Pular para o conteúdo principal

Furto de comida por faminto nem sempre é tido como insignificante pela Justiça

Embora praticado por quem tem fome, o furto de alimentos pode ter sentença de até 3,5 anos de prisão 


ALANA GANDRA
jornalista
Agência Brasil

Um estudo da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) sobre registros de ocorrência policial e de processos judiciais envolvendo acusações de prática de crime de furto constatou que, em grande parte dos casos, naqueles referentes a artigos de primeira necessidade, quando levados a julgamento, não houve observância do princípio da insignificância pelos juízes. O crime de furto é previsto no Artigo 155 do Código Penal.

A defensoria lançou o Relatório sobre Aplicação do Princípio da Insignificância no Caso de Furto de Itens Alimentícios e de Higiene no Rio de Janeiro.

Segundo o relatório, foram levantados 4.175 registros de prática do crime de furto ocorridos durante a pandemia da Covid-19, de 2020 e até o primeiro semestre de 2021, período entendido como de aumento da vulnerabilidade e de insegurança alimentar. 

Dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil mostraram que cerca de 19 milhões de pessoas viviam em situação de fome no país em 2020, contra 10,3 milhões, em 2018. Isso significa que, em dois anos, ocorreu aumento de 84,4%.

Os registros foram classificados de acordo com o tipo de objeto furtado e o preço a ele atribuído, tendo por base o salário mínimo da época, que era de R$ 1.045 em 2020 e de R$ 1.100 no ano seguinte. 

Os dados têm como fonte as audiências de custódia e os processos judiciais abertos no período e que tiveram atuação de defensores públicos. 

O maior número de casos foi de furto de metal, como fios de cobre, tampas de bueiro e grades, com 1.073 prisões. Em seguida, foram analisados registros relativos ao furto de alimentos, bebidas e artigos de higiene: 943, em que os defensores públicos têm maior certeza da destinação.

Princípio

Em entrevista à Agência Brasil, a subcoordenadora de Defesa Criminal da DPRJ, Isabel Schprejer, informou que o princípio da insignificância não existe na lei escrita brasileira, embora a existência desse conceito esteja consolidada na jurisprudência, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Segundo o estudo da DPRJ, houve decisões que não aplicaram o princípio da insignificância por não existir na lei.

“Algumas decisões entenderam que a ausência de previsão legal afasta o princípio de insignificância”, disse Isabel.

De acordo com o trabalho, os casos mais frequentes foram os de furtos de alimentos, bebidas ou itens de higiene pessoal no estado que envolveram valores de até 10% do salário mínimo, embora haja decisões que englobam até 20% do mínimo. 

Uma em cada quatro (25,6%) ocorrências por furto de alimentos, bebidas ou itens de higiene pessoal envolveu valores de até 10% do salário mínimo. 

Nas audiências de custódia, a maioria das ocorrências resultou em liberdade provisória, mas, quando os casos foram julgados, 32% dos acusados foram condenadas, com penas de até três anos e meio. O princípio da insignificância foi reconhecido e aplicado em 55% das sentenças.

Julgamento geralmente
desconsidera o que
leva uma pessoa a
furtar alimentos

Para Isabel Schprejer, a questão da reincidência ou de anotações criminais anteriores, com processos em andamento, às vezes já é suficiente para os juízes condenarem, mesmo que o valor do produto furtado seja baixo ou até irrisório. 

“A conclusão da pesquisa foi que a reincidência, ou os antecedentes criminais, têm condenação e são, realmente, o maior empecilho para o reconhecimento do princípio da insignificância.”

Segundo a defensora, isso é contraditório, por se tratar de pessoas em situação de vulnerabilidade e que têm mais chance de cometer furtos de forma reiterada. 

“Acaba não tendo uma atenção para essas pessoas no direito penal. Não se vê o quadro total da vida daquela pessoa e o que está acontecendo. Sabemos que existe uma situação de insegurança alimentar muito grande, especialmente depois da pandemia.”

