Pular para o conteúdo principal

Perseguidos, lobos reaparecem na Europa. Espanha dá exemplo de proteção

Em 10 anos, as matilhas tiveram aumento de 25% no continente, mas a Suíça derrubou restrições à caça, para proteger o gado


HANNA PETTERSSON

pesquisadora associada de pós-doutorado

Centro Leverhulme para Biodiversidade Antropocena
Universidade de York, Reino Unido

The Conversation
plataforma de informação
e análise produzida por 
acadêmicos e jornalistas

Após séculos de perseguição, os lobos estão reaparecendo em muitas partes da Europa. Só na última década, expandiram a sua distribuição em mais de 25% no continente.

Esse ressurgimento foi destacado em setembro de 2023, na sequência de uma declaração controversa de Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia. Ela disse: “A concentração de matilhas de lobos em partes da Europa tornou-se um perigo real para o gado e potencialmente também para os seres humanos. Convido as autoridades locais e nacionais a tomarem as medidas necessárias.”

Mas quais são os passos certos a tomar? As decisões recentes dos Estados-Membros da UE não refletem qualquer consenso real sobre a questão.

O Senado suíço, por exemplo, votou para aliviar as restrições à matança dos seus cerca de 200 lobos, a fim de proteger o gado que vagueia livremente nos Alpes. A Espanha, que abriga mais de 2.000 lobos e se orgulha dos seus extensos sistemas de pastoreio, assumiu uma posição oposta.

Com pelagem amarelo-acastanhada,
o lobo-ibérico (Canis lupus signatus)
pesa até 35 kg, mede até 80 cm de
altura e 180 de comprimento

Em 2021, o governo espanhol declarou os lobos estritamente protegidos. O seu objetivo é aumentar a população de lobos em 18% e incentivar os agricultores a implementar medidas de proteção do gado, como a instalação de cercas ou a criação de cães de guarda.

Examinar as motivações de Espanha para a proteção pode fornecer informações sobre o que leva os países a adoptarem abordagens tão diferentes à coexistência.

O que queremos dizer com “coexistência”?

Como parte de uma nova pesquisa que realizei com vários colegas, estudamos como os espanhóis interpretam e vivenciam a convivência com os lobos.

Os nossos resultados revelaram três visões distintas e, até certo ponto, contraditórias sobre o que significa coexistência e como deve ser alcançada:

- Os “tradicionalistas” estão profundamente empenhados nas paisagens, nos meios de subsistência e na biodiversidade que evoluíram em conjunto ao longo de milênios de pastoreio ao ar livre. Consideram que o homem faz parte da natureza e interpreta a convivência como um estado em que o lobo é controlado para não atrapalhar as atividades pastoris.

- Os “protecionistas” gostariam de restaurar a natureza “selvagem” (com um mínimo de influência humana) e acreditam que o lobo catalisaria este processo. Eles veem a coexistência como um estado onde as atividades humanas são controladas para que os lobos possam circular livremente.

- Os “pragmáticos” estão menos apegados a um determinado tipo de natureza do que às relações e ao contexto de cada lugar. Eles veem a coexistência como um estado onde as necessidades dos diferentes grupos (incluindo os lobos) são equilibradas.

A flexibilização ou o reforço da proteção dos lobos passou a representar essas diferentes visões do futuro. Cada um proporciona benefícios a algumas pessoas e à vida selvagem e apresenta desafios a outros. Como resultado, o tema tornou-se profundamente político.

Políticas de conservação dos lobos

Em Espanha, a proposta para proteger os lobos foi apresentada por protecionistas e alinhada com a agenda do governo de esquerda. Podemos, um dos partidos da coligação de esquerda, apresentou uma proposta para a proteção estrita dos lobos em 2016 (enquanto o partido ainda estava na oposição), juntamente com grupos de defesa dos lobos.

Por outro lado, os partidos políticos de direita espanhóis opuseram-se fortemente a ela. Esses partidos tendem a visar os eleitores rurais, para quem o regresso dos carnívoros simboliza o desaparecimento das culturas pastoris.

A proposta foi finalmente aprovada pelo governo com base no “valor científico, ecológico e cultural” dos lobos, critérios em grande parte subjetivos. Por exemplo, poderíamos dizer que a raposa, que não está protegida, tem valores semelhantes. Esses critérios não têm em conta o impacto que medidas rigorosas de proteção dos lobos podem ter noutros valores culturais ou ecológicos, tais como os sistemas de pecuária pastoril.

A decisão da Espanha também foi influenciada pelas opiniões dos protecionistas sobre o estado de conservação do lobo. Uma espécie classificada como tendo um estatuto 'favorável' (que é adequado para garantir a sua sobrevivência a longo prazo) na Diretiva Habitats da UE pode, em certos casos, ser caçada. Contudo, os conservacionistas discordam sobre os critérios e dados em que esse estatuto deve basear-se.

Por exemplo, uma avaliação submetida à Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) em 2018 indica que a população de lobo ibérico é grande, estável e está em lenta expansão. Em contraste, um relatório divulgado por um grupo de defesa dos lobos em 2017 afirmou que houve mais lobos mortos do que lobos nascidos em Espanha naquele ano.

Este último relatório foi acusado de ser tendencioso e não científico. No entanto