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Na escala atômica e subatômica, os objetos exibem comportamentos que desafiam a visão de mundo clássica, baseada nas interações cotidianas com a realidade macroscópica. Um exemplo bastante conhecido, entre vários, é o fato de o elétron poder se comportar tanto como uma partícula quanto como uma onda, dependendo do contexto experimental em que é observado.
Essa linha de investigação teórica foi levada adiante, e com grau ainda maior de abstração e generalização, em um estudo do físico brasileiro Roberto Baldijão.
Na escala atômica e subatômica, os objetos exibem comportamentos que desafiam a visão de mundo clássica, baseada nas interações cotidianas com a realidade macroscópica. Um exemplo bastante conhecido, entre vários, é o fato de o elétron poder se comportar tanto como uma partícula quanto como uma onda, dependendo do contexto experimental em que é observado.
Para explicar esses dados, que pareciam colocar em xeque a física herdada dos séculos anteriores, modelos autoconsistentes, mas que carregam interpretações contraditórias, foram propostos por cientistas da estatura de Louis de Broglie (1892-1987), Niels Bohr (1885-1962), Erwin Schrödinger (1887-1961), David Bohm (1917-1992) e outros.
Porém, os grandes debates que acompanharam a formulação da teoria quântica, protagonizados principalmente por Einstein e Bohr, não levaram a resultados conclusivos. E a maioria dos físicos das gerações posteriores passou a utilizar equações muitas vezes decorrentes de arcabouços teóricos conflitantes sem se preocupar muito com os conceitos filosóficos subjacentes. As equações “funcionavam” e isso pareceu suficiente. Vários artefatos tecnológicos hoje triviais foram produzidos a partir de aplicações práticas da teoria quântica.
Mas é da natureza humana questionar. E um questionamento importante que se apresentou posteriormente foi o porquê de os comportamentos estranhos e contraintuitivos dos experimentos quânticos não se manifestarem no mundo macroscópico. Para responder a essa pergunta, ou contorná-la, o físico polonês Wojciech Zurek (nascido em 1951) desenvolveu o conceito de “darwinismo quântico”.
Grosso modo, essa hipótese afirma que a interação de um sistema físico com o seu ambiente seleciona certos comportamentos e descarta outros. E que os comportamentos triados por esse tipo de “seleção natural” são exatamente aqueles que correspondem à descrição clássica.
Assim, por exemplo, quando alguém lê este texto, seus olhos recebem fótons que interagiram com a tela de seu computador ou smartphone. Outra pessoa, de outra perspectiva, receberá outros fótons. Mas, apesar de as partículas da tela terem seus próprios comportamentos estranhos, que poderiam levar a imagens completamente diferentes uma da outra, a interação com o meio seleciona apenas um tipo de comportamento e descarta os demais, de modo que as duas leituras acabam acessando o mesmo texto.
Porém, os grandes debates que acompanharam a formulação da teoria quântica, protagonizados principalmente por Einstein e Bohr, não levaram a resultados conclusivos. E a maioria dos físicos das gerações posteriores passou a utilizar equações muitas vezes decorrentes de arcabouços teóricos conflitantes sem se preocupar muito com os conceitos filosóficos subjacentes. As equações “funcionavam” e isso pareceu suficiente. Vários artefatos tecnológicos hoje triviais foram produzidos a partir de aplicações práticas da teoria quântica.
Mas é da natureza humana questionar. E um questionamento importante que se apresentou posteriormente foi o porquê de os comportamentos estranhos e contraintuitivos dos experimentos quânticos não se manifestarem no mundo macroscópico. Para responder a essa pergunta, ou contorná-la, o físico polonês Wojciech Zurek (nascido em 1951) desenvolveu o conceito de “darwinismo quântico”.
Grosso modo, essa hipótese afirma que a interação de um sistema físico com o seu ambiente seleciona certos comportamentos e descarta outros. E que os comportamentos triados por esse tipo de “seleção natural” são exatamente aqueles que correspondem à descrição clássica.
Assim, por exemplo, quando alguém lê este texto, seus olhos recebem fótons que interagiram com a tela de seu computador ou smartphone. Outra pessoa, de outra perspectiva, receberá outros fótons. Mas, apesar de as partículas da tela terem seus próprios comportamentos estranhos, que poderiam levar a imagens completamente diferentes uma da outra, a interação com o meio seleciona apenas um tipo de comportamento e descarta os demais, de modo que as duas leituras acabam acessando o mesmo texto.