Reconhecimento

O objetivo do estudo é chamar a atenção para a necessidade de reconhecimento do princípio da insignificância nos casos de furto de artigos de primeira necessidade. “Porque a Defensoria não tinha ainda uma pesquisa sobre o princípio da insignificância, porque muitos dos processos que tramitam hoje versam sobre furto e, muitos sobre furto de alimentos, bebidas e artigos de higiene, que são de pequeno valor”, reforçou Isabel.

Do total de 943 ocorrências classificadas como furto de alimentos, bebidas e itens de higiene, 241 correspondiam a objetos com valor de até R$ 110 (25,6%). Desses, 83,8% dos acusados (202) receberam liberdade provisória, com ou sem fiança, na audiência de custódia ou após a análise do flagrante, durante o período que tais audiências ficaram suspensas.

Das 39 pessoas mantidas presas nesse período, oito tiveram a preventiva revista ao longo do processo. Dos 943 registros de furto de artigos de primeira necessidade examinados, 43% (159 casos) tinham preços equivalentes a até 20% do salário mínimo. Nos casos em que o bem furtado valia entre 10% e 20% do mínimo, houve condenação em 57% dos processos, com penas variando entre quatro meses e seis anos de reclusão.

“Os furtos, na maioria das vezes, ficam nessa faixa, com valor baixo, e o que a gente vê é que é de material de subsistência mesmo”. Observaram-se também casos de pessoas que furtaram caixas de bombons para revenda, com valor auferido destinado para suprir necessidades básicas.” Isabel Schprejer considerou que seria interessante encaminhar o relatório para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). “Pode ser interessante enviarmos, sim.”

No estudo, a Defensoria Pública analisou os casos até a sentença, ou primeira fase, mas não os recursos impetrados, porque a ideia era ver o comportamento dos juízes de primeiro grau. Isabel admitiu que, em outra etapa, a pesquisa pode vir a abranger o que houve depois com esses casos. 

A defensora disse acreditar que muitas penas de seis anos tenham sido reformadas. No caso da pena de seis anos, ela destacou que o acusado era reincidente ou tinha antecedentes, e as duas razões parecem ser suficientes, ao olhar dos juízes, para que não se aplique o princípio da insignificância, nem se atribuam penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade.

“Na verdade, não é feita uma análise global do caso da pessoa; ela não é encaminhada para a assistência social, por exemplo. E a pena é aplicada. Não é vista a situação da pessoa, por que está cometendo vários furtos em supermercados e furtos de pequeno valor? É para alimentar os filhos? Isso não é analisado quando a pessoa responde a um processo penal”, destacou a subcoordenadora de Defesa Criminal da DPRJ. A motivação não tem grande ênfase na visão dos julgadores, concluiu

> Com informação da Justiça do Ceará e de outras fontes.

• Pastor afirma que 'mendigos têm dever bíblico de passar fome'

Justiça do Ceará absolve pai de 7 filhos que furtou arroz para família

Vídeo mostra a miséria de uma dizimista da Igreja Universal

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Em vídeo, Malafaia pede voto para Serra e critica Universal e Lula

Malafaia disse que Lula está fazendo papel de "cabo eleitoral ridículo" A seis dias das eleições, o pastor Silas Malafaia (foto), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, gravou um vídeo de 8 minutos [ver abaixo] pedindo votos para o candidato à prefeitura de São Paulo José Serra (PSDB) e criticou a Igreja Universal e o ex-presidente José Inácio Lula da Silva. Malafaia começou criticando o preconceito que, segundo ele, existe contra pastor que emite opinião sobre política, o mesmo não ocorrendo com outros cidadãos, como operários, sindicalistas, médicos e filósofos. O que não pode, afirmou, é a Igreja, como instituição, se posicionar politicamente. “A Igreja é de Jesus.” Ele falou que tinha de se manifestar agora porque quem for para o segundo turno, se José Serra ou se Fernando Haddad, é quase certeza que será eleito, porque Celso Russomanno está caindo nas pesquisas por causa do apoio que tem recebido da Igreja Universal. Afirmou que apoia Serra na expectativa de...

