Pular para o conteúdo principal

Dia do Orgulho Ateu. Parabéns a nós porque todos somos ateus

Todos são ateus em relação à crença dos deus alheios, menos os “ateus 100% ateus”, que não se ajoelham diante de nenhuma divindade  

AURÉLIA HUBNER PEIXOTO
FRANCISCO FERNANDES LADEIRA
professores

Em 12 de fevereiro é comemorado o Dia do Orgulho Ateu. A escolha da data remete ao nascimento do naturalista britânico Charles Darwin, responsável por formular a famosa “Teoria da Evolução”. Parabéns a você que está nos lendo, afinal, somos todos ateus.

O ateísmo se caracteriza por uma total descrença em relação à existência de um Deus. Diferentemente do agnóstico, que não está certo de que exista ou não um deus ou uma vida sobrenatural, o ateu (digamos o “ateu 100% ateu”) acredita que não, não há um plano espiritual sobreposto a um plano material, etc.

E por que dizemos “ateu 100% ateu”? Porque, em certa medida, todo mundo é ateu em relação à crença em alguns deuses.  

Alexandre Pessôa, no canal Epifania Experiência, lembra que “todo crente é crente em relação ao deus que escolheu, e ateu em relação a todos os outros”, porque, afinal de contas, uma pessoa que crê em um Deus automaticamente desacredita em vários outros deuses que não participam de sua experiência religiosa.

Mas calma, não fique chateado, ser ateu não é sinônimo de falta de princípios, mau-caratismo ou satanismo (até mesmo porque quem não crê no deus cristão automaticamente não acredita em satanás, a entidade apenas do imaginário desta religião).

Embora não se trate de uma minoria perseguida ou alvo de preconceitos explícitos (pelo menos no Brasil contemporâneo), os ateus ainda são vistos com desconfiança pela sociedade. Prova disso é que, em 1985, devido a um suposto ateísmo, Fernando Henrique Cardoso perdeu a eleição para a prefeitura de São Paulo.

Duas décadas depois, uma reportagem da revista Veja apontou que apenas 13% dos brasileiros votariam num ateu (aquele, “100% ateu”) para a presidência da República. 

Em 2018, pesquisa organizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), constatou que, para 79% de nossos compatriotas, um candidato a presidente precisa crer em Deus — acreditamos que não seja em qualquer Deus, mas necessariamente no Deus cristão).

[fotomontagem] A teoria da
evolução de Darwin deu
um nocaute na crença de
que fomos criados à
semelhança de Deus

Uma das principais reflexões a se levantar neste Dia do Orgulho ateu é a necessidade de se fomentar um Estado brasileiro que seja realmente laico. Laico, é importante ressaltar, não significa um estado ateu, nem agnóstico, nem satanista. Laico, que não pertence ao clero nem a uma ordem religiosa; leigo, e, mais, que é hostil à influência, ao controle da Igreja e do clero sobre a vida intelectual e moral, sobre as instituições e os serviços públicos.

Um Estado assim respeita as manifestações religiosas de todos os diferentes grupos religiosos, e também dos ateus, ou agnósticos, e não permite que uma religião se aposse do estado para reunir poder e supremacia sobre as outras religiões e grupos sociais que divergem de seus princípios religiosos.

Princípios religiosos não podem se misturar e se imiscuir aos princípios políticos. Se a sua religião diz que fazer sexo antes do casamento é errado, não faça. Mas não faça lobby político para criminalizar o sexo antes do casamento, irmão. 

Se a sua religião diz que aborto é pecado, não aborte. Mas não seja uma besta que impede às mulheres pobres o acesso ao aborto seguro sob supervisão médica, que, todos sabem, está totalmente ao alcance de quem pode pagar, clínicas clandestinas ou hospitais particulares.

Desse modo, não basta garantir a liberdade de crença; isso é pouco, é fundamental garantir que religião e política sejam instâncias realmente “totalmente separadas”.

É fato que, historicamente, o Estado Laico não é respeitado por aqui, haja vista a presença de crucifixos em repartições públicas, o ensino religioso nas escolas e a isenção de impostos para igrejas. No entanto, nos últimos anos, sobretudo com a ascensão de movimentos fundamentalistas neopentecostais, frequentemente atrelados a movimentos fascistas políticos, a laicidade estatal tem corrido sério risco (o que pôde ser constatado, por exemplo, durante o governo Bolsonaro).

Assim, feliz dia do ateu a todos! O ateu que há em mim saúda o ateu que há em você! E creia, há um pouco de ateu em todos nós. Quer sejam 100% ou não ateus, lembrem-se de que a sua experiência é arrogante e presunçosa todas as vezes que você desrespeita as experiências, epifanias ou modos de ver e viver do outro. Vamos lutar pelo estado laico, pelo bem de todos.

