Pular para o conteúdo principal

Amigos de Twitter e seguidores de uma pessoa podem indicar risco de depressão

Cientistas da USP usam inteligência artificial e rede social para montar modelo indicativo de transtorno mental

LUCIANA CONSTANTINO | Agência FAPESP
jornalista

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) estão usando inteligência artificial e uma das maiores plataformas do mundo, o Twitter, para tentar criar modelos de predição de ansiedade e depressão que, no futuro, podem dar sinais desses transtornos antes do diagnóstico clínico.

A construção da base de dados, chamada SetembroBR, foi um primeiro passo e está descrita em artigo publicado na revista científica Language Resources and Evaluation. O nome é uma homenagem ao movimento Setembro Amarelo – uma campanha de prevenção ao suicídio realizada anualmente – e também pelo fato de a coleta de dados ter começado em um mês de setembro.

Na segunda etapa do trabalho, ainda em desenvolvimento, os cientistas conseguiram alguns resultados preliminares. Entre eles, o que aponta ser possível detectar se uma pessoa apresenta maior risco de vir a desenvolver depressão apenas com base na rede social de amigos e seguidores, ou seja, sem levar em conta as postagens feitas pelo próprio indivíduo.

A base criada pelo grupo engloba informações relacionadas a texto (em português) e à rede de conexões de 3,9 mil usuários do Twitter que, posteriormente ao levantamento, relataram diagnóstico ou tratamento de transtorno mental. O corpus (ou a coletânea de informações sobre determinado tema) inclui todos os tweets públicos escritos por esses usuários individualmente – sem retuítes –, totalizando cerca de 47 milhões desses pequenos textos.

“Inicialmente fizemos uma coleta nas timelines em um trabalho artesanal, analisando textos de cerca de 19 mil usuários do Twitter, o que corresponde quase à população de uma pequena cidade. E depois usamos dois conjuntos – uma parte de usuários realmente diagnosticados com transtornos mentais e outra aleatória, que serviu de controle. Queríamos diferenciar pessoas com depressão e a população em geral”, explica Ivandre Paraboni, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP) e autor correspondente do artigo.

Indivíduo com
depressão tende
a falar mais sobre
ele mesmo

Além dos usuários, a pesquisa coletou textos da rede de amigos e de seguidores. Isso porque é comum uma pessoa que tenha algum tipo de transtorno mental seguir determinadas contas, como fóruns de discussão ou alguma celebridade que publicamente assumiu estar com depressão. 

“Essas pessoas se atraem porque têm interesses comuns”, completa Paraboni, que é pesquisador associado do Centro de Inteligência Artificial (C4AI), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído por FAPESP e IBM Brasil na USP.

A Fundação também apoia o estudo por meio do projeto “Análise da linguagem em redes sociais para detecção precoce de transtornos de saúde mental”, liderado por Paraboni.

Distúrbios de saúde mental, entre eles depressão e ansiedade, têm sido apontados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma preocupação crescente no mundo. Estimativas do órgão calculam que cerca de 3,8% da população – ou 280 milhões de pessoas – é afetada pela depressão, de acordo com dados de 2021.

Com a pandemia de Covid-19, período em que os textos do Twitter foram coletados pelos pesquisadores, houve um aumento de 25% na prevalência global de ansiedade e depressão.

No Brasil, estudo recente do Ministério da Saúde envolvendo 784 mil participantes revelou que 11,3% dos brasileiros já foram diagnosticados com depressão, sendo a maior parte mulheres.

Pesquisas anteriores mostraram que transtornos mentais muitas vezes se refletem na linguagem usada por indivíduos que sofrem dessas condições, o que levou à realização de número considerável de trabalhos envolvendo Processamento de Linguagem Natural (NLP, na sigla em inglês), com foco em depressão, ansiedade e transtorno bipolar, entre outros. Porém, a maior parte foi realizada para a língua inglesa, nem sempre refletindo o perfil brasileiro.

Para realizar o estudo, o grupo da USP submeteu o corpus textual a procedimentos de pré-processamento e limpeza de dados para remover hashtags, URLs, emoticons e caracteres fora do padrão, mas mantendo a escrita original.

Foram utilizados métodos de aprendizado profundo (do inglês deep learning) para criar quatro classificadores de texto e embeddings de palavras individualizadas ou dependentes de contexto usando modelos baseados em transformers do tipo BERT (um algoritmo de aprendizado profundo). Esses modelos correspondem a uma rede neural que aprende o contexto e o significado com o monitoramento de relações em dados sequenciais, como palavras em uma frase.

