A abordagem da casa legislativa da cidade paulista desvia-se do mérito da decisão do Tribunal de Justiça — o Princípio da Laicidade
A Câmara Municipal de Artur Nogueira (SP) interpôs recurso extraordinário contra o acórdão do Órgão Especial do TJ (Tribunal de Justiça) que derrubou a leitura bíblica na abertura das sessões. Invocou a incidência do tema 1120 da Repercussão Geral, que se refere à inconstitucionalidade por vícios no processo legislativo.
Não é o caso. O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) não imputou nenhum vício na elaboração do regimento interno da Câmara Municipal, apenas ressaltando que o artigo que falava em "fazer leitura bíblica" viola à laicidade do Estado.
A norma pode ter sido aprovada em um processo legislativo perfeitamente regular, e ser inconstitucional, o que é o caso.
Além disso, a questão posta no recurso não foi prequestionada no acórdão recorrido, ou seja, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não construiu tese sobre o artigo 29, inciso IX da Constituição Federal, que a Procuradoria da Câmara invocou, e nem a Câmara opôs Embargos de Declaração para forçar a discussão da tese (o Recurso desatende à Súmula 356 do Supremo Tribunal Federal).
Observa-se que o recurso não ataca os fundamentos do acórdão, os quais assentam na violação ao Princípio da Laicidade (artigo 19, inciso I da Constituição Federal), sendo inepto neste ponto por não infirmar todas as conclusões alcançadas pelo acórdão para julgar procedente a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade).
O recurso até poderia alegar que o Regimento Interno é ato interna corporis, mas deveria ter um capítulo demonstrando que a "leitura bíblica" não violaria à laicidade estatal, o que não foi feito, logo, é inadmissível pela súmula 283-STF, posto que não impugna todos os fundamentos do Acórdão recorrido).
Apenas alega que a "leitura bíblica" seria um ato interna corporis da Câmara Municipal, algo que, certo ou errado, ela teria o poder de fazer, e somente a própria Câmara poderia mudar.
Não é assim que funciona. O Ministério Público pode e deve fiscalizar o teor de qualquer norma jurídica, principalmente quanto aponta inconstitucionalidade material, e não apenas formal.
É o pior Recurso Extraordinário que já vi nessa matéria. O da Câmara Municipal de Piracicaba chegou a ser admitido pela presidência do TJ-SP, mas teve o seguimento negado pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski (que se aposentou).
O recurso da Câmara Municipal de São Carlos foi sobrestado, até que se julgue o Tema 1086 da Repercussão Geral (ostentação de símbolos religiosos em prédios públicos), mas esse da Câmara Municipal de Artur Nogueira não deve passar sequer no exame de admissibilidade no TJ-SP.
EDUARDO BANKS
jornalista e ativista dalaicidade de Estado
A Câmara Municipal de Artur Nogueira (SP) interpôs recurso extraordinário contra o acórdão do Órgão Especial do TJ (Tribunal de Justiça) que derrubou a leitura bíblica na abertura das sessões. Invocou a incidência do tema 1120 da Repercussão Geral, que se refere à inconstitucionalidade por vícios no processo legislativo.
Não é o caso. O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) não imputou nenhum vício na elaboração do regimento interno da Câmara Municipal, apenas ressaltando que o artigo que falava em "fazer leitura bíblica" viola à laicidade do Estado.
A norma pode ter sido aprovada em um processo legislativo perfeitamente regular, e ser inconstitucional, o que é o caso.
Além disso, a questão posta no recurso não foi prequestionada no acórdão recorrido, ou seja, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não construiu tese sobre o artigo 29, inciso IX da Constituição Federal, que a Procuradoria da Câmara invocou, e nem a Câmara opôs Embargos de Declaração para forçar a discussão da tese (o Recurso desatende à Súmula 356 do Supremo Tribunal Federal).
Vereadores resistem em acatar a laicidade de Estado determinada pela Constituição Foto: divulgação |
Observa-se que o recurso não ataca os fundamentos do acórdão, os quais assentam na violação ao Princípio da Laicidade (artigo 19, inciso I da Constituição Federal), sendo inepto neste ponto por não infirmar todas as conclusões alcançadas pelo acórdão para julgar procedente a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade).
O recurso até poderia alegar que o Regimento Interno é ato interna corporis, mas deveria ter um capítulo demonstrando que a "leitura bíblica" não violaria à laicidade estatal, o que não foi feito, logo, é inadmissível pela súmula 283-STF, posto que não impugna todos os fundamentos do Acórdão recorrido).
Apenas alega que a "leitura bíblica" seria um ato interna corporis da Câmara Municipal, algo que, certo ou errado, ela teria o poder de fazer, e somente a própria Câmara poderia mudar.
Não é assim que funciona. O Ministério Público pode e deve fiscalizar o teor de qualquer norma jurídica, principalmente quanto aponta inconstitucionalidade material, e não apenas formal.
É o pior Recurso Extraordinário que já vi nessa matéria. O da Câmara Municipal de Piracicaba chegou a ser admitido pela presidência do TJ-SP, mas teve o seguimento negado pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski (que se aposentou).
O recurso da Câmara Municipal de São Carlos foi sobrestado, até que se julgue o Tema 1086 da Repercussão Geral (ostentação de símbolos religiosos em prédios públicos), mas esse da Câmara Municipal de Artur Nogueira não deve passar sequer no exame de admissibilidade no TJ-SP.
• Eduardo Banks se destaca como ativista em defesa do Estado laico
• Estado laico não é contra Deus nem a favor
Comentários
Não esquecendo de incluir OUTROS livros religiosos, afinal, há ou não liberdade religiosa? Ou melhor, de crença ou não crença? Logo esotéricos, místicos, wicca, ateístas, céticos etc.
Ou seja, independete de ferir a laicidade, seria impraticável ter que recintar por haver TANTAS da própria Bíblia e outras.
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