A imunidade tributária, cujo objetivo é assegurar a liberdade religiosa da população, transformou-se em ocasião de enriquecimento
EDITORIAL DO ESTADO DE S.PAULO
O tema exige muito cuidado. A liberdade religiosa é um enorme bem para a sociedade, parte essencial dos direitos fundamentais. Sem liberdade religiosa, não há cidadania. Além disso, grandes conquistas civilizatórias foram motivadas por ideais religiosos, como o movimento abolicionista no século 19.
O Estado laico não tem uma religião oficial. Ele é absolutamente incompetente para fazer qualquer afirmação em matéria teológica. Consequentemente, ele também não vê as religiões — nenhuma delas — como inimigas.
Ao contrário, reconhecendo a profunda atuação social e humanitária de tantos credos, o poder público trabalha em parceria com muitas igrejas em várias áreas, como saúde e educação. Mais do que uma relação de oposição ou de conflito, o Estado Democrático de Direito – mantendo-se rigorosamente isento nas questões especificamente religiosas — vislumbra nas igrejas uma realidade humana e social que merece ser preservada e respeitada.
Esse é o espírito consagrado na Constituição de 1988, que reconheceu e protegeu a liberdade religiosa. Vendo nas diversas manifestações religiosas um importante bem social, o legislador constituinte estabeleceu a imunidade tributária das igrejas. “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto”, diz o art. 150, VI, b.
Esse é o espírito consagrado na Constituição de 1988, que reconheceu e protegeu a liberdade religiosa. Vendo nas diversas manifestações religiosas um importante bem social, o legislador constituinte estabeleceu a imunidade tributária das igrejas. “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto”, diz o art. 150, VI, b.
Ver no fenômeno religioso, seja qual for sua matriz espiritual ou filosófica, uma oposição ao Estado Democrático de Direito é manifestamente inconstitucional: é reconhecer que não se entendeu nada sobre a liberdade própria de uma democracia. O Estado contemporâneo não vem dizer como os cidadãos devem viver – em que devem acreditar ou como devem amar –, e sim assegurar o espaço de liberdade para que cada um, respeitando a lei e os direitos dos outros, viva como bem entender.
As religiões fazem parte do passado, do presente e do futuro do País, de modo que integram nosso patrimônio histórico, arquitetônico, social e cultural, mas todo esse panorama formidável não esconde o fato de que, sob aparência de fenômeno religioso, há muita gente aproveitando-se da condição de vulnerabilidade de outros cidadãos para fins políticos e financeiros. No Brasil, fundar uma igreja virou, muitas vezes, um lucrativo negócio.
As religiões fazem parte do passado, do presente e do futuro do País, de modo que integram nosso patrimônio histórico, arquitetônico, social e cultural, mas todo esse panorama formidável não esconde o fato de que, sob aparência de fenômeno religioso, há muita gente aproveitando-se da condição de vulnerabilidade de outros cidadãos para fins políticos e financeiros. No Brasil, fundar uma igreja virou, muitas vezes, um lucrativo negócio.
A imunidade tributária, cujo objetivo é assegurar a liberdade religiosa da população, transformou-se em ocasião de enriquecimento. Não é nenhum exagero: ao longo das últimas décadas, lideranças religiosas acumularam milhões.
Em 2022, criticou-se, neste espaço, “o uso abusivo do estatuto especial das igrejas para fazer proselitismo eleitoral” (ver o editorial Púlpito não é palanque eleitoral, do dia 13/8/2022). Além de constituir uma manipulação de liberdades fundamentais, a prática é vedada pela legislação eleitoral. O problema já foi tratado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em 2022, criticou-se, neste espaço, “o uso abusivo do estatuto especial das igrejas para fazer proselitismo eleitoral” (ver o editorial Púlpito não é palanque eleitoral, do dia 13/8/2022). Além de constituir uma manipulação de liberdades fundamentais, a prática é vedada pela legislação eleitoral. O problema já foi tratado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Segundo o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), algum limite às atividades eclesiásticas é “medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”.
O País não pode fingir que o problema da manipulação religiosa não existe, sob pena de permitir a exploração de cidadãos por seus iguais. Não é fácil estabelecer critérios para a distinção entre o que é religião e o que é instrumentalização da religião. Mas não cabe abdicar dessa tarefa. Só será possível defender efetivamente a liberdade religiosa se, enquanto sociedade, soubermos o que não é liberdade religiosa.
O País não pode fingir que o problema da manipulação religiosa não existe, sob pena de permitir a exploração de cidadãos por seus iguais. Não é fácil estabelecer critérios para a distinção entre o que é religião e o que é instrumentalização da religião. Mas não cabe abdicar dessa tarefa. Só será possível defender efetivamente a liberdade religiosa se, enquanto sociedade, soubermos o que não é liberdade religiosa.
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Comentários
Um exemplo notável são as Testemunhas de Jeová, que se distinguem pela ausência de uma hierarquia eclesiástica remunerada. Seus líderes atuam de forma voluntária, dedicando seu tempo e energia ao serviço religioso sem qualquer busca por benefícios financeiros. Em vez de se imiscuírem em questões políticas, concentram-se nas práticas de sua fé, na análise das Escrituras e na disseminação de suas crenças.
Ao evitar impor seus códigos éticos à sociedade em geral, as Testemunhas de Jeová demonstram respeito pela diversidade de convicções e valores presentes na comunidade. Essa abordagem reflete consideração pela autonomia individual e pelo direito das pessoas de tomar suas próprias decisões éticas. Ao não buscar influência política, elas também contribuem para a salvaguarda da liberdade religiosa, tanto para si mesmas quanto para outras denominações religiosas. A decisão de não remunerar seus líderes também reduz a possibilidade de corrupção interna ou motivações financeiras que possam distorcer os princípios espirituais que guiam a comunidade.
Por último, compartilho da opinião de que definir critérios para distinguir entre religião legítima e instrumentalização da religião não é uma tarefa simples. No entanto, um ponto de partida válido seria a análise objetiva e livre de preconceitos das posturas políticas adotadas por cada religião. Somente o Estado possui os recursos necessários para supervisionar as instituições religiosas de maneira imparcial.
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