Pular para o conteúdo principal

Pesquisa paga por Bolsonaro apontou que brasileiros valorizam ciência e SUS

A empresa que fez pesquisa foi contratada para orientar a publicidade do governo nas eleições; ela recebeu R$ 4 milhões da campanha de Bolsonaro


BRUNO FONSECA
jornalista

Agência Pública
jornalismo investigativo
sem fins lucrativos

“A gente não consegue ver melhora em nada, tudo que foi prometido, a esperança de ser algo diferente, a nossa aposta pra ser diferente ficou só na esperança mesmo”. A fala é de uma das pessoas entrevistadas por uma pesquisa paga pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). O trabalho concluiu, um ano antes das eleições, que os brasileiros estavam descontentes com a situação do país e a economia, mas orgulhosos do SUS e buscando mais auxílios e programas sociais.

A pesquisa, que circulou internamente, foi paga pelo Ministério das Comunicações para planejar a comunicação do Governo Federal no ano eleitoral de 2022. O documento foi obtido pela Agência Pública através da Lei de Acesso à Informação.

O trabalho foi realizado pela Cota Pesquisas de Mercado e Opinião Pública e pago pelo Ministério em dezembro de 2021. Além de fechar o contrato com o Ministério das Comunicações, a Cota também foi a 7ª maior fornecedora da campanha eleitoral de Jair Bolsonaro. O ex-presidente pagou quase R$ 4 milhões para a empresa durante as eleições para realizar pesquisas de opinião.

SUS e ciência são motivo de orgulho ao país

A pandemia, como era de se esperar, foi um dos principais pontos negativos apontados pelo levantamento. “Mulheres mais velhas e mais carentes sentiram os efeitos da pandemia intensamente”, concluiu o trabalho.

O relatório traz falas dos entrevistados sobre suas preocupações durante o período. “Psicologicamente, pessoas com ansiedade, depressão, medo de morrer, o tempo todo a gente sabendo de vizinho que faleceu de Covid”, disse um dos ouvidos pela pesquisa.

Dentre os pontos que geravam mais receio, estavam o medo do surgimento de novas variantes do vírus, dúvidas sobre datas do calendário de vacinação e idade para se vacinar, e questionamentos sobre como o governo informa estatísticas de evolução da doença e mortes.

Em junho de 2020, quando o Brasil passava pelo primeiro grande pico de mortes por Covid-19, alcançando a marca de mais de mil óbitos diários, o governo Bolsonaro chegou a deixar fora do ar o portal do Ministério da Saúde onde era divulgado o número de mortos e infectados. Depois, ocultou os números consolidados e evolução da doença. Na época, Bolsonaro chegou a comemorar as mudanças na divulgação dos dados dizendo que “acabou matéria do Jornal Nacional”.

A pesquisa também identificou que as pessoas tinham interesse sobre programas de tratamento de sequelas pós-covid e voltados para a saúde mental, avaliado no relatório como “extremamente importantes neste período de pandemia e de crise”. Uma das conclusões é que o governo deveria “produzir campanhas sobre ansiedade, depressão e onde procurar ajuda”.


Apesar dos pontos negativos, a investigação descobriu que, em meio à pandemia, alguns aspectos da realidade brasileira foram valorizados: dentre eles, o Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pela vacinação contra a covid-19. “O SUS é muito organizado e comprometido em salvar vidas. Foi uma grata surpresa”, respondeu um dos entrevistados.

A ciência também foi outro ponto positivo apontado pelas pessoas ouvidas no trabalho. O relatório chegou a sugerir que o governo federal explicasse o porquê dos “cortes de recursos em um momento em que a atividade científica vem sendo muito valorizada”.

“O preço está subindo a cada dia”

“Está pior do que estava antes. Tudo está mais caro, as pessoas estão encontrando dificuldade em tudo, até para comer”, disse uma das entrevistadas. Mortes, desemprego, fome, escolas fechadas, falências, perda de casa, morar na rua, falta de renda, de reservas, dívidas e inflação foram as perdas levantadas pelos entrevistados sobre a situação do Brasil no final de 2021.

A pesquisa identificou que os brasileiros buscavam soluções para o controle da inflação; explicações sobre a alta de preços dos alimentos, do gás e dos combustíveis; propostas para geração de emprego e renda; e transparência das contas federais e repasses para os estados. 

Os entrevistados também demonstraram preocupação sobre a manutenção do auxílio emergencial e dúvidas sobre o que seria o “novo Bolsa-Família”, relançado pelo governo Bolsonaro como Auxílio Brasil.

“O Brasil é uma empresa e ele [o governo] é nosso diretor, que ele prestasse conta pra nós. Qual o real estado da economia? A única certeza que temos é que o preço está subindo a cada dia. Por quê? Desde quando?”, questionou um dos entrevistados.