Como entrada, foi utilizada uma amostra de 200 tweets selecionados aleatoriamente de cada usuário. Os parâmetros são definidos executando cinco vezes a validação cruzada dos dados de treinamento e calculando os resultados médios.

 pronomes na primeira pessoa, como “eu” e “mim”, o que na psicologia é um indicativo clássico de depressão

A pesquisa detectou que os modelos de transformers do tipo BERT foram os que tiveram melhor desempenho nas tarefas de previsão de depressão e transtorno de ansiedade. A diferença entre ele e a segunda melhor alternativa, a LogReg, foi estatisticamente significativa.

Uso de pronomes
na primeira pessoa
é indicativo clássico
de depressão

Como os modelos analisam sequências de palavras ou frases inteiras, observou-se que indivíduos com depressão, por exemplo, tendem a falar de assuntos relacionados a eles mesmos, usando expressões e verbos na primeira pessoa, e temas como morte, crise e psicólogo.

“Os indicativos de depressão que aparecem no consultório não são necessariamente os mesmos que estão na rede social. Por exemplo: percebemos, de maneira bem forte, o uso na rede de pronomes na primeira pessoa, como “eu” e “mim”, o que na psicologia é um indicativo clássico de depressão. Mas também constatamos uma incidência alta entre os usuários depressivos da utilização do símbolo de coraçãozinho, o emoji da afetividade, que talvez ainda não esteja caracterizado na psicologia”, afirma Paraboni.

O professor destaca que os textos foram coletados totalmente anonimizados. “Não divulgamos nenhum tweet nem o nome de usuários. Tomamos o cuidado de nem os próprios alunos envolvidos no projeto terem acesso a dados de usuários para proteger a identidade das pessoas”, diz.

Agora, além de ampliar a base de dados, os pesquisadores trabalham para refinar a técnica computacional empregada e aprimorar os modelos iniciais visando, no futuro, uma ferramenta que talvez possa vir a ser aplicada na prática. Poderia auxiliar tanto em uma eventual triagem inicial de pessoas com indicativos de transtornos como ajudar pais, familiares e amigos de jovens com risco de depressão e ansiedade.

O Brasil é o terceiro país que mais consome redes sociais no mundo, segundo levantamento divulgado no início de março pela Comscore, atrás de Índia e Indonésia e à frente de Estados Unidos, México e Argentina.

São 131,5 milhões de usuários conectados no país durante 46 horas por mês, em média, o que representa quase dois dias inteiros. As redes mais acessadas pelos brasileiros são YouTube, Facebook, Instagram, TikTok, Kwai e Twitter, que recentemente mudou suas regras, além de passar a cobrar por alguns tipos de serviços.

> O artigo SetembroBR: a social media corpus for depression and anxiety disorder prediction pode ser lido neste link.

O CVV É UM SERVIÇO DE PREVENÇÃO AO SUICÍDIO.
Tel: 188, chat, email, endereço

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Onde Deus estava quando houve o massacre nos EUA?

Deixe a sua opinião aí embaixo, no espaço de comentários.

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Papa afirma que casamento gay ameaça o futuro da humanidade

Bento 16 disse que as crianças precisam de "ambiente adequado" O papa Bento 16 (na caricatura) disse que o casamento homossexual ameaça “o futuro da humanidade” porque as crianças precisam viver em "ambientes" adequados”, que são a “família baseada no casamento de um homem com uma mulher". Trata-se da manifestação mais contundente de Bento 16 contra a união homossexual. Ela foi feita ontem (9) durante um pronunciamento de ano novo a diplomatas no Vaticano. "Essa não é uma simples convenção social", disse o papa. "[Porque] as políticas que afetam a família ameaçam a dignidade humana.” O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) ficou indignado com a declaração de Bento 16, que é, segundo ele, suspeito de ser simpático ao nazismo. "Ameaça ao futuro da humanidade são o fascismo, as guerras religiosas, a pedofilia e o abusos sexuais praticados por membros da Igreja e acobertados por ele mesmo", disse. Tweet Com informação

Pastor mirim canta que gay vai para o inferno; fiéis aplaudem

Garoto tem 4 anos Caiu na internet dos Estados Unidos um vídeo onde, durante um culto, um menino de quatro anos canta aos fiéis mais ou menos assim: “Eu sei bem a Bíblia,/Há algo de errado em alguém,/Nenhum gay vai para o céu”. Até mais surpreendente do que a pregação homofóbica do garotinho foi a reação dos fiéis, que aplaudiram de pé, em delírio. Em uma versão mais longa do vídeo, o pai, orgulhoso, disse algo como: “Esse é o meu garoto”. A igreja é a Apostólica do Tabernáculo, do pastor Jeff Sangl, de Greensburg, Indiana. Fanático religioso de amanhã Íntegra do vídeo. Com informação da CBS . Pais não deveriam impor uma religião aos filhos, afirma Dawkins. julho de 2009 Intolerância religiosa no Brasil

Cristãos xingam aluna que obteve decisão contra oração

Jessica sofre hostilidades desde meados de 2011 Uma jovem mandou pelo Twitter uma mensagem para Jessica Ahlquist (foto): “Qual é a sensação de ser a pessoa mais odiada do Estado? Você é uma desgraça para a raça humana.”  Outra pessoa escreveu: “Espero que haja muitos banners [de oração] no inferno quando você lá estiver apodrecendo, ateia filha da puta!” Jessica, 16, uma americana de Cranston, cidade de 80 mil habitantes de maioria católica do Estado de Rhode Island, tem recebido esse tipo de mensagem desde meados de 2011, quando recorreu à Justiça para que a escola pública onde estuda retirasse uma oração de um mural bem visível, por onde passam os alunos. Ela é uma ateia determinada e leva a sério a Constituição americana, que estabelece a separação entre o Estado e a religião. Os ataques e ameaças a Jessica aumentaram de tom quando um juiz lhe deu ganho de causa e determinou a retirada da oração. Nos momentos mais tensos, ela teve de ir à escola sob a proteção da

Anglicano apoia união gay e diz que Davi gostava de Jônatas

Dom Lima citou   trechos da Bíblia Dom Ricardo Loriete de Lima (foto), arcebispo da Igreja Anglicana do Brasil, disse que apoia a união entre casais do mesmo sexo e lembrou que textos bíblicos citam que o rei Davi dizia preferir o amor do filho do rei Saul ao amor das mulheres. A data de nascimento de Davi teria sido 1.040 a.C. Ele foi o escolhido por Deus para ser o segundo monarca de Israel, de acordo com os livros sagrados hebraicos. Apaixonado por Jônatas, ele é tido como o único personagem homossexual da Bíblia. Um dos trechos os quais dom Lima se referiu é I Samuel 18:1: “E sucedeu que, acabando ele de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a alma de Davi; e Jônatas o amou, como a sua própria alma”. Outro trecho, em Samuel 20:41: “E, indo-se o moço, levantou-se Davi do lado do sul, e lançou-se sobre o seu rosto em terra, e inclinou-se três vezes; e beijaram-se um ao outro, e choraram juntos, mas Davi chorou muito mais”. Em II Samuel 1:26, fica claro p

Adventista obtém direito de faltar às aulas na sexta e sábado

Quielze já estava faltando e poderia ser reprovada Quielze Apolinario Miranda (foto), 19, obteve do juiz Marcelo Zandavali, da 3ª Vara Federal de Bauru (SP), o direito de faltar às aulas às sextas-feiras à noite e aos sábados. Ela é fiel da Igreja Adventista do Sétimo Dia, religião que prega o recolhimento nesses períodos. A estudante faz o 1º ano do curso de relações internacionais da USC (Universidade Sagrado Coração), que é uma instituição fundada por freiras na década de 50. Quielze corria o risco de ser reprovada porque já não vinha comparecendo às aulas naqueles dias. Ela se prontificou com a direção da universidade em apresentar trabalhos escolares para compensar a sua ausência. A USC, contudo, não aceitou com a alegação de que não existe base legal para isso. Pela decisão do juiz, a base legal está expressa nos artigos 5º e 9º da Constituição Federal e na lei paulista nº 12.142/2005, que asseguram aos cidadãos a liberdade de religião. Zandavali determinou

Na última entrevista, Hitchens falou da relação Igreja-nazismo

Hitchens (direita) concedeu  a última entrevista de  sua vida a Dawkins da  New Statesman Em sua edição deste mês [dezembro de 2011], a revista britânica "New Statesman" traz a última entrevista do jornalista, escritor e crítico literário inglês Christopher Hitchens, morto no dia 15 [de dezembro de 2011] em decorrência de um câncer no esôfago.