> Aurélia Hubner Peixoto é professora no IFES (Instituto Federal do Espírito Santo), Campus Vitória, e
Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp. Esse texto foi publicado originalmente na revista Forum.


• Darwin Day 2021 ressalta a importância do pensamento científico; veja programação

• 'Não acredito na Bíblia nem em Jesus Cristo', escreveu Darwin

• Ateísmo é a forma mais elevada do humanismo



Comentários

CBTF disse…
Essa data deveria ser mais comemorada pelo poder público, pois Charles Darwin passou pelo Brasil e fez seus primeiros registros da Teoria da Evolução em Paraty no Rio de Janeiro, a maioria das pessoas nem sabem disso.
Paulo Lopes disse…
Concordo.
betoquintas disse…
A frase "todo mundo é ateu" consiste em uma falácia. Eu demonstro. Vamos trocar "ateu" por "flamengo". Pela lógica, então as demais torcidas não são de torcedores? Os times não existem? Os campeonatos são meros delírios? E quem gosta de outro esporte? Segundo o ATEA o ateu é quem não acredita em deuses, ora, uma vez que o crente crê em um deus ou alguma entidade, deixa de ser ateu. Aliás, por curiosidade e paradoxo, existem ateus com algum tipo de espiritualidade.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Líder religioso confirma que atirador foi da Testemunhas de Jeová

O superintendente do Circuito Rio de Janeiro-07 da Testemunhas de Jeová, Antônio Marcos Oliveira, confirmou ao UOL que Wellington Menezes de Oliveira, o atirador do Realengo, frequentou um templo da religião na Zona Oeste da cidade. Casa do atirador tinha publicações da TJs O líder religioso procurou minimizar esse fato ao ressaltar que Wellington foi seguidor da crença apenas no início de sua adolescência. Ele não disse até que ano Wellington foi um devoto. Na casa do atirador, a polícia encontrou várias publicações editadas pela religião. (foto) Essa foi a primeira manifestação da TJs desde que Wellington invadiu no dia 7 de abril uma escola e matou 12 estudantes e ferindo outros. Oliveira fez as declarações em resposta a um ex-TJ (e suposto amigo do atirador) ouvido pelo UOL. Segundo esse ex-fiel, Wellington se manteve na religião até 2008. Por essa versão, Wellington, que estava com 23 anos, permaneceu na crença até os 20 anos. Ou seja, já era adulto, e não um pré-ad

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Valdemiro pede 10% do salário que os fiéis gostariam de ter

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Jornalista defende liberdade de expressão de clérigo e skinhead

Título original: Uma questão de hombridade por Hélio Schwartsman para Folha "Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos"  Disputas eleitorais parecem roubar a hombridade dos candidatos. Se Fernando Haddad e José Serra fossem um pouco mais destemidos e não tivessem transformado a busca por munição contra o adversário em prioridade absoluta de suas campanhas, estariam ambos defendendo a necessidade do kit anti-homofobia, como aliás fizeram quando estavam longe dos holofotes sufragísticos, desempenhando funções executivas. Não é preciso ter o dom de ler pensamentos para concluir que, nessa matéria, ambos os candidatos e seus respectivos partidos têm posições muito mais próximas um do outro do que da do pastor Silas Malafaia ou qualquer outra liderança religiosa. Não digo isso por ter aderido à onda do politicamente correto. Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos. Acredito que clérigos e skinheads devem ser l

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Maioria jamais será ateia nem fiel da Iurd, diz padre Marcelo

Para Rossi, Deus não reconhece casal de gays como família O jornal Correio da Manhã, de Portugal, perguntou ao padre Marcelo Rossi (foto): - O que o assustaria mais: um Brasil que deixasse de crer em Deus ou um Brasil crente em que a Iurd fosse maioritária? A resposta foi enfática: - Não acredito que isso possa acontecer. Nunca. O Brasil não vai deixar que isso aconteça. Rossi foi evasivo ao responder se está ou não preocupado com o avanço no Brasil dos evangélicos protestantes. “Há igrejas e igrejas”, disse. “Uma coisa são as igrejas tradicionais evangélicas e outra são as seitas.” O padre foi entrevistado por Leonardo Ralha a propósito do lançamento em Portugal do seu livro 'Ágape'. Ele disse ter ficado surpreso com das vendas do livro no Brasil – mais de sete milhões de exemplares, contra a expectativa dele de um milhão. Atribuiu o sucesso do livro à sua tentativa de mostrar às pessoas um resumo dos dez mandamentos: “amar a Deus sobre todas as