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Igreja se valeu de 'maldição' dos negros para lucrar com a escravidão

Livro expõe o envolvimento de papas no comércio de pessoas escravizadas 

O historiador e padre nigeriano Pius Adiele Onyemechi, que mora na Alemanha há 20 anos, aprendeu português para pesquisar em Lisboa, entre outros endereços, o comércio de negros escravizados que durou 400 anos.

Com base em documentos, ele escreveu um livro comprovando que a Igreja Católica obteve lucro com esse abominável comércio, e o Brasil, como é notório, foi um dos principais pontos de chegada dos navios negreiros.

Os jesuítas tinham ou financiam navios negreiros que transportavam a valiosa mercadoria do Congo, Luanda e São Tomé para o Brasil. Aqui, os escravizados eram vendidos para fazendeiros e parte deles ia para as plantações de padres.

O livro de 590 páginas de Onyemechi chama-se The Popes, the Catholic Church and the Transatlantic Enslavement of Black Africans 1418-1839, sem previsão de tradução para o português.

De uma montanha de documentos com fatos, nomes e datas, Onyemechi descobriu que “os papas abusaram de um trecho da Bíblia para lucrar com o comércio de escravos”. 

A Igreja se fundamentou no capítulo 9 do Gênesis, onde está a revelação de que Noé, depois do dilúvio, amaldiçoou o caçula dos seus três filhos, Cam, porque que viu o pai pelado e riu.

A descendência do “amaldiçoado” Cam, que povoou a região onde hoje é a África, foi condenada a ser “serva” da linhagem dos outros dois filhos de Noé — Sem e Jafé. Até hoje, no Brasil, há devotos dessa versão.

Em 1873, conta Onyemechi, o papa Pio IX convocou os devotos a rezarem para que fosse retirada a maldição sobre os africanos. Ou de povos “escravos por natureza”, conforme já tinha assentado o filósofo Aristóteles.

A versão da existência de um povo maldito por endossada por luminares da Igreja Católica, como Basílio de Cesareia (329 – 379), Gregório de Nissa (330 – 395), João Crisóstomo (347 – 407), São Tomás (1225 – 1274), Santo Ambrósio (1386 – 1439) e o ainda hoje influente Santo Agostinho (354 – 430), para quem a escravidão está associada ao pecado original.

Igreja financiava navios
e o transporte de negros,
os quais para ela não
eram seres humanos

Portugal teve grande envolvimento no comércio de escravizados, em parceria com a Igreja Católica. Tanto que o Brasil, colônia portuguesa, foi um dos principais pontos de chegada dos navios negreiros.

Investido de sua “autoridade apostólica”, o papa Nicolau V concedeu ao rei português Afonso V a permissão para reduzir à escravidão todos os inimigos do cristianismo.

Em 18 de junho de 1452, o papa expediu uma bula afirmando:

[...] Nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa autoridade apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo, onde quer que estejam, com também seus reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades [...] e reduzir suas pessoas à perpétua escravidão, e apropriar e converter em seu uso e proveito e de seus sucessores, os reis de Portugal, em perpétuo, os supramencionados reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades, possessões e bens semelhantes [...]".

Onyemechi, que exerce seu ministério em uma paróquia alemã formada pela junção de outras cinco. relembra no livro que a Igreja Católica reconheceu os africanos como humanos somente em 1839, quando alguns países, como a Inglaterra, já não mais operavam com o negócio. Mas o Brasil, com o apoio da Igreja, continuou importando escravizados até 1856, quando chegou ao Espírito Santo um carregamento com 400 negros.


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