Pular para o conteúdo principal

Vítimas de abuso do ex-jesuíta Rapunik critica indiferença da Igreja Católica

O papa Francisco não respondeu a quatro cartas enviadas no dia 15 de setembro por sobreviventes 


FEDERICA TOURN
jornalista
Domani

Numa carta aberta, dirigida ao papa Francisco, as vítimas do ex-jesuíta Marko Rupnik – acusado de ter abusado de pelo menos 20 mulheres – reagiram com desdém ao relatório final da visita canônica ao Centro Aletti que reabilitou o padre e questionou a sua excomunhão.

"Este relatório, que exonera Rupnik de qualquer responsabilidade, ridiculariza a dor das vítimas, mas também de toda a Igreja, mortalmente ferida por tamanha arrogância ostentosa".

Estas são as palavras de algumas vítimas de Marko Rupnik, que numa carta aberta ao Papa reagem com desdém ao relatório final da visita canônica ao Centro Aletti, divulgado pela diocese de Roma.

"Os fatos e comunicados de imprensa ocorridos nos últimos dias – a audiência privada, posteriormente tornada pública através de imagens que apareceram online, concedida pelo papa a Maria Campatelli, ex-religiosa da Comunidade Loyola e atual presidente do Centro Aletti; e o comunicado divulgado com o relatório final da visita canônica realizada à comunidade do Centro Aletti — esses fatos nos deixam sem palavras, sem voz para gritar nossa consternação, nosso escândalo", escrevem os sobreviventes da violência do antigo Jesuíta na carta publicada hoje no site Italy Church Too.

É a coordenação contra os abusos na Igreja Católica, nascida em fevereiro de 2022 em apoio a todas as vítimas da violência clerical. 

Mosaico da basílica de Aparecida
é de autoria do padre acusado de
abuso sexual e psicológico
FOTO: DIVULGAÇÃO

A indiferença da igreja Para os signatários, a audiência papal em Campatelli e o relatório diocesano que absolve o trabalho do Centro Aletti são um sinal claro da indiferença da Igreja para com as vítimas: "reconhecemos que a 'tolerância zero aos abusos na Igreja' tem sido apenas uma campanha publicitária, que foi seguida apenas por ações muitas vezes ocultas, que apoiaram e encobriram os autores dos abusos", lê-se no texto.

Além do papa, a carta - que pode ser assinada e que denuncia a dupla violência sofrida pelas vítimas, primeiro por parte de Rupnik e depois pela Igreja, que repetidamente as ignorou - é dirigida também ao cardeal Angelo De Donatis, ao presidente da CEI Matteo Zuppi e ao cardeal João Braz de Aviz, prefeito do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.

"A declaração da diocese, apoiando plenamente o trabalho do Centro Aletti, também reabilita o seu fundador e é a última tentativa descarada do Cardeal De Donatis para salvar Rupnik, com a plena aprovação do papa", explica ao Domani Fabrizia Raguso, professora de psicologia da Universidade Católica de Braga, Portugal, ex-irmã da Comunidade Loyola e primeira signatária da carta aberta.

Os primeiros relatos de abuso contra Rupnik surgiram na Comunidade Loyola em 1994. As denúncias deram origem à divisão na Comunidade: algumas irmãs permaneceram com a superiora Ivanka Hosta e outras, incluindo a própria Campatelli, seguiram Rupnik para fundar o Centro Aletti em Roma. 

Hosta, diz mais adiante na carta, “durante 30 anos encobriu as atrocidades de Rupnik e reduziu à
escravidão espiritual aqueles que se opunham aos seus planos de vingança”.

• Francisco sabia dos abusos do padre Rupnik. Por que não o puniu antes?

A Comunidade Loyola foi colocada sob comissário em dezembro de 2020 e a sua situação canónica encontra-se atualmente pendente pelo Dicastério competente, apesar do relatório final do comissário, o bispo jesuíta Daniele Libanori, que destacou graves casos de manipulação de consciência por parte do superior. 