Um dos pontos negativos da realidade brasileira percebidos pelos entrevistados era que a distância entre ricos e pobres estava aumentando no período. O fato de muitos brasileiros terem precisado recorrer a trabalhos informais, como entregadores, também foi apontado pelos como um aspecto negativo.

 “Como a maioria dos brasileiros, tive que dar um jeito e fui entregar comida, que foi uma profissão que aumentou na pandemia”, disse um dos ouvidos. “Ninguém sonha em entregar comida, trabalhar de Uber, mas muitos tiveram que fazer e adiar o que fazem para sobreviver, depois pensar no resto”, relatou outra pessoa.

A pesquisa também identificou a demanda de políticas de geração de renda e emprego para mulheres, como de cursos profissionalizantes para mulheres de baixa renda. As mulheres entrevistadas, segundo o relatório, estavam “assoberbadas e assustadas”: “muitas são chefes de família e se viram sem renda pelo desemprego ou, como autônomas, impossibilitadas de venderem seus produtos e serviços durante a pandemia”, detalha.

Os entrevistados também se disseram preocupados com a saúde da mulher, por exemplo, na prevenção do câncer e preparação para menopausa; com prevenção da gravidez na adolescência e de infecções sexualmente transmissíveis (IST); e sobre a violência contra a mulher.

Uma solução apontada pelo trabalho seria explicar o que existe de apoio para as mães solo e quais projetos estavam sendo implementados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. 

O documento também sugere que as mulheres sejam mais bem informadas sobre programas de auxílio para mulheres vítimas de violência para poderem se tornar independentes e como conseguir proteção contra novas agressões.




Relatório sugeriu mudanças na comunicação do governo sobre privatizações e meio ambiente
A pesquisa também identificou uma série de pontos na condução das políticas do governo federal que geravam dúvidas ou críticas da população. Em resposta, o relatório sugere várias mudanças na comunicação para melhorar esses problemas.

Uma delas era a política de privatizações, bandeira do governo Bolsonaro. Segundo o trabalho, era preciso que o governo explicasse para a população quais as reais vantagens e desvantagens de se privatizar estatais. “O que o país ganha com isso?”, diz o texto.

O trabalho também aponta que o governo devia explicações sobre o aumento das tarifas de energia, gás e água; se havia alguma proposta de controle dos preços das tarifas; e precisava informar sobre o que vem sendo feito para resolver a crise energética.

A divulgação do programa Casa Verde e Amarela, substituto de Bolsonaro ao Minha Casa, Minha Vida, também foi alvo de reclamações. “Eu vi uma placa Casa Verde e Amarela, mas não sei o que significa. O que significa?”, perguntou um dos entrevistados. “Os participantes se ressentem do ‘desaparecimento’ do programa ‘Minha Casa, Minha Vida’, conclui o relatório.

O trabalho também aponta que os brasileiros são a favor que o governo promova a preservação da Amazônia — tema bastante sensível à gestão de Bolsonaro. A pesquisa cita explicitamente que uma solução seria combater o desmatamento, o garimpo ilegal e garantir a terra das reservas indígenas.

A pesquisa detectou muitas reclamações sobre o acesso aos sites oficiais: “são muito ‘pesados’, com muitas informações”, apontaram os entrevistados. As falas trazem queixas de que as informações sobre benefícios e programas sociais poderiam ser mais acessíveis e mais centralizadas.

As pessoas também criticaram o uso de termos técnicos nos sites e nas comunicações do governo — inclusive em debates políticos —, apontando que são difíceis de entender. “Comunicação tem que ser mais para o pobre, classe baixa. Pega um debate político, 70% das expressões não conhecemos. Falam sobre leis, números, estatísticas”, reclamou um entrevistado.

As lives realizadas por Bolsonaro, contudo, foram elogiadas pelos participantes. Segundo uma das falas, as transmissões no YouTube e Instagram eram positivas porque “você cria uma comunicação direta com a população”.

O relatório encerra as conclusões apontando que as pessoas desejavam uma comunicação da parte do governo mais acolhedora, “que demonstre empatia e solidariedade” “diante das dificuldades enfrentadas pela população no momento”.

Colaborador: Matheus Santino

 



> Esta reportagem foi publicada originalmente pela Agência Pública com o título Pesquisa paga por Bolsonaro apontou que brasileiros valorizam ciência e vacinação.

• Vacinas contra a pandemia provam que a ciência sempre vence a religião

• Academia de Medicina critica o desprezo de Bolsonaro pelas mortes por Covid-19 

• Política genocida de Bolsonaro ameaça a civilização, diz 'Manifesto vida acima de tudo’

       



Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê