Pular para o conteúdo principal

Feminismo não mais defende as mulheres porque nega as especificidades dos gêneros

O movimento que se formou para defender o feminino agora atua no sentido de que a mulher se torne "um homem como os outros"

'É um equívoco achar ser
possível às mulheres obter
a paridade de direitos apenas
negando serem mulheres'
 
Foto da pessoa LUCETTA SCARAFFIA
escritora

O grande historiador Eric Hobsbawm escreveu — vários atrás anos — que a única revolução vitoriosa do século XX foi a das mulheres, e a grande transformação que envolveu a mulheres no mundo ocidental, sem dúvida, confirma essa afirmação.
 
Hoje as mulheres alcançaram a igualdade com os homens em todos os campos da vida social, obtiveram o livre controle sobre seu corpo, mudaram as leis e a forma de considerar a violência sexual. Sobre isso não há dúvida. Mas uma questão permanece em aberto: que tipo de feminismo se afirmou, qual projeto político de liberação das mulheres venceu?

As primeiras feministas, aquelas que reivindicavam o voto e o acesso à educação, defendiam a especificidade feminina, ou seja, a maternidade. Argumentavam que as mulheres nunca abririam mão do dom precioso de serem mães, e que precisamente isso as tornava portadoras e testemunhas de uma moral mais alta que a masculina, uma moral altruísta, que pregava o dom gratuito, a paz e o cuidado dos fracos.

Paralelamente, porém, foi avançando também outra linha política feminista: aquela das mulheres que pensavam que alcançar a igualdade significava tornar-se como os homens e, portanto, negar, ou pelo menos colocar em segundo plano, o específico feminino, ao seja, a maternidade. 

Essa é a corrente que assumiu o controle após a Segunda Guerra Mundial, quando, após a obtenção do voto, o acesso à cultura e às profissões masculinas, como medicina e advocacia, as mulheres deslocaram seus objetivos de luta para a liberdade sexual, a começar pela liberdade de não ter filhos. Basicamente, livrar-se do fardo da maternidade que as impedia de ser como os homens.

Sua luta foi profundamente influenciada pela revolução sexual, em ato desde os anos Trinta, que prometia uma sociedade feliz se fossem abolidas as leis que impediam – especialmente para as mulheres — a liberdade sexual.

Para isso o objetivo primário das lutas dos anos Setenta na Europa foi o direito ao aborto. Ou seja, não a descriminalização das leis que puniam as mulheres, e somente as mulheres, no caso de interrupção voluntária da gravidez, mas a efetiva reivindicação do aborto — que muda de nome tornando-se IVG (interrupção voluntária da gravidez) – como um direito.

Um direito que nos movimentos feministas rapidamente assume o primeiro lugar entre todos os direitos, ou seja, é considerado o habeas corpus da liberdade feminina. Tanto que as Nações Unidas consideram a liberdade de aborto como o principal indicador do grau de liberdade das mulheres em cada país, em detrimento de outros indicadores mais importantes como o acesso à cultura e ao trabalho. Chegando assim a considerar positivamente países como a China — onde o aborto é obrigatório pelo estado – ou o Irã, onde é considerado obrigatório em fases alternadas.

Certamente teria sido mais adequado considerar como o direito fundador da igualdade das mulheres a lei contra o estupro, que reconhece o direito da vítima de obter justiça como pessoa.

Graças aos movimentos feministas, de fato, o estupro — antes considerado em todos os países como uma transgressão à moral pública — tornou-se crime contra a pessoa, reconhecendo assim a liberdade de cada um de dispor do próprio corpo, de recusar uma relação sexual imposta. Essa mudança da legislação restituiu a palavra e a dignidade às vítimas, e serviu para mudar a mentalidade atual.

Considerar o aborto o principal direito que atesta a liberdade da mulher, por outro lado, não me parece ter sido uma boa ideia: logo depois os movimentos feministas começaram uma fase de declínio, atribuível apenas em parte ao fato de ter alcançado em quase todo país os objetivos propostos. Esse "quase", aliás, é muito pesado. O demonstra o fato de que ainda existe uma distância entre salário feminino e salário masculino para o mesmo posto de trabalho, e sobretudo que é muito difícil para as trabalhadoras terem filhos sem cair em uma espiral de desgaste contínuo.

A queda dramática da natalidade que, mais ou menos, atinge todos os países ocidentais avançados, ou seja, aqueles em que se afirmou a revolução das mulheres, demonstra que a escolha de seguir o modelo masculino, ao invés de defender a especificidade feminina, especialmente a maternidade, gerou fortes problemas sociais. E certamente não deixou as mulheres mais felizes e que, em grande número, tiveram que adiar a possibilidade de ter filhos tanto que muitas vezes a perdem completamente.

Hoje, as jovens mulheres podem fazer os mesmos estudos que os homens, têm as mesmas oportunidades profissionais, mas não podem superar o limite natural de sua fertilidade, que diminui ou desaparece com o passar dos anos, de forma que muitas vezes se veem obrigadas a renunciar à maternidade.

É preciso lembrar, de fato, que a procriação assistida, que requer um bombardeio hormonal prejudicial tanto para a aspirante a mãe quanto para o eventual filho, é bem sucedido apenas para 30%, e cada vez menos com o passar dos anos.

Essa tentativa das mulheres de se tornarem "um homem como os outros" estendeu-se posteriormente ao cancelamento da identidade sexual. Na última fase feminista, de fato, tentou-se tornar mais evidente e garantida a igualdade propondo um cancelamento da identidade sexual biológica. Com a teoria do gênero, o pertencimento biológico foi substituído por uma simples escolha individual. Basicamente, apaga-se assim a existência da especificidade feminina, como se fosse possível às mulheres obter a paridade de direitos apenas negando serem mulheres.

Associada a essa desvalorização da maternidade está a difusão da prática da barriga de aluguel, sancionada por alguns movimentos feministas que a denunciam como uma nova escravidão do corpo feminino, mas considerada por outros um exercício de liberdade. 

Enquanto a nova liberdade concedida aos jovens, até mesmo adolescentes, de mudar sua identidade sexual, para se tornarem quem eles sentem que são ou quem preferem ser, está registrando principalmente passagens da identidade feminina para a masculina. Sinal, portanto, de que as jovens continuam a pensar que é melhor ser homens que mulheres. Mais uma prova de que os movimentos feministas, desde que esqueceram a defesa da especificidade feminina, impediram uma transformação social verdadeiramente adequada às mulheres. 

Ainda temos muitas batalhas a travar e a teoria de gênero não é uma solução.

> Esse artigo foi publicado originalmente no La Stampa, jornal italiano. A tradução para o português é Luisa Rabolini para o IHU Online. Lucetta Scaraffia é integrante do Comitê Italiano de Bioética e professora da Universidade de Roma La Sapienza.

Comentários

CBTF disse…
Caramba, como essa Lucetta escreve besteira, sabia que o jornal La Stampa era de perfil conservador, mas isso que ela disse é simplesmente uma viagem pela filosofia da Terra Plana.
Daniel R disse…
É um besteirol recheado de fake news escrito por uma fanática religiosa (e misógina). Impressionante é isso ser publicado pelo Paulo como algo sério.
Pois eu concordo com a autora e vejo isso há muito tempo, a mulher, ao invés de querer tão-somente, e com toda justiça, ter os mesmos direitos e oportunidades dos homens, estar a se transformar em homens, em mimetizar, inclusive e principalmente, os piores defeitos masculinos.
muito ruim essa fala. totalmente equivocada desde o enunciado.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Em vídeo, Malafaia pede voto para Serra e critica Universal e Lula

