Janaína Bastos, autora do Cinquenta Tons de Racismo, defende que, no Brasil, o racismo está no imaginário, indo, portanto, além do branco e do preto
ANTONIO CARLOS QUINTO | Jornal da USP
jornalista
Após estudar as complexidades do racismo no Brasil em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Educação (FE) da USP, foram necessários mais dois anos para que a educadora e pesquisadora Janaína Bastos transpusesse suas análises para o livro Cinquenta Tons de Racismo: mestiçagem e polarização racial no Brasil, que acaba de ser lançado pela Matrix Editora.
“Trata-se de uma ‘reorganização’ da tese para o grande público, contendo a síntese dos dados da minha pesquisa”, afirma Bastos.
Na tese intitulada "Na trama da branquitude mestiça: a formação de professores à luz do letramento racial e os meandros da branquitude brasileira", defendida em 2021, a pesquisadora teve a orientação da professora Mônica Guimarães Teixeira do Amaral, da FE.
O livro, de acordo com Janaína, também é uma atualização da pesquisa, visto que ela consultou fontes históricas e mais autores sobre o tema.
Concluída em março e lançada em julho deste 2023, a obra traz dados de interesse público e pretende explicar o fenômeno da mestiçagem.
jornalista
Após estudar as complexidades do racismo no Brasil em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Educação (FE) da USP, foram necessários mais dois anos para que a educadora e pesquisadora Janaína Bastos transpusesse suas análises para o livro Cinquenta Tons de Racismo: mestiçagem e polarização racial no Brasil, que acaba de ser lançado pela Matrix Editora.
“Trata-se de uma ‘reorganização’ da tese para o grande público, contendo a síntese dos dados da minha pesquisa”, afirma Bastos.
Na tese intitulada "Na trama da branquitude mestiça: a formação de professores à luz do letramento racial e os meandros da branquitude brasileira", defendida em 2021, a pesquisadora teve a orientação da professora Mônica Guimarães Teixeira do Amaral, da FE.
O livro, de acordo com Janaína, também é uma atualização da pesquisa, visto que ela consultou fontes históricas e mais autores sobre o tema.
Concluída em março e lançada em julho deste 2023, a obra traz dados de interesse público e pretende explicar o fenômeno da mestiçagem.
“Trata-se de um lugar conflituoso em nosso imaginário racial. Afinal, a questão racial no Brasil não se resolve com explicações binárias ou simplistas”, reflete a pesquisadora.
Um dos principais objetivos do livro, segundo a autora, é que as pessoas tenham acesso a esse conhecimento para que consigam, de alguma forma, desconstruir essa hierarquia social partindo da realidade, e sem uma perspectiva negacionista ou reducionista.
Bastos acredita ser possível resolver o problema do racismo no Brasil.
Um dos principais objetivos do livro, segundo a autora, é que as pessoas tenham acesso a esse conhecimento para que consigam, de alguma forma, desconstruir essa hierarquia social partindo da realidade, e sem uma perspectiva negacionista ou reducionista.
Bastos acredita ser possível resolver o problema do racismo no Brasil.
“Enquanto se negava que o coronavírus existia, não se encaminhou uma solução. Vejo que o racismo não é visto em toda a sua complexidade. É preciso olhar a diversidade dos casos para se pensar numa solução”, diz.
É o que traz a obra, que ainda aborda a violência de gênero. “Falamos desse tema no começo do livro e como o colonialismo teve a marca da violência contra a mulher, sobretudo indígena ou negra. É fundamental olharmos para a nossa realidade”, recomenda Janaína.
“O que denomino privilégios são algumas concessões dadas às pessoas percebidas como brancas, ou como quase brancas, de pele nem tão preta, mesmo que de forma implícita. Posso citar como exemplo algumas situações em que o preconceito e discriminação no tratamento aos negros deixam de existir para essas pessoas”, descreve.
“Se uma ou mais pessoas negras, passeando num shopping luxuoso, podem chamar a atenção de forma negativa, isso pode não ocorrer com as pessoas não negras, aquelas de pele mais clara, mas que não chegam a ser, de fato, sempre percebidas como brancas”, exemplificou na época.
“Existe uma pressão implícita para que o indivíduo se autodeclare branco ou negro. Contudo, um mesmo sujeito pode ser percebido como branco em um lugar, e como negro em outro. E, claro, se o mesmo for percebido como branco, poderá ter alguns privilégios. E o embranquecimento permite isso.”
Em sua tese, Bastos destacou a importância do letramento racial de educadores, que pode ajudar no combate à discriminação. Utilizando em seu estudo o método da pesquisa-ação, a educadora desenvolveu um projeto de formação de professores na área das relações raciais.
Durante dois anos, os docentes foram acompanhados por Bastos, por meio de reuniões semanais nas quais essa temática era discutida.
Como resultado, os professores que desenvolveram o letramento racial passaram a melhor perceber como a questão da discriminação racial ocorre no dia a dia.