Teoria de Darwin dá significado prático a alguns sistemas quânticos |
Essa linha de investigação teórica foi levada adiante, e com grau ainda maior de abstração e generalização, em um estudo do físico brasileiro Roberto Baldijão.
O artigo, publicado no Quantum Journal, faz parte da pesquisa de doutorado de Baldijão, orientada por Marcelo Terra Cunha, professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Universidade Estadual de Campinas (IMECC-Unicamp). Também é assinado por Markus Müller, supervisor do estágio de pesquisa de Baldijão na Österreichische Akademie der Wissenschaften, em Viena, Áustria, e outros coautores.
“O darwinismo quântico foi proposto como um mecanismo para obter a objetividade clássica a que estamos acostumados a partir de sistemas inerentemente quânticos. Em nosso trabalho, investigamos quais princípios físicos estariam por trás da existência de tal mecanismo”, diz Baldijão.
Para conduzir sua investigação, o doutorando adotou um formalismo conhecido como Teorias Generalizadas de Probabilidades (GPTs, da expressão em inglês Generalized Probabilistic Theories).
“O darwinismo quântico foi proposto como um mecanismo para obter a objetividade clássica a que estamos acostumados a partir de sistemas inerentemente quânticos. Em nosso trabalho, investigamos quais princípios físicos estariam por trás da existência de tal mecanismo”, diz Baldijão.
Para conduzir sua investigação, o doutorando adotou um formalismo conhecido como Teorias Generalizadas de Probabilidades (GPTs, da expressão em inglês Generalized Probabilistic Theories).
“Esse formalismo possibilita descrever, matematicamente, diferentes teorias físicas. E, assim, compará-las. Possibilita entender também quais teorias obedecem a certos princípios físicos. As teorias quântica e clássica são dois exemplos de GPTs, mas é possível descrever muitas outras”, informa.
Segundo Baldijão, trabalhar com o formalismo de GPTs é muito conveniente, pois ele permite obter resultados válidos mesmo se, em algum momento, a teoria quântica tiver que ser abandonada. Além disso, possibilita aprender ainda mais sobre o formalismo quântico, comparando-o com aquilo que ele não é. Seria possível, por exemplo, tentar reobter a teoria quântica a partir de princípios físicos mais simples, sem assumi-la desde o início.
Segundo Baldijão, trabalhar com o formalismo de GPTs é muito conveniente, pois ele permite obter resultados válidos mesmo se, em algum momento, a teoria quântica tiver que ser abandonada. Além disso, possibilita aprender ainda mais sobre o formalismo quântico, comparando-o com aquilo que ele não é. Seria possível, por exemplo, tentar reobter a teoria quântica a partir de princípios físicos mais simples, sem assumi-la desde o início.
“Com base no formalismo de GPTs, podemos responder quais princípios permitem a existência de ‘darwinismo’, sem precisar falar em teoria quântica”, afirma.
O resultado paradoxal obtido pelo pesquisador em sua investigação teórica foi que, para que o cenário clássico apareça por meio de “seleção natural” em teorias que apresentem certas características não clássicas, elas precisam exibir “emaranhamento”.
“É de fato surpreendente que a manifestação de comportamentos clássicos, por meio do ‘darwinismo’, dependa de uma propriedade notavelmente não clássica, como o emaranhamento”, comenta Baldijão.
Como se sabe, o emaranhamento é uma propriedade essencial da teoria quântica. Ele ocorre quando partículas são geradas ou interagem de tal maneira que o estado quântico de cada partícula não pode ser descrito independentemente das outras, já que depende do conjunto.
O exemplo mais famoso de emaranhamento é o experimento mental conhecido como EPR (Einstein-Podolsky-Rosen). São necessários alguns parágrafos para explicá-lo. Em uma versão simplificada desse experimento, David Bohm imaginou uma situação em que dois elétrons interagiam e, depois, eram afastados por uma distância arbitrariamente grande. A distância entre a Terra e a Lua, por exemplo.
Como se sabe, o emaranhamento é uma propriedade essencial da teoria quântica. Ele ocorre quando partículas são geradas ou interagem de tal maneira que o estado quântico de cada partícula não pode ser descrito independentemente das outras, já que depende do conjunto.
O exemplo mais famoso de emaranhamento é o experimento mental conhecido como EPR (Einstein-Podolsky-Rosen). São necessários alguns parágrafos para explicá-lo. Em uma versão simplificada desse experimento, David Bohm imaginou uma situação em que dois elétrons interagiam e, depois, eram afastados por uma distância arbitrariamente grande. A distância entre a Terra e a Lua, por exemplo.
