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Saúde: decreto do Governo Lula afronta a ciência e o Estado laico

O Ministério da Saúde cede a pressões e cria departamento de apoio a comunidades que empregam a crença religiosa para “curar” dependentes de drogas

PAULO LOPES
jornalista, trabalhou na
Folha de S.Paulo, Diário Popular,
Abril e em outras publicações

O grupo de transição da saúde do Governo Lula recomendou a revogação de convênios com comunidades terapêuticas religiosas de tratamento de dependentes de drogas, mas um dos primeiros decretos do Ministério da Saúde foi a criação de um departamento para atender aos interesses desse setor.

O decreto decepciona quem acredita que o Governo Lula dará prioridade ao combate à pseudociência e à defesa do Estado laico. É um péssimo começo.

Associada a igrejas evangélicas, a maioria dessas comunidades impõe a crença religiosas para “curar” os dependentes, além do isolamento e abstinência. Não há comprovação científica que valide essa terapia, portanto se tratando de uma pseudociência.

“Cura” pela oração
com financiamento
do Estado laico 

Só em 2019, o governo de Bolsonaro repassou a essas entidades cerca de R$ 100 milhões, sem haver transparência na aplicação do dinheiro, se realmente a sua totalidade foi para a manutenção dos dependentes. Considerando as verbas estaduais e municipais, o montante chega a R$ 560 milhões.

Em 2020, do total da comunidades terapêuticas, 74% delas eram de matriz cristã, o que indica haver, no setor, uma indústria de recebimento de verbas públicas.

A laicidade de Estado impede qualquer tipo de vínculo, incluindo o financeiro, das esferas governamentais com entidades religiosas.

O decreto que criou o Departamento de Apoio a Comunidades Terapêutica tem causado constrangimento no próprio Governo, chamando a atenção a facilidade com que o Ministério da Saúde cedeu às pressões de religiosos. 


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Representantes dessas comunidades, como a Confenact (Confederação Nacional das Comunidades Terapêuticas), situam-se entre os segmentos mais conservadores da sociedade — os retrógrados. Apoiaram o governo de extrema direita de Bolsonaro, combatem o direito de as mulheres decidirem sobre o abordo e fazem campanha contra o que entendem ser a “ideologia de gênero”.

São frequentes as denúncias de maus tratos em comunidades.

Há no Ministério da Saúde uma discussão para mudar o nome do departamento, mas isso, claro, não resolve coisa alguma. Só serve para camuflar um problema que se arrasta há anos.

A verdade é que o Governo Lula ainda não tem um plano sobre como recuperar a saúde dos dependentes de drogas. Um plano que, por exemplo, financie com o apoio do SUS uma estrutura médica — com base na ciência, e não na religião —, de modo a substituir gradualmente as comunidades de pensamento mágico para cuidar de doentes.



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