Na opinião da autora, esse letramento é importante para todas as raças e os docentes puderam transmitir aos alunos referências negras positivas. “Os estudantes passaram a perceber que não precisariam ‘embranquecer’ para ter dignidade”, destaca.
Por meio de oficinas e filmes, foi possível perceber mudanças nos professores. Inclusive, nas formas de discurso. “No início, eles tinham dificuldade até em falar a palavra ‘negro’.” Houve até o caso de um professor que se autodeclarava branco e que, tempos depois, já se dizia pardo. Enfim, os docentes passaram a ter o hábito de falar sobre o assunto. Até mesmo os professores autodeclarados brancos perderam o medo de abordar a questão”, lembra.
A pesquisadora explica que o letramento racial é a habilidade de perceber e compreender como a questão do imaginário que existe em torno da raça afeta a nossa experiência, sendo que, para isso, o diálogo é fundamental.
“O que não é um trabalho fácil. Apesar da busca do letramento, por si só, já romper com o negacionismo em torno do racismo, temos que tomar cuidado para não cair em uma abordagem reducionista da questão. É preciso considerar as diferentes experiências, para que as pessoas possam se sentir validadas e assim falar sobre o assunto, a fim de que possamos chegar a uma solução real do problema.”
É o que traz a obra, que ainda aborda a violência de gênero. “Falamos desse tema no começo do livro e como o colonialismo teve a marca da violência contra a mulher, sobretudo indígena ou negra. É fundamental olharmos para a nossa realidade”, recomenda Janaína.
A discriminação no tratamento aos negros deixa de existir para as pessoas pardas
Bastos vai às raízes de um “racismo à brasileira” para explicar o fenômeno da mestiçagem. Em seu estudo, levando-se em conta dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em que mais de 50% da população brasileira se autodeclara negra, ela que nessa maioria há pessoas mestiças, de pele nem tão preta. “São aquelas que se autodeclaram pardas, nas quais a mestiçagem se mostra mais evidente”, descreveu a educadora na reportagem publicada no Jornal da USP sobre a sua tese de doutorado, em que ela investigou a branquitude brasileira e os lugares de privilégios que as pessoas não negras – brancas e “mestiças”, estas últimas por vezes percebidas como brancas − acabam ocupando.“O que denomino privilégios são algumas concessões dadas às pessoas percebidas como brancas, ou como quase brancas, de pele nem tão preta, mesmo que de forma implícita. Posso citar como exemplo algumas situações em que o preconceito e discriminação no tratamento aos negros deixam de existir para essas pessoas”, descreve.
“Se uma ou mais pessoas negras, passeando num shopping luxuoso, podem chamar a atenção de forma negativa, isso pode não ocorrer com as pessoas não negras, aquelas de pele mais clara, mas que não chegam a ser, de fato, sempre percebidas como brancas”, exemplificou na época.
“Existe uma pressão implícita para que o indivíduo se autodeclare branco ou negro. Contudo, um mesmo sujeito pode ser percebido como branco em um lugar, e como negro em outro. E, claro, se o mesmo for percebido como branco, poderá ter alguns privilégios. E o embranquecimento permite isso.”
Em sua tese, Bastos destacou a importância do letramento racial de educadores, que pode ajudar no combate à discriminação. Utilizando em seu estudo o método da pesquisa-ação, a educadora desenvolveu um projeto de formação de professores na área das relações raciais.
Durante dois anos, os docentes foram acompanhados por Bastos, por meio de reuniões semanais nas quais essa temática era discutida.
Como resultado, os professores que desenvolveram o letramento racial passaram a melhor perceber como a questão da discriminação racial ocorre no dia a dia.
Na opinião da autora, esse letramento é importante para todas as raças e os docentes puderam transmitir aos alunos referências negras positivas. “Os estudantes passaram a perceber que não precisariam ‘embranquecer’ para ter dignidade”, destaca.
Por meio de oficinas e filmes, foi possível perceber mudanças nos professores. Inclusive, nas formas de discurso. “No início, eles tinham dificuldade até em falar a palavra ‘negro’.” Houve até o caso de um professor que se autodeclarava branco e que, tempos depois, já se dizia pardo. Enfim, os docentes passaram a ter o hábito de falar sobre o assunto. Até mesmo os professores autodeclarados brancos perderam o medo de abordar a questão”, lembra.
A pesquisadora explica que o letramento racial é a habilidade de perceber e compreender como a questão do imaginário que existe em torno da raça afeta a nossa experiência, sendo que, para isso, o diálogo é fundamental.
“O que não é um trabalho fácil. Apesar da busca do letramento, por si só, já romper com o negacionismo em torno do racismo, temos que tomar cuidado para não cair em uma abordagem reducionista da questão. É preciso considerar as diferentes experiências, para que as pessoas possam se sentir validadas e assim falar sobre o assunto, a fim de que possamos chegar a uma solução real do problema.”
> Esse texto foi publicado originalmente com o título Racismo no Brasil, que vai além do branco e do preto, precisa ser mais bem compreendido.
• Mais da metade da população já presenciou ato de racismo
• Racismo religioso de evangélicos sufoca cultura de quilombos de Pernambuco
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