Pular para o conteúdo principal

6 de cada 10 italianos de 30 anos não acreditam em Deus. A Igreja Católica tem salvação?

A fé está desaparecendo progressivamente e a religião recuando com ela; cristianismo caminha para o fim


MARCO MARZANO
sociólogo italiano e professor
da Universidade de Bérgamo

Domani
site italiano

O cardeal Ruini, e com ele muitos dos cientistas sociais que por muito tempo deram eco às suas palavras, dizia a respeito da secularização, isto é, do distanciamento progressivo das pessoas da religião, que a Itália era uma exceção. Segundo aquele que por muito tempo foi o chefe dos bispos Italianos, o país teria liderado o renascimento do catolicismo no continente europeu.

Nunca uma profecia foi tão errada. A enésima confirmação vem dos resultados de uma interessante pesquisa promovida pela revista católica Il Regno e realizada sob a supervisão de dois sociólogos muito respeitados, Arturo Parisi e Paolo Segatti.

A pesquisa apresenta-se como uma réplica de uma anterior, realizada há quase 15 anos, em 2009. As perguntas do questionário permaneceram as mesmas e igualmente representativa de toda a população italiana também foi a grande amostra de entrevistados: 1.500 na primeira pesquisa, 2010 na segunda.

O primeiro dado é inequívoco: em 2009, mais de 81% dos entrevistados definiam-se como católicos, em 2023, o número caiu para menos de 73%. Uma queda vertical de dimensões consideráveis, à qual correspondeu um aumento igualmente impressionante na quantidade de ateus e de não crentes, que passaram de 6,2% em 2009 para 15,9% em 2023.

A prática

Os indicadores de participação ativa na vida da Igreja Católica também vão na mesma direção. O número daqueles que declaram frequentar a missa todos os domingos quase caiu pela metade em menos de 15 anos: eram 28% da amostra em 2009, são apenas 18% em 2023 (e leva-se em conta que, como outras pesquisas mostraram, as pessoas que realmente frequentam a missa são sempre menos daquelas que, respondendo a uma pesquisa, afirmam frequentar).

O número daqueles que declaram nunca ir à missa, nem uma vez por ano, dobrou desde 2009, passando de 19% para 37% e, portanto, acaba incluindo uma parte substancial daqueles que se declaram católicos.

A fé

O declínio na prática religiosa católica diz respeito a todas as gerações, mas torna-se clamoroso no caso dos mais novos. Entre os nascidos depois de 1981 o número de praticantes regulares cai abaixo de 10%, enquanto o número daqueles que declaram acreditar em Deus cai, entre os nascidos depois de 1990, abaixo dos 40% (permanecendo em torno de 50 para os nascidos depois de 1981).

Em toda a Europa há
igrejas abandonadas

Um dado ainda mais surpreendente é representado pelo fato de, em duas faixas etárias, a dos nascidos nas décadas de 1970 e 1980, o número de mulheres praticantes regulares é inferior ao dos homens: a chamada "fuga das quarentonas" (para citar o título de um popular livro de Dom Armando Matteo) é, portanto, realidade e não lenda.

É verdade que a quantidade de mulheres que se definem ateias ou não crentes é inferior ao número dos homens, mas o seu distanciamento da Igreja é forte e crescente e, em algumas gerações, ultrapassa o masculino. 

Em suma, crescem entre as mulheres formas de crenças que não passam mais pela filiação ao catolicismo. É um dado amplamente conhecido pelas hierarquias que, no entanto, não têm de forma alguma os meios para deter o êxodo, mantendo intacto o quadro normativo e político atual.

Esse é, portanto, o cenário: credível, sensato e não muito diferente de outros elaborados nos últimos anos por outros grupos de pesquisa. 

A primeira pergunta que surge espontaneamente após a leitura desses números é a seguinte: o que a Igreja Católica pode fazer para inverter a tendência, para ver aumentar o número de pessoas que participam de seus ritos, para conquistar a atenção agora quase completamente perdida das gerações jovens?

A resposta é: nada. A secularização é um fenômeno generalizado em todos os países europeus, uma realidade que não diz respeito apenas à frequência à igreja, mas que diz respeito à própria fé em Deus. Isso é confirmado por outro número oferecido pela pesquisa de Parisi e Segatti: aqueles que afirmam acreditar na existência de Deus passaram de 72% para 57% de 2009 para 2023, e aqueles que acreditam sem dúvida de 50% para 36%. 

