Pular para o conteúdo principal

Inteligência artificial ajuda a identificar padrão da resistência ao estresse

Os resultados podem orientar tratamentos personalizados para transtornos psiquiátricos

MARIA FERNANDA ZIEGLER | Agência FAPESP
jornalista

Ao combinar técnicas de encefalografia (registro gráfico das correntes elétricas do cérebro obtido por meio de eletrodos) e aprendizado de máquina, pesquisadores conseguiram encontrar padrões na atividade cerebral de ratos sob estresse e, dessa forma, predizer quais animais seriam mais resistentes a adversidades.

Resultados da pesquisa, conduzida na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) com apoio da FAPESP, foram publicados no Journal of Neuroscience. Além de servir como biomarcadores de resiliência ao estresse, esses achados podem, no futuro, orientar o tratamento de pacientes psiquiátricos.

“Por meio dessa abordagem sofisticada de aprendizado de máquina, conseguimos identificar padrões de atividade neural no córtex pré-frontal e no hipocampo, o que permitiu detectar os animais resistentes ao estresse", explicou João Pereira Leite, professor do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da FMRP-USP e coordenador do estudo.

“Uma possibilidade futura seria antecipar, por meio do estudo dos ritmos neurais, aqueles indivíduos que teriam uma resposta eventualmente mais positiva a um momento de estresse.” 

Estudo com ratos combinou
análise de ritmos neurais do
hipocampo e córtex pré-frontal
com técnicas de aprendizado
de máquina

Os pesquisadores usaram um modelo experimental consagrado na psiquiatria para estudos sobre estresse. O método consiste em submeter um grupo de ratos a choques moderados nas patas, dos quais podem escapar pulando por cima de um pequeno muro. Outro grupo recebe choques em quantidade, intensidade e duração idênticas ao do grupo anterior, porém, sem a possibilidade de escapar. E, no terceiro grupo, estão os animais-controle, ou seja, que não recebem choques.

Como explicam os pesquisadores, a maioria dos animais que passa por choques incontroláveis falha em escapar de adversidades apresentadas posteriormente, mesmo quando os novos estímulos são “escapáveis”.

“É um fenômeno bem entendido na psiquiatria para esse modelo experimental e que recebe o nome de desamparo aprendido. Já os animais que passam por uma primeira exposição a choques controláveis tendem a se tornar mais resistentes a situações estressoras no futuro, fenômeno atualmente denominado resistência aprendida”, explica Danilo Benette Marques, pesquisador da FMRP-USP e primeiro autor do artigo.

Durante os experimentos, os pesquisadores foram registrando a atividade elétrica no hipocampo e no córtex pré-frontal dos animais. Eles explicam que as duas regiões cerebrais foram amplamente associadas aos efeitos do estresse e da depressão em estudos anteriores.

Os resultados foram então analisados por meio de técnicas de aprendizado de máquina, ramo da inteligência artificial que permite trabalhar com grandes volumes de dados e automatizar a construção de modelos analíticos. O algoritmo aprende com os dados a identificar padrões ou tomar decisões.

Ritmo neural da resiliência


“Pudemos realizar uma investigação extensa das atividades cerebrais durante o estresse e descobrimos oscilações neurais que distinguiam os animais resistentes dos desamparados. O interessante é que essas oscilações na atividade elétrica do cérebro poderiam ser verificadas por eletroencefalografia [EEG, método não invasivo], o que ajudaria a orientar tratamentos personalizados para depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático”, ressalta Marques.


 • Lesão no cérebro pode resultar em fanatismo religioso, diz estudo

Os pesquisadores observaram nos animais resistentes aumento de oscilações nas frequências entre 5 e 10 hertz, conhecidas como oscilações teta (θ). “Não estamos falando de uma maior quantidade de atividade neuronal e sim de uma sincronicidade dessa atividade em uma mesma frequência. A atividade do cérebro tende a ser desordenada, sem um padrão claro. Entretanto, em momentos associados a alguma atividade cognitiva ou comportamental, ele apresenta um padrão periódico, com uma oscilação muito clara que pode durar segundos. Nesses casos é a oscilação teta”, explica Rafael Naime Ruggiero, bolsista da FAPESP e coorientador do estudo.

Ruggiero explica que o fenômeno nada mais é que uma sincronização de um conjunto de neurônios. “Portanto, o que se observa para oscilações neurais no geral é que um input faz com que os neurônios se despolarizem [ocorre uma deflexão da onda] e depois eles voltam a ser regularizados. A onda [frequência] vai e volta e isso acontece de modo periódico”, explica.

Pereira Leite ressalta que o entendimento desses padrões de atividade rítmica cerebral pode contribuir para o tratamento de pacientes psiquiátricos. Afinal, sabe-se que experiências traumáticas (e estressantes) são fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais, entre eles ansiedade generalizada, depressão maior e estresse pós-traumático.