Verifica-se, portanto, claramente que o padre esloveno gozava de uma rede de proteção de várias pessoas (nomeadamente do então arcebispo de Ljubljana, Alojzij Šuštar), que já há 30 anos estavam conscientes dos seus abusos, mas nada fizeram para os impedir.

"Imagino que por trás desta defesa total de Rupnik e dos seus seguidores existam também interesses econômicos – continua Raguso – porque o Centro Aletti é uma associação pública de fiéis da diocese e arrecada somas importantes graças à produção e venda dos mosaicos". 

Vítimas acham que Francisco
não está sendo firme o
suficiente contra Rupnik

A ressonância mundial das denúncias contra o ex-jesuíta já levou a um declínio nos pedidos de novas obras e em vários países, da França à Suíça e à Grã-Bretanha, começam a discutir-se sobre a oportunidade de remover os mosaicos deixados pelo ateliê de arte do Centro Aletti.

As palavras das vítimas

A carta aberta também foi apoiada por algumas ex-freiras que testemunharam sobre Domani sob pseudônimo e que agora decidiram expor-se publicamente com o seu próprio nome. "Mais de 30 anos se passaram desde os abusos sofridos na Comunidade Loyola – diz Gloria Branciani ao Domani – um tempo insuportável porque apesar de todos os testemunhos, das denúncias, dos fatos narrados com esforço e dor, hoje ainda não existo para o Igreja. Os fatos são prescritos, mas as pessoas não, e nem a nossa dor. Por esta razão, sinto o dever cívico e moral de continuar a testemunhar a verdade dos factos, mesmo que possam parecer desagradáveis e inapropriados para alguns”.

“Mais uma vez querem forçar-nos ao silêncio, mas a verdade não pode ser apagada”, acrescenta outra sobrevivente, Vida Bernard

O papa Francisco, que acolheu calorosamente Maria Campatelli no Vaticano no dia 15 de setembro (um encontro “jogado na cara das vítimas”), no entanto nunca respondeu às quatro cartas que tantas freiras e ex-freiras da Comunidade Loyola lhe tinham enviado em julho de 2021. É profunda a amargura das vítimas perante o tratamento diferenciado recebido do papa: “Não há lugar nesta Igreja para quem se lembra de verdades incômodas”, concluem.

• Aparecida desiste de obra de padre acusado de abusos. Mas mantém uma fachada

• Igrejas da França removem vitrais criados por padre acusado de abuso de crianças

• Um a cada dez padres do Brasil abusa de criança, diz relatório confidencial do Vaticano

Comentários

CBTF disse…
A ICAR não só é conivente com a pedofilia, como insere essa prática criminosa dentro do próprio sistema clerical, essa cultura de coroinhas por exemplo, isso é doentio.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Líder religioso confirma que atirador foi da Testemunhas de Jeová

O superintendente do Circuito Rio de Janeiro-07 da Testemunhas de Jeová, Antônio Marcos Oliveira, confirmou ao UOL que Wellington Menezes de Oliveira, o atirador do Realengo, frequentou um templo da religião na Zona Oeste da cidade. Casa do atirador tinha publicações da TJs O líder religioso procurou minimizar esse fato ao ressaltar que Wellington foi seguidor da crença apenas no início de sua adolescência. Ele não disse até que ano Wellington foi um devoto. Na casa do atirador, a polícia encontrou várias publicações editadas pela religião. (foto) Essa foi a primeira manifestação da TJs desde que Wellington invadiu no dia 7 de abril uma escola e matou 12 estudantes e ferindo outros. Oliveira fez as declarações em resposta a um ex-TJ (e suposto amigo do atirador) ouvido pelo UOL. Segundo esse ex-fiel, Wellington se manteve na religião até 2008. Por essa versão, Wellington, que estava com 23 anos, permaneceu na crença até os 20 anos. Ou seja, já era adulto, e não um pré-ad

Valdemiro pede 10% do salário que os fiéis gostariam de ter

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Maioria jamais será ateia nem fiel da Iurd, diz padre Marcelo