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Se for medido o spin de um deles, pode-se obter o spin apontando para cima ou para baixo, ambos com a mesma probabilidade. No entanto, pelo modo como interagiram, os elétrons ficam emparelhados. Isto é, se forem medidos os spins dos dois elétrons em uma mesma direção, sempre se obtém um com o spin apontando para cima e o outro com o spin apontando para baixo – não importa qual direção seja escolhida para a medição.
Assim, embora não se saiba qual dos dois elétrons terá spin para cima e qual terá spin para baixo, sabe-se que os resultados sempre serão opostos, devido ao emaranhamento das duas partículas.
Com esse experimento mental, Einstein queria, na verdade, demonstrar que o formalismo da teoria quântica era incompleto. Pois, de seu ponto de vista, o emaranhamento pressupunha que a informação entre as duas partículas viajasse a uma velocidade infinita – o que, segundo a teoria da relatividade, era impossível.
Se for medido o spin de um deles, pode-se obter o spin apontando para cima ou para baixo, ambos com a mesma probabilidade. No entanto, pelo modo como interagiram, os elétrons ficam emparelhados. Isto é, se forem medidos os spins dos dois elétrons em uma mesma direção, sempre se obtém um com o spin apontando para cima e o outro com o spin apontando para baixo – não importa qual direção seja escolhida para a medição.
Assim, embora não se saiba qual dos dois elétrons terá spin para cima e qual terá spin para baixo, sabe-se que os resultados sempre serão opostos, devido ao emaranhamento das duas partículas.
Com esse experimento mental, Einstein queria, na verdade, demonstrar que o formalismo da teoria quântica era incompleto. Pois, de seu ponto de vista, o emaranhamento pressupunha que a informação entre as duas partículas viajasse a uma velocidade infinita – o que, segundo a teoria da relatividade, era impossível.
De fato, como poderiam as partículas distantes “saber” para onde seu spin deveria ser apontado de modo a levar a resultados opostos? Sua ideia era que havia variáveis ocultas atuando localmente por traz da cena quântica e que, se essas variáveis fossem consideradas por uma teoria mais abrangente, a visão de mundo clássica seria reconstruída.
Albert Einstein morreu em 1955. Quase uma década mais tarde, seu argumento foi, de certa forma, desmontado pelo teorema de John Bell (1928-1990), que demonstrou que a hipótese de que uma partícula possua valores definitivos, independentes do processo de observação, e de que seja impossível a comunicação imediata a distância não é compatível com a teoria quântica. Em outras palavras, a não localidade que caracteriza o emaranhamento não seria um defeito, mas uma característica fundamental da teoria quântica.
Além disso, qualquer que seja sua interpretação teórica, a existência empírica do emaranhamento foi demonstrada por vários experimentos posteriores. E, hoje, a preservação do emaranhamento é o principal desafio para o desenvolvimento da computação quântica, pois os sistemas quânticos tendem a perder coerência rapidamente caso interajam com o meio. Esse fato traz o assunto de volta para o “darwinismo”.
“Em nosso trabalho, demonstramos que, se uma GPT apresenta decoerência, é porque existe uma transformação na teoria capaz de implementar o processo de ‘darwinismo’ idealizado que consideramos.
Albert Einstein morreu em 1955. Quase uma década mais tarde, seu argumento foi, de certa forma, desmontado pelo teorema de John Bell (1928-1990), que demonstrou que a hipótese de que uma partícula possua valores definitivos, independentes do processo de observação, e de que seja impossível a comunicação imediata a distância não é compatível com a teoria quântica. Em outras palavras, a não localidade que caracteriza o emaranhamento não seria um defeito, mas uma característica fundamental da teoria quântica.
Além disso, qualquer que seja sua interpretação teórica, a existência empírica do emaranhamento foi demonstrada por vários experimentos posteriores. E, hoje, a preservação do emaranhamento é o principal desafio para o desenvolvimento da computação quântica, pois os sistemas quânticos tendem a perder coerência rapidamente caso interajam com o meio. Esse fato traz o assunto de volta para o “darwinismo”.
“Em nosso trabalho, demonstramos que, se uma GPT apresenta decoerência, é porque existe uma transformação na teoria capaz de implementar o processo de ‘darwinismo’ idealizado que consideramos.
Na mesma linha, se uma teoria possui estrutura suficiente para a realização de computação reversível – isto é, uma computação que sejamos capazes de desfazer –, então também existe uma transformação capaz de implementar ‘darwinismo’. Isso é muito interessante, considerando as aplicações computacionais de GPTs”, diz Baldijão.
Resultado complementar do estudo foi descrever um exemplo de “darwinismo não quântico”, em extensões de um modelo chamado de “teoria-brinquedo de Spekkens”, proposto em 2004 pelo físico Robert Spekkens, atualmente pesquisador sênior no Perimeter Institute for Theoretical Physics, no Canadá. Esse modelo é bastante importante na investigação em profundidade dos fundamentos de teoria quântica, por ser capaz de reproduzir muitos comportamentos quânticos com base em noções bastante clássicas.
“Esse modelo não exibe nenhum tipo de não localidade e é incapaz de violar qualquer desigualdade de Bell. Nós demonstramos que ele pode exibir ‘darwinismo’. De quebra, este exemplo também mostra que as condições que encontramos para garantir a presença de ‘darwinismo’ – a saber, estrutura para decoerência ou para computação reversível –, apesar de suficientes, não são necessárias para que esse processo ocorra em GPTs”, sublinha Baldijão.
“A teoria quântica pode ser considerada uma generalização da teoria de probabilidades, mas está longe de ser a única possível. Um dos grandes desafios em nossa área de pesquisa é entender quais são as propriedades que distinguem as teorias clássica e quântica dentro desse oceano de teorias possíveis. O projeto de doutorado de Baldijão foi explicar como o chamado ‘darwinismo quântico’ poderia eliminar um dos traços mais claramente não clássicos da teoria quântica: a contextualidade, que engloba a noção de emaranhamento”, resume Cunha, o orientador da investigação.
E acrescenta: “Em seu estágio de pesquisa no exterior, no grupo de Markus Müller, em Viena, Baldijão trabalhou com algo ainda mais geral: o processo de ‘darwinismo’ nas chamadas Teorias Generalizadas de Probabilidades. Seus resultados ajudam a entender melhor a dinâmica de certos tipos de teorias, mostrando que o ‘darwinismo’, capaz de preservar apenas os mais adaptados e assim gerar um mundo clássico, não é um processo exclusivamente quântico”.
> O artigo Quantum Darwinism and the spreading of classical information in non-classical theories pode ser acessado em: https://quantum-journal.org/papers/q-2022-01-31-636/.
Resultado complementar do estudo foi descrever um exemplo de “darwinismo não quântico”, em extensões de um modelo chamado de “teoria-brinquedo de Spekkens”, proposto em 2004 pelo físico Robert Spekkens, atualmente pesquisador sênior no Perimeter Institute for Theoretical Physics, no Canadá. Esse modelo é bastante importante na investigação em profundidade dos fundamentos de teoria quântica, por ser capaz de reproduzir muitos comportamentos quânticos com base em noções bastante clássicas.
“Esse modelo não exibe nenhum tipo de não localidade e é incapaz de violar qualquer desigualdade de Bell. Nós demonstramos que ele pode exibir ‘darwinismo’. De quebra, este exemplo também mostra que as condições que encontramos para garantir a presença de ‘darwinismo’ – a saber, estrutura para decoerência ou para computação reversível –, apesar de suficientes, não são necessárias para que esse processo ocorra em GPTs”, sublinha Baldijão.
“A teoria quântica pode ser considerada uma generalização da teoria de probabilidades, mas está longe de ser a única possível. Um dos grandes desafios em nossa área de pesquisa é entender quais são as propriedades que distinguem as teorias clássica e quântica dentro desse oceano de teorias possíveis. O projeto de doutorado de Baldijão foi explicar como o chamado ‘darwinismo quântico’ poderia eliminar um dos traços mais claramente não clássicos da teoria quântica: a contextualidade, que engloba a noção de emaranhamento”, resume Cunha, o orientador da investigação.
E acrescenta: “Em seu estágio de pesquisa no exterior, no grupo de Markus Müller, em Viena, Baldijão trabalhou com algo ainda mais geral: o processo de ‘darwinismo’ nas chamadas Teorias Generalizadas de Probabilidades. Seus resultados ajudam a entender melhor a dinâmica de certos tipos de teorias, mostrando que o ‘darwinismo’, capaz de preservar apenas os mais adaptados e assim gerar um mundo clássico, não é um processo exclusivamente quântico”.
> O artigo Quantum Darwinism and the spreading of classical information in non-classical theories pode ser acessado em: https://quantum-journal.org/papers/q-2022-01-31-636/.
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