Em suma, a fé está desaparecendo progressivamente e a religião está recuando com ela.

Não há muito que as igrejas possam fazer. Aquelas mais progressistas, por exemplo a anglicana, introduziram algumas reformas profundas, abriram-se às mulheres e aos homossexuais, mas não recuperaram um único fiel e estão cada vez mais despovoadas.

A segunda pergunta que deve ser feita é esta: quais são as consequências dessa situação para a Igreja Católica italiana? Também nesse caso, os alarmismos excessivos são injustificados. É claro que o afastamento de uma parte significativa da população causa alguns danos à instituição: diminui a sua capacidade de orientar os comportamentos de muitos sujeitos e reduz a sua capacidade de implementar iniciativas e atividades pastorais.

A política

Mas ao lado desses dados preocupantes (para a organização eclesial, claro) não se pode deixar de notar o fato de o catolicismo manter a sua elevada reputação cultural e política na Itália. Isso é demonstrado pelo último dos dados da pesquisa que quero aqui relatar: 47% da amostra acreditam que é legítimo, ou seja, que “faz parte da sua missão” (para usar as palavras do questionário), que a Igreja trate do aborto, 49% acham que deveria se interessar pelo desemprego, 38% pela homossexualidade, 55% pela imigração.

Muitos desses percentuais estão até em crescimento em comparação com 2009. Trata-se de um dado esclarecedor: os italianos abandonam cada vez mais os cultos dominicais e acreditam menos em Deus, mas olham, de forma crescente, para a Igreja Católica como uma fonte de autoridade de indicações morais e de estratégias políticas. A enorme popularidade do Papa argentino (e em muitos aspectos do presidente da CEI, o Cardeal Zuppi), até mesmo em muitos ambientes ateus e de esquerda, confirma esse elemento.

Com uma brincadeira poderíamos concluir que, em tempos de descristianização galopante, muitos sonham com um retorno do Papa rei e da Igreja como guia moral e política da nação. Voltaremos a falar disso.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Cápsulas de papelão com sementes podem auxiliar na restauração ecológica do Cerrado

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Vídeo de pastor mostra criança em situação de constrangimento

Imagens pegam menina em close se contorcendo no chão Um vídeo de 3 minutos [ver trecho abaixo] do ministério do pastor Joel Engel, do Rio Grande do Sul, expõe uma criança em situação de constrangimento ao mostrá-la se contorcendo no chão ao lado do seu pai, em uma sessão de descarrego. Pelo artigo 232 do Eca (Estatuto da Criança e do Adolescente), comete crime quem submete menor de idade sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexames ou constrangimento. É o caso deste vídeo. Na gravação, a mãe diz o nome da filha. Ao final, Engel afirma: “O que Deus está fazendo aqui é impressionante”. Em outra oportunidade, Angel já tinha passado por cima do Eca ao pegar como oferta o único par de tênis de um menino, deixando-o descalço e com o rosto de choro. . Se o Conselho Tutelar e o Ministério Público tivessem enquadrado na época o pastor, ele certamente agora pouparia a menina do vexame. Imagens vexatórias Pastor Joel Engel pega como oferta único par de tênis de

Textos bíblicos têm contradições, mas as teorias científicas também

por Demetrius dos Santos Silva , biblista, a propósito de Quem Deus criou primeiro, o homem ou os animais? A Bíblia se contradiz Por diversas vezes vejo pessoas afirmarem ideias sobre a Bíblia baseadas em seus preconceitos religiosos ou seculares. Todo preconceito é baseado em uma postura fanática onde o relativo é assumido como absoluto. Nesse sentido, qualquer ideia ou teoria deve-se enquadrar dentro da visão obtusa do fanático. É como uma pessoa que corta a paisagem para caber dentro de sua moldura. O quadro é assumido como se fosse a paisagem verdadeira e tudo o que está fora de seu quadro é desconsiderado. Quando o assunto é a Bíblia, muitas pessoas abandonam os critérios literários e assumem uma postura pseudocientífica que revela seus profundos preconceitos sobre as religiões e seus livros sagrados. A palavra Bíblia vem da língua grega “Biblos” e significa: livros. A Bíblia é uma biblioteca. Nela encontramos diversos gêneros literários: poesia, prosa, leis, oráculos pro

Atea pede a colégio de Esteio que impeça bullying a aluno ateu

Aluno disse que escola tornou obrigatório o ensino religioso A Atea (Associação de Ateus e Agnósticos do Brasil) enviou ofício ao Colégio Estadual Augusto Meyer, de Esteio (RS), para que impeça que um de seus alunos de 1º grau continue sendo alvo de bullying por não acreditar em Deus. O jovem relatou à associação que a diretora e vice-diretora da escola impõem o ensino religioso no currículo como se fosse obrigatório, sendo que, pela lei, trata-se de uma disciplina facultativa. Ele contou que a professora de religião e a classe riram pelo fato dele ser ateu. O site do colégio informa que a diretora é Nara Machado e que também é professora de sociologia no Colégio Estadual Guianuba. A vice-diretora é Maria Cristina Centeno Fernandes. Trata-se da professora mais antiga do colégio. No ofício assinado com a data de hoje (18) pelo seu presidente, Daniel Sottomaior, a Atea avaliou que se trata de um “incidente grave” cuja origem é a obrigatoriedade do ensino religioso. Afirmou

Sete países têm lei de pena de morte a ateus, revela relatório

Pena capital para céticos vigora  no Afeganistão, Irã, Maldivas, Sudão, Mauritânia, Paquistão e Arábia Saudita Os ateus e outros céticos religiosos sofrem perseguição ou discriminação em muitas partes do mundo e em pelo menos sete países podem ser executados se sua falta da crença se tornar conhecida. A informação é de relatório da IHEU (União Internacional Humanista e Ética) divulgado hoje (10). O relatório mostra que a situação dos “infiéis” é mais grave em países islâmicos, onde religião e Estado se confundem. As consequências para o cético às vezes podem ser brutais. Ele também aponta que em alguns países europeus e nos Estados Unidos as leis favorecem os religiosos e suas organizações e tratam os ateus e humanistas como cidadãos de segunda classe. O “A Liberdade de Pensamento 2012" afirma que "há leis que negam aos ateus o direito de existir, restringindo a sua liberdade de não ter nenhuma crença e de expressão. Também revogam sua cidadania e limitam seu

Partícula de Higgs é vitória da ciência sobre a religião

Representação das experiências do Centro de Pesquisa Nuclear por Lawrence M. Krauss  Tem havido muita comoção desde o dia 4 de julho, quando houve o anúncio de que o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear tinha descoberto evidências de uma nova partícula elementar, a Higgs, que os cientistas têm procurado há quase 50 anos e está no cerne da nossa melhor teoria atual sobre a formação do cosmo. Parte da comoção parece vir do fato de que a descoberta tem sido frequentemente chamada em círculos informais de “partícula de Deus”. Esse termo apareceu pela primeira vez no título infeliz de um livro escrito pelo físico Leon Lederman, há duas décadas. Mas, pelo meu conhecimento, nunca foi usado por qualquer cientista antes ou depois da descoberta da partícula, incluindo o próprio Lederman. Apesar disso, o termo "colou” no imaginário da imprensa. O que torna o termo “partícula de Deus” lamentável é que nada poderia estar mais longe da verdade. Porque a existência da partícula de Hig

Pastor que exigia 'boa conduta' de fiéis é condenado por estupro

Pastor abusou de crianças na faixa de 4 a 11 anos O pastor Manoel Teoplício de Souza Ribeiro (foto), 52, da Assembleia de Deus, exigia das fiéis “boa conduta”, como não usar calças compridas e maquiagem – coisas do demônio, segundo dizia. Mesmo sendo tão conservador, atraia muitos fiéis para a sua igreja em Samambaia, cidade próxima de Brasília. Ribeiro foi condenado a 50 anos e 10 meses de prisão por ter estuprado crianças na faixa de 4 a 11 anos, filhas de fiéis. A sentença, agora divulgada, tomada há um mês pela Justiça do Distrito Federal. O pastor já se encontrava preso preventivamente desde junho de 2011. Ele alegou à polícia ter conhecimentos de medicina e que, por isso, levava as filhas de fiéis para sua casa de modo a tirar delas “maus fluidos” por intermédio de massagens. Só que  massageava principalmente a genitália das meninas, de acordo com as denúncias. Ele abusava das crianças desde 2005 e as ameaçava para que não contassem nada a ninguém. Uma fiel