de investigação científica séria. Ir "às coisas mesmas" não significa "aceitar que meus sentimentos e impressões pessoais representam fielmente a verdade" — que é o que largamente move as pseudociências. Isso é o contrário do que pregam os hermeneutas, notórios defensores da necessidade de abertura à reavaliação de nossos preconceitos e pré-juízos.
Toda vez que trazemos pseudociência para dentro do Direito, ela passa a integrar o "modo de vida", uma forma de manifestação do fenômeno. Aceitar que no Direito possa existir algo sem comprovação científica é, no limite, aceitar que o Direito é compatível com práticas não-científicas.
Crer ou não crer nessas propostas "quânticas" e "energéticas" cabe a cada um, em sua individualidade. O problema é levar isso para dentro do Direito, empreendimento coletivo por excelência no qual decisões sobre métodos e técnicas devem ser tomadas de forma criteriosa. Posso ser cristão ou ateu, judeu ou agnóstico, mas não posso levar para a linguagem pública que constitui o Direito a Eucaristia ou a exigência da circuncisão.
Todo cuidado é pouco. Com o andar da carruagem, logo, logo teremos um robô-juiz disponível para conciliação judicial por meio da constelação familiar. É viver para ver.
Toda vez que trazemos pseudociência para dentro do Direito, ela passa a integrar o "modo de vida", uma forma de manifestação do fenômeno. Aceitar que no Direito possa existir algo sem comprovação científica é, no limite, aceitar que o Direito é compatível com práticas não-científicas.
Crer ou não crer nessas propostas "quânticas" e "energéticas" cabe a cada um, em sua individualidade. O problema é levar isso para dentro do Direito, empreendimento coletivo por excelência no qual decisões sobre métodos e técnicas devem ser tomadas de forma criteriosa. Posso ser cristão ou ateu, judeu ou agnóstico, mas não posso levar para a linguagem pública que constitui o Direito a Eucaristia ou a exigência da circuncisão.
Todo cuidado é pouco. Com o andar da carruagem, logo, logo teremos um robô-juiz disponível para conciliação judicial por meio da constelação familiar. É viver para ver.
> Esse artigo foi publicado originalmente no Consultor Jurídico
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