Em um estudo mais recente, disponível em versão preprint (sem revisão por pares) na plataforma bioRxiv, os pesquisadores demostraram que a sincronia de várias regiões cerebrais nas frequências teta está envolvida no enfrentamento ao estresse, não só quando este tem um valor aversivo (como escapar de um choque), mas também em situações positivas, como conseguir uma recompensa.

Dessa forma, de acordo com o estudo, as relações positivas entre a atividade cerebral e os processos comportamentais associados à resiliência indicam um potencial terapêutico.

“Os resultados possibilitam o uso de estratégias não farmacológicas para o tratamento desses indivíduos. É o caso da neuromodulação, que visa estimular determinadas regiões cerebrais e fazer com que o indivíduo reproduza a atividade teta, eventualmente obtendo um resultado mais positivo que o uso de medicamentos psiquiátricos”, diz Pereira Leite.

Além disso, ao entender melhor o funcionamento do córtex pré-frontal e do hipocampo, torna-se possível buscar terapias mais específicas.

Com informação do Journal of Neuroscience.

• Crânio de 20 milhões de anos registra começo da evolução do cérebro

• Religião e drogas ativam os mesmos circuitos do cérebro, mostra estudo

• Comida cozida fez cérebro humano se desenvolver



Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

PMs de Cristo combatem violência com oração e jejum

Violência se agrava em SP, e os PMs evangélicos oram Houve um recrudescimento da violência na Grande São Paulo. Os homicídios cresceram e em menos de 24 horas, de anteontem para ontem, ocorreram pelo menos 20 assassinatos (incluindo o de policiais), o triplo da média diária de seis mortes por violência. Um grupo de PMs acredita que pode ajudar a combater a violência pedindo a intercessão divina. A Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, que é mais conhecida como PMs de Cristo, iniciou no dia 25 de outubro uma campanha de “52 dias de oração e jejum pela polícia e pela paz na cidade”, conforme diz o site da entidade. “Essa é a nossa nobre e divina missão. Vamos avante!” Um representante do comando da corporação participou do lançamento da campanha. Com o objetivo de dar assistência espiritual aos policiais, a associação PMs de Cristo foi fundada em 1992 sob a inspiração de Neemias, o personagem bíblico que teria sido o responsável por uma mobili...

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê...

Papa tem prima na Austrália que é Testemunha de Jeová

Bento 16  fez uma visita  a sua parente Em sua visita à Austrália, o papa Bento 16 visitou uma prima de segundo grau. O nome dela é Steffie Brzako Kopp, tem 81 anos, mesma idade do papa, e é também alemã. Steffie é Testemunha de Jeová. Ela mora em Cooma, comunidade de 8 mil pessoas. Sua mãe foi prima da mãe de Joseph Ratzinger, hoje o papa. Ela não via o primo desde 1979, época que Ratzinger era arcebispo de Munique, informa o jornal Canberra Times. Ao visitar a prima, Bento 16 elogiou as atividades missionárias dos Testemunhos de Jeová. E acrescentou: “Vocês estão fazendo o que deveríamos fazer. Têm salas pequenas, mas cheias; nós temos as catedrais e as igrejas, muitas vezes vazias”. A afirmação do papa confirma que ele não está preocupado com a perda de fiéis nos últimos anos, graças, por exemplo, a atitudes retrógadas da Igreja Católica de ser contra o uso da camisinha nesta época de AIDS. O bispo Edir Macedo, oportunista do jeito que é, talvez se inte...

Cardeal africano cotado para ser papa associa gay à pedofilia

O conservador Peter Turkson é forte  candidato a substituir o papa Bento 16 O cardeal Peter Turkson (foto), de Gana, disse à rede CNN que há menos casos de pedofilia na África em relação a outros continentes porque muitos povos africanos não aceitam o relacionamento sexual entre pessoas do mesmo sexo. Nas bolsas de apostas, Turkson é um dos mais cotados para ser o novo papa. Ele afirmou que a África existem “sistemas culturais tradicionais que protegem sua população dessa tendência [pedofilia]”. Isto porque, explicou, em muitas comunidades “as relações de pessoas do mesmo sexo não são toleradas". Barbara Blaine, presidente da Snap., uma ong de assistência às vítimas de pedofilia, disse que o comentário “horrível” de Turkson o desqualifica para substituir Bento 16. "As declarações do cardeal são inaceitáveis”, disse Blaine à Folha de S.Paulo. “Se ele for eleito o novo papa, a igreja vai jogar sal nas feridas das vítimas e mandar um sinal claro de que os padres crimi...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Livro conta em 300 páginas histórias de papas das quais poucos sabem

Chico Buarque: 'Sou ateu, faz parte do meu tipo sanguíneo'

O compositor e cantor Chico Buarque  disse em várias ocasiões ser ateu. Em 2005, por exemplo, ao jornal espanhol La Vanguardia , fez um resumo de sua biografia.

Nada na civilização faz sentido, exceto à luz da evolução de Darwin