Para Rossi, Deus não reconhece casal de gays como família O jornal Correio da Manhã, de Portugal, perguntou ao padre Marcelo Rossi (foto): - O que o assustaria mais: um Brasil que deixasse de crer em Deus ou um Brasil crente em que a Iurd fosse maioritária? A resposta foi enfática: - Não acredito que isso possa acontecer. Nunca. O Brasil não vai deixar que isso aconteça. Rossi foi evasivo ao responder se está ou não preocupado com o avanço no Brasil dos evangélicos protestantes. “Há igrejas e igrejas”, disse. “Uma coisa são as igrejas tradicionais evangélicas e outra são as seitas.” O padre foi entrevistado por Leonardo Ralha a propósito do lançamento em Portugal do seu livro 'Ágape'. Ele disse ter ficado surpreso com das vendas do livro no Brasil – mais de sete milhões de exemplares, contra a expectativa dele de um milhão. Atribuiu o sucesso do livro à sua tentativa de mostrar às pessoas um resumo dos dez mandamentos: “amar a Deus sobre todas as

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Presidente do STJ nega que tenha proibido enfeites de Natal

Pargendler disse que a notícia foi veiculada sem que ele fosse ouvido Com atualização em 14/12/2011  Ari Pargendler (foto), presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), emitiu nota hoje (14/12) negando que tenha proibido a colocação de enfeites de Natal nas dependências desta Corte. A notícia, que agora se revela falsa, foi divulgada no dia 11 pelo jornalista Claudio Humberto, do Jornal do Brasil, com a explicação de que a decisão de Pargendler tinha sido para cumprir a Constituição, que estabelece a laicidade do Estado. Pargendler também desmentiu informação publicada na Folha de S.Paulo segundo a qual ninguém mais poderia usar no STJ “sandálias tipos gladiador” e “calças jeans”. Na verdade, de acordo com a nota do presidente do STJ, a proibição só vale para o uso de chinelos “tipo havaianas”. Com informação do STJ . Liga de Lésbicas do Sul pede a retirada de crucifixos de prédios públicos. outubro de 2011 Religião no Estado laico.

Jornalista defende liberdade de expressão de clérigo e skinhead

Título original: Uma questão de hombridade por Hélio Schwartsman para Folha "Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos"  Disputas eleitorais parecem roubar a hombridade dos candidatos. Se Fernando Haddad e José Serra fossem um pouco mais destemidos e não tivessem transformado a busca por munição contra o adversário em prioridade absoluta de suas campanhas, estariam ambos defendendo a necessidade do kit anti-homofobia, como aliás fizeram quando estavam longe dos holofotes sufragísticos, desempenhando funções executivas. Não é preciso ter o dom de ler pensamentos para concluir que, nessa matéria, ambos os candidatos e seus respectivos partidos têm posições muito mais próximas um do outro do que da do pastor Silas Malafaia ou qualquer outra liderança religiosa. Não digo isso por ter aderido à onda do politicamente correto. Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos. Acredito que clérigos e skinheads devem ser l

Igreja Católica muda ou acaba, afirma teólogo Mário França

Igreja está desgastada por ser centralizada, disse França Se a Igreja Católica não mudar, se, por exemplo, continuar a condenar a homossexualidade, a camisinha e os contraceptivos e impedir o casamento de padres, ela vai acabar. Essa é a opinião do teólogo Mário França, 76, professor da PUC-Rio e ex-integrante da Comissão Teológica do Vaticano, onde permaneceu por 11 anos. Em entrevista ao jornal “O Globo”, França defendeu o surgimento de uma nova Igreja que esteja sob o controle dos laicos, e não tanto como é hoje, dominada pela hierarquia e ortodoxias de Roma — uma estrutura que representa uma “traição” à Igreja primitiva. “A Igreja não pode excluir, tem de atender a todo mundo”, afirmou. “Todos são iguais, não tem homem, mulher, judeu, gentio ou escravo e senhor”. Ele afirmou que o laicado perdeu importância quando a Igreja adotou uma estrutura monárquica, copiando um pouco o império romano. “Foi consequência da chegada dos príncipes, que começaram a nomear parentes