Pular para o conteúdo principal

Fóssil de 80 milhões de anos encontrado em Jales recebe nome que homenageia o Godzilla

Localizado no interior de São Paulo, o crocodiliforme foi batizado de Aphaurosuchus kaiju, sendo este sufixo de origem japonesa para designar “besta estranha”, como o personagem do cinema.


MALENA STARIOLO
jornalista

Jornal da Unesp
Universidade Estadual Paulista

Dependendo do ponto do planeta que escolhem para fincar no chão suas picaretas, os paleontólogos podem até arriscar alguma ideia quanto às espécies de animais pré-históricos ou grupos que têm maior ou menor chance de surgirem das escavações.

Os fósseis do célebre T-Rex são encontrados majoritariamente na América do Norte. Na Argentina existiram muitos dinossauros “pescoçudos”, como o gigante Argentinosaurus huinculensis

Já na área entre o Sudeste e o Centro-Oeste do Brasil conhecida como Bacia Bauru, curiosamente, os dinossauros parecem ter sido quase inexistentes. No entanto, a pesquisa nesta região tem revelado uma abundância de fósseis dos chamados crocodiliformes, o nome dado aos ancestrais dos crocodilos atuais.

Entre os crocodiliformes encontrados nesta região incluem-se aqueles pertencentes à família Baurusuchidae, que existiu entre 90 e 72 milhões de anos atrás, formada apenas por répteis exclusivamente terrestres. 

Até 2021, esta família contava com 11 espécies. Agora, acaba de ganhar mais um integrante, graças ao trabalho de um grupo de pesquisadores que inclui quatro estudiosos da Unesp.

O Aphaurosuchus kaiju é
um "crocodilo gigante de
mordida fraca"
IMAGEM: ZEINNER DE PAULA

Publicado na revista científica Cretaceous Research, o estudo é fruto do mestrado desenvolvido pelo estudante Kawan Carvalho Martins no Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da Unesp, campus São José do Rio Preto. Nele, os pesquisadores descreveram a espécie Aphaurosuchus kaiju a partir de fragmentos fósseis encontrados na cidade de Jales, em São Paulo, pela equipe de paleontologia da USP de Ribeirão Preto.

Martins explica que, no estudo de crocodilifomes, os ossos cranianos são os mais utilizados para identificar a espécie de cada indivíduo. No caso do A. kaiju, os pesquisadores notaram uma grande depressão na parte frontal do crânio do animal, característica inexistente em outros fósseis da família Baurusuchidae já estudados. 

“Essa depressão existe de diferentes maneiras em diferentes espécies. No caso do Kaiju, ela é extremamente profunda e apresenta uma crista muito bem marcada”, conta Felipe Montefeltro, orientador da pesquisa e docente do Departamento de Biologia e Zootecnia da Unesp, campus Ilha Solteira.

Reconstruindo um fóssil

A pesquisa em paleontologia apresenta algumas dificuldades intrínsecas. Os fósseis, além de escassos, muitas vezes são encontrados de forma fragmentada ou incompleta. É esse o caso do A. kaiju, único exemplar da sua espécie já encontrado.

A equipe trabalhou apenas com 15 fragmentos fósseis, da região do crânio e da mandíbula do animal. Essa mudança metodológica foi marcante para Martins. Ele vinha de uma graduação em biologia, e estava acostumado a estudos que envolvem uma amostra grande de indivíduos. 

Situados no lado oposto do espectro, por assim dizer, os paleontólogos estão acostumados a trabalhar com um número mínimo de amostras, desde que estas sejam suficientes para transmitir características únicas do indivíduo estudado.

Para que um novo fóssil possa ser enquadrado em um determinado grupo, família ou espécie, é necessário proceder a comparações, buscando semelhanças e diferenças. 

Para fazer parte de um mesmo grupo, todos os animais devem compartilhar certas semelhanças morfológicas e de comportamento. Porém, essas características diferem levemente entre uma espécie e outra, o que indica quando os pesquisadores estão trabalhando com um indivíduo já conhecido ou com um novo espécime.

“O registro fóssil é falho de várias maneiras”, diz Montefeltro, mas nem sempre um esqueleto inteiro é pré-requisito para proceder aos estudos desses animais.

“Se temos partes preservadas que mostram características anatômicas suficientes para diferenciar uma espécie de todas as outras já conhecidas, isso basta, mesmo que não se tenha a anatomia total do organismo”, diz. 

Os pesquisadores contaram com a coincidência de encontrar, justamente, as partes ósseas mais características na classificação dos Baurusuchidae.

O grupo iniciou um extenso trabalho de comparação, que abarcou tanto diferentes espécies de Baurusuchidae como também famílias e gêneros pertencentes ao grupo. 

Martins e Montefeltro destacam que uma das principais ferramentas nessa etapa é, justamente, a visão humana.

 “Sabendo da possibilidade de um novo táxon, é muito importante ir pessoalmente visitar museus e as coleções dos espécimes, para comparar diretamente com as amostras que são objeto de estudo”, diz o docente.

Segundo Montefeltro, é nessa etapa, em que se pode mexer e contemplar as peças diretamente, que se dá a observação de todos os detalhes.

Tendo em mente essa necessidade, parte do estudo de mestrado de Martins envolveu a visitação a coleções de fósseis em Minas Gerais e São Paulo. Mas essa etapa do trabalho foi afetada pela pandemia de Covid-19. Sem poder sair de casa, o então mestrando recorreu a outra ferramenta essencial da paleontologia: a leitura. 

“A reconstrução de um fóssil também é feita com muita leitura. A partir da literatura, você começa a entender características de cada parte, então, quanto mais se lê mais se pode saber o que é cada ossículo e onde ele se encaixa no todo”, diz Martins.

“Nós notamos que o espécime apresentava características específicas do gênero Aphaurosuchus, como o formato do crânio e a depressão no osso frontal. Mas não era completamente similar. Isso indicou que se tratava de outra espécie”, diz Juan Vítor Ruiz, coautor do artigo e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da Unesp, campus São José do Rio Preto. 

Entre as principais diferenças apontadas pelas análises estão a depressão mais profunda, com a presença de uma crista no centro, e a existência de outra crista abaixo do osso da órbita – esta, uma característica inédita em animais desse tipo já conhecidos. 

O tamanho dos Baurusuchidae variava entre um e três metros de comprimento, porém, estudos para estimar o tamanho ou o peso do A. kaiju ainda não foram realizados.

O indivíduo recebeu o nome de Aphaurosuchus kaiju. “Kaiju” é uma palavra de origem japonesa, que significa “besta estranha”. 

Apesar de estar presente em antigas lendas nipônicas sobre monstros gigantes, o termo se tornou mundialmente conhecido a partir da popularização do personagem japonês Godzilla, que se encaixa na categoria dos “Kaijus”. 

“A tradução do nome significa algo como ‘’crocodilo gigante da mordida fraca’ ”, diz Martins. 

Ele conta que decidiu homenagear o lagarto gigante da cultura pop que deu origem ao seu interesse pela paleontologia quando ainda era criança. Já a primeira parte do nome “Aphaurosuchus”, referente ao gênero, foi cunhada em 2021 em outro trabalho do grupo de Montefeltro, no qual descreveram a espécie irmã Aphaurosuchus escharafacies.

A partir de análises biomecânicas o grupo descobriu que esses animais, apesar do crânio robusto e de serem grandes carnívoros, não tinham muita potência na mordida.

“Acreditamos que ele apresentava certa semelhança, na forma como predava, com a forma de predação do Dragão de Cômodo. Ele dá mordidas que cortam a pele e deixam feridas que, com o passar do tempo, permitem que ele efetue a predação”, diz Montefeltro.

Baurusuchia no globo

Além da descrição da nova espécie, os pesquisadores também conduziram uma revisão da árvore filogenética dos Notosuchia. Este grande grupo abrange os Baurusuchia mas também outras espécies que, apesar de apresentarem anatomia semelhante, foram semiaquáticas, insetívoras e herbívoras, enquanto o animal estudado pelo grupo era exclusivamente terrestre e carnívoro.

“O Kawan fez uma das análises mais abrangentes desse grupo. Ele notou que alguns estudos incluíam um animal encontrado em Madagascar, e outros arrolavam um indivíduo escavado na Espanha. Mas os dois nunca apareciam juntos nas análises dos Baurusuchia”, explica Ruiz. 

Ele identifica aí uma das principais contribuições do trabalho ao permitir repensar a distribuição geográfica e também histórica do grupo. “Nós colocamos as informações anatômicas de todos os animais em uma matriz de dados, que permitiu transformar esses dados em uma árvore filogenética. Nela, são explicitadas as relações evolutivas entre os diferentes indivíduos com um ancestral comum”, diz Ruiz.

Até então, acreditava-se que os Baurusuchia eram indivíduos endêmicos da América do Sul, com maior concentração no Brasil, e que existiram principalmente durante o Cretáceo. Ao considerar os trabalhos que tratavam dos indivíduos de Madagascar e da Espanha, a árvore gerada considerou os dois como pertencentes aos Baurusuchia. Essa perspectiva expandiu e complexificou a história do grupo. 

“O Notosuchia mais antigo que conhecemos é o Razanandrongobe sakalavae, encontrado em Madagascar. Ele existia durante o Jurássico, há mais ou menos 160 milhões de anos”, diz Ruiz. 

Juntamente com o Ogresuchus furatus, da Espanha, e o Pabwehshi pakistanensis, do Paquistão, estes seriam os primeiros Baurusuchia encontrados fora da América do Sul.

> Com informação da Universidade Estadual Paulista.

• Ossos mostram espécie de dinossauro que viveu no Brasil há 233 milhões de anos

• Pequeno herbívoro é o mais 'novo' dinossauro brasileiro

• Pesquisadores descobrem no Paraná espécie rara de dinossauro

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Líder religioso confirma que atirador foi da Testemunhas de Jeová

O superintendente do Circuito Rio de Janeiro-07 da Testemunhas de Jeová, Antônio Marcos Oliveira, confirmou ao UOL que Wellington Menezes de Oliveira, o atirador do Realengo, frequentou um templo da religião na Zona Oeste da cidade. Casa do atirador tinha publicações da TJs O líder religioso procurou minimizar esse fato ao ressaltar que Wellington foi seguidor da crença apenas no início de sua adolescência. Ele não disse até que ano Wellington foi um devoto. Na casa do atirador, a polícia encontrou várias publicações editadas pela religião. (foto) Essa foi a primeira manifestação da TJs desde que Wellington invadiu no dia 7 de abril uma escola e matou 12 estudantes e ferindo outros. Oliveira fez as declarações em resposta a um ex-TJ (e suposto amigo do atirador) ouvido pelo UOL. Segundo esse ex-fiel, Wellington se manteve na religião até 2008. Por essa versão, Wellington, que estava com 23 anos, permaneceu na crença até os 20 anos. Ou seja, já era adulto, e não um pré-ad

Valdemiro pede 10% do salário que os fiéis gostariam de ter

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Maioria jamais será ateia nem fiel da Iurd, diz padre Marcelo

Para Rossi, Deus não reconhece casal de gays como família O jornal Correio da Manhã, de Portugal, perguntou ao padre Marcelo Rossi (foto): - O que o assustaria mais: um Brasil que deixasse de crer em Deus ou um Brasil crente em que a Iurd fosse maioritária? A resposta foi enfática: - Não acredito que isso possa acontecer. Nunca. O Brasil não vai deixar que isso aconteça. Rossi foi evasivo ao responder se está ou não preocupado com o avanço no Brasil dos evangélicos protestantes. “Há igrejas e igrejas”, disse. “Uma coisa são as igrejas tradicionais evangélicas e outra são as seitas.” O padre foi entrevistado por Leonardo Ralha a propósito do lançamento em Portugal do seu livro 'Ágape'. Ele disse ter ficado surpreso com das vendas do livro no Brasil – mais de sete milhões de exemplares, contra a expectativa dele de um milhão. Atribuiu o sucesso do livro à sua tentativa de mostrar às pessoas um resumo dos dez mandamentos: “amar a Deus sobre todas as

Jornalista defende liberdade de expressão de clérigo e skinhead

Título original: Uma questão de hombridade por Hélio Schwartsman para Folha "Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos"  Disputas eleitorais parecem roubar a hombridade dos candidatos. Se Fernando Haddad e José Serra fossem um pouco mais destemidos e não tivessem transformado a busca por munição contra o adversário em prioridade absoluta de suas campanhas, estariam ambos defendendo a necessidade do kit anti-homofobia, como aliás fizeram quando estavam longe dos holofotes sufragísticos, desempenhando funções executivas. Não é preciso ter o dom de ler pensamentos para concluir que, nessa matéria, ambos os candidatos e seus respectivos partidos têm posições muito mais próximas um do outro do que da do pastor Silas Malafaia ou qualquer outra liderança religiosa. Não digo isso por ter aderido à onda do politicamente correto. Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos. Acredito que clérigos e skinheads devem ser l

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump