Pular para o conteúdo principal

Ateísmo faz parte há milênios de tradições asiáticas

Textos antigos não consideram a possibilidade da existência de um ou deuses que teriam criado tudo

SIGNE COHEN
professora de estudos religiosos da Universidade de Missouri-Columbia, EUA

O ateísmo — a falta de crença em um deus ou deuses pessoais — pode parecer a muitos um conceito totalmente moderno, porque afinal há a impressão de que as tradições religiosas dominaram o mundo desde o início da história registrada.

Como estudiosa das religiões asiáticas, no entanto, muitas vezes fico impressionada com a prevalência do ateísmo e do agnosticismo — a visão de que é impossível saber se um deus existe — em textos asiáticos antigos. As tradições ateístas desempenham um papel significativo nas culturas asiáticas por milênios.

Ateísmo no budismo, jainismo


Embora o budismo seja uma tradição focada na libertação espiritual, não é uma religião teísta. O próprio Buda rejeitou a ideia de um deus criador. E filósofos budistas argumentam que a crença em um deus eterno nada mais é do que uma distração para os humanos que buscam a iluminação.

Embora o budismo não argumente que os deuses não existem, os deuses são vistos como completamente irrelevantes para aqueles que buscam a iluminação.

Uma forma semelhante de ateísmo funcional também pode ser encontrada na antiga religião asiática do jainismo, uma tradição que enfatiza a não violência contra todos os seres vivos, o desapego às posses mundanas e a prática ascética. Enquanto os jainistas acreditam em uma alma eterna ou jiva, que pode renascer, eles não acreditam em um criador divino.

Conforme o jainismo, o universo é eterno e, embora os deuses possam existir, eles também devem renascer, assim como os humanos. 

Para os budistas,
os deus não têm
nenhuma importância

Os deuses não desempenham nenhum papel na liberação e iluminação espiritual; os humanos devem encontrar seu próprio caminho para a iluminação com a ajuda de sábios professores humanos.

Outras filosofias ateístas


Na mesma época em que o budismo e o jainismo surgiram no século VI a. C., havia uma escola de pensamento explicitamente ateísta na Índia chamada escola Carvaka. Embora nenhum de seus textos originais tenha sobrevivido, os autores budistas e hindus descrevem os Carvakas como ateus convictos que acreditavam que nada existia além do mundo material.

Para os Carvakas, não havia vida após a morte, nem alma separada do corpo, nem deuses e nem mundo além deste.

Outra escola de pensamento, Ajivika, que floresceu na mesma época, também argumentava que os deuses não existiam, embora seus seguidores acreditassem em uma alma e no renascimento.

Os Ajivikas afirmavam que o destino da alma era determinado apenas pelo destino, e não por um deus, ou mesmo pelo livre arbítrio. Ensinavam que tudo era feito de átomos, mas que esses átomos se moviam e se combinavam entre si de formas predestinadas.

Assim como a escola Carvaka, a escola Ajivika é hoje conhecida apenas por textos compostos por hindus, budistas e jainistas. Portanto, é difícil determinar exatamente o que os próprios Ajivikas pensavam.

Por textos budistas, os Ajivikas argumentavam que não haver distinção entre o bem e o mal e o pecado não existia. A escola pode ter existido na mesma época que o budismo primitivo, no século V a.C.

Enquanto a tradição hindu da Índia abraça a crença em muitos deuses e deusas — 330 milhões deles, de acordo com algumas fontes — também existem correntes de pensamento ateístas encontradas no hinduísmo.

A escola Samkhya de filosofia hindu é um desses exemplos. Ela acredita que os humanos podem alcançar a libertação para si mesmos, libertando seu próprio espírito do reino da matéria.

Outro exemplo é a escola Mimamsa, que também rejeita a ideia de um deus criador. O filósofo Mimamsa Kumarila disse que se um deus criou o mundo sozinho no começo, como alguém poderia confirmar isso? Ele argumentou ainda que o mundo não poderia ter tão sofrimento se tivesse sido criado por um deus misericordioso.

Segundo o censo de 2011, havia aproximadamente 2,9 milhões de ateus na Índia. O ateísmo ainda é uma força cultural significativa país, bem como em outros países asiáticos influenciados pelas religiões indianas.

> Esse texto foi publicado originalmente no The Conversation.

• Livro mostra por que Platão é o pai da perseguição aos ateus

• Ateísmo é a evolução lógica da religião, diz Richard Dawkins



Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Seleção de vôlei sequestrou palco olímpico para expor crença cristã

Título original: Oração da vitória por Daniel Sottomaior (foto) para Folha de S.Paulo Um hipotético sujeito poderoso o suficiente para fraudar uma competição olímpica merece ser enaltecido publicamente? A se julgar pela ostensiva prece de agradecimento da seleção brasileira de vôlei pela medalha de ouro nas Olimpíadas, a resposta é um entusiástico sim! Sagrado é o direito de se crer em qualquer mitologia e dá-la como verdadeira. Professar uma religião em público também não é crime nenhum, embora costume ser desagradável para quem está em volta. Os problemas começam quando a prática religiosa se torna coercitiva, como é a tradição das religiões abraâmicas. Os membros da seleção de vôlei poderiam ter realizado seus rituais em local mais apropriado. É de se imaginar que uma entidade infinita e onibenevolente não se importaria em esperar 15 minutos até que o time saísse da quadra. Mas uma crescente parcela dos cristãos brasileiros não se contenta com a prática privada: para

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê

Psicóloga defende Feliciano e afirma que monstro é a Xuxa

Marisa Lobo fez referência ao filme de Xuxa com garoto de 12 anos A “psicóloga cristã” Marisa Lobo (foto) gravou um vídeo [ver abaixo] de 2 minutos para defender o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) da crítica da Xuxa segundo a qual ele é um “monstro” por propagar que a África é amaldiçoada e a Aids é uma “doença gay”. A apresentadora, em sua página no Facebook, pediu mobilização de seus fãs para que Feliciano seja destituído da presidência da Comissão de Direitos Humanos e das Minorias da Câmara. Lobo disse que “monstro é quem faz filme pornô com criança de 12 anos”. Foi uma referência ao filme “Amor Estranho Amor”, lançado em 1982, no qual Xuxa faz o papel de uma prostituta. Há uma cena em que a personagem, nua, seduz um garoto, filho de outra mulher do bordel. A psicóloga evangélica disse ter ficado “a-pa-vo-ra-da” por ter visto nas redes sociais que Xuxa, uma personalidade, ter incitado ódio contra um pastor. Ela disse que as filhas (adolescentes) do pastor são fãs