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Wyllys luta contra a 'poderosa direita religiosa', diz Guardian

Jornal dedicou texto de 700 palavras ao deputado Wyllys disse que se sente como um Don Quixote O jornal britânico The Guardian afirmou que o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), 37, na foto, tem sido um guerreiro contra a poderosa direita religiosa brasileira. Nesse embate, afirmou o jornal, “o primeiro deputado federal assumidamente homossexual do Brasil precisa de todo o apoio que puder conseguir”. Comparou Wyllys a Havey Milk (1930-1978), que foi o primeiro político gay assumido dos Estados Unidos  - ele foi assassinado. Wyllys disse ao The Guardian que às vezes, nessa batalha, se sente como dom Quixote. “É uma batalha difícil de combater, mas essa é a minha vocação.” Ele afirmou que pregadores radicais evangélicos avançaram “silenciosamente nos corações e mentes” dos brasileiros. “Agora, estamos começando a perceber a força política em que se tornaram.” Para o deputado, os pastores radicais estão com “as mãos sujas de sangue” porque a sua pregação ince...

Padre Marcelo diz não gostar de gatos porque eles são traiçoeiros

Igreja Católica já foi perseguida de gatos Em missa para mais de dez mil fiéis e com transmissão pela TV, o padre Marcelo disse no começo de outubro de 2011 que gosta de cachorro, mas não de gato porque se trata de um bicho traiçoeiro. O padre tem três cachorro e foi mordido pelo vira-lata de sua mãe.

Redes sociais fazem piada com pastor cheirador de Bíblia

Imagem ilustra convite para "Quarta Louca por Jesus" “Carreira gospel”, “ao pó voltarás” e “essa droga é a pior de todas” são algumas das piadas e trocadilhos feitos no Facebook e em outras redes sociais sobre a imagem onde o pastor Lúcio Barreto  aparece cheirando uma Bíblia. Trata-se de um convite para o culto “Quarta Louca por Jesus”, que o pastor celebra para jovens na Igreja Missão Evangélica Praia da Costa, em Vila Velha, no Espírito Santo. "A loucura não tem fim", diz o convite. Alguns evangélicos acham que o pastor exagerou ao associar a Bíblia a uma droga. Lucinho, como o pastor é chamado, é da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte. Ele foi procurado por jornalistas para falar sobre a repercussão de sua imagem de “cheirador de Bíblia”, mas não foi encontrado, porque se encontra nos Estados Unidos. O pastor Simonton Araújo, presidente da Missão Evangélica Praia da Costa, disse que o objetivo da imagem é convencer os jovens drogados que ...

Malafaia se refere a Wyllys como deputado ‘safado, mentiroso’

Malafaia disse que ser gay  é um comportamento O pastor Silas Malafaia (foto), 53, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, se referiu como “safado, mentiroso” ao deputado federal segundo o qual a igreja evangélica causa tortura física e psicológica quando se propõe a curar a homossexualidade. Ele não citou o nome do único deputado federal assumidamente gay, Jean Wyllys (PSOL-RJ). Foi esse deputado que recentemente acusou igrejas de causarem  sofrimento aos gays ao considerarem a homossexualidade uma doença que tem cura. Malafaia, que é formado em psicologia, afirmou que “a igreja não cura”, mas propicia a “libertação” [da homossexualidade]. Para ele, “ninguém nasce homossexual” porque se trata de “um comportamento como tantos outros”, a ponto, inclusive, de haver ex-gays. “Existe uma associação de ex-gays”, disse o pastor ao portal iG. “O cara que preside foi travesti em Roma, com silicone no peito e na bunda (ri). Ele é casado há dez anos.” Ele acusou, mais...

Drauzio Varella afirma por que ateus despertam a ira de religiosos

Livro mostra o que a Bíblia tem de bizarro, hilário e perturbador

O jornalista americano David Plotz ficou surpreso ao descobrir na Bíblia que Deus tem obsessão por carecas.