Malafaia disse que Lula está fazendo papel de "cabo eleitoral ridículo" A seis dias das eleições, o pastor Silas Malafaia (foto), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, gravou um vídeo de 8 minutos [ver abaixo] pedindo votos para o candidato à prefeitura de São Paulo José Serra (PSDB) e criticou a Igreja Universal e o ex-presidente José Inácio Lula da Silva. Malafaia começou criticando o preconceito que, segundo ele, existe contra pastor que emite opinião sobre política, o mesmo não ocorrendo com outros cidadãos, como operários, sindicalistas, médicos e filósofos. O que não pode, afirmou, é a Igreja, como instituição, se posicionar politicamente. “A Igreja é de Jesus.” Ele falou que tinha de se manifestar agora porque quem for para o segundo turno, se José Serra ou se Fernando Haddad, é quase certeza que será eleito, porque Celso Russomanno está caindo nas pesquisas por causa do apoio que tem recebido da Igreja Universal. Afirmou que apoia Serra na expectativa de...

Pai-nosso nas escolas de Rio Preto afronta o Estado laico. Escolas não são templos cristãos

Drauzio Varella afirma por que ateus despertam a ira de religiosos

Eu tinha 6 anos e minha avó estava me benzendo. Então tudo mudou: me tornei cético

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Conar cede a religiosos e veta Jesus de anúncio da Red Bull

Mostrar Jesus andando no rio é uma 'ofensa ' O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) se curvou diante da censura religiosa e suspendeu o anúncio da Red Bull que apresenta uma versão bem humorada de um dos milagres de Jesus. Ao analisar cerca de 200 reclamações, o órgão concluiu que o anúncio “desrespeita um objeto da fé religiosa”. O “desrespeito” foi Jesus ter dito que, na verdade, ele não andou sobre as águas, mas sobre as pedras que estavam no rio. Religiosos creem em milagres, mas impor essa crença a um anúncio é atentar contra a liberdade de expressão de uma sociedade constituída pela diversidade cultural e religiosa. O pior é que, pela decisão do Conar, a censura se estende aos futuros anúncios da Red Bull, os quais não poderão “seguir a mesma linha criativa”. Ou seja, a censura religiosa adotada pelo Conar “matou”, nesse caso, a criatividade antes mesmo de sua concepção — medida típica de regimes teocráticos. "Jesus...

Padre Marcelo diz não gostar de gatos porque eles são traiçoeiros

Verdades absolutas da religião são incompatíveis com a política

por Marcelo Semer para o Terra Magazine   Dogmas religiosos não estão sob o  escrutínio popular No afã de defender Marco Feliciano das críticas recebidas por amplos setores da sociedade, o blogueiro de Veja, Reinaldo Azevedo, disse que era puro preconceito o fato de ele ser constantemente chamado de pastor. Infelizmente não é. Pastor Marco Feliciano é o nome regimental do deputado, como está inscrito na Câmara e com o qual disputou as últimas eleições. Há vários casos de candidatos que acrescentam a sua profissão como forma de maior identificação com o eleitorado, como o Professor Luizinho ou ainda a Juíza Denise Frossard. Marco Feliciano não está na mesma situação –sua evocação é um claro chamado para o ingresso da religião na política, que arrepia a quem quer que ainda guarde a esperança de manter intacta a noção de estado laico. A religião pode até ser um veículo para a celebração do bem comum, mas seu espaço é nitidamente diverso. Na democracia, ...

No no no no no no no no no

No no no no no no no no no No no no no no no no no no No no no no no no no no no No no no no no no no no no No no no no no no no no no No no no no no no no no no No no no no no no no no no No no no no no no no no no Referente à condenação de padre pastor por violentar uma jovem, o antigo texto deste espaço foi publicado em 2008 e o sistema de publicidade em 2020 o considerou "conteúdo perigoso ou depreciativo", pedinho  alteração em sua íntegra para que continuasse a exibição de anúncios.  Não havia nada de perigo ou depreciativo na reportagem, apenas o relato do que ocorreu, Jornalismo puro. No no no no no no no no no No no no no no no no no no No no no no no no no no no No no no no no no no no no No no no no no no no no no No no no no no no no no no No no no no no no no no no No no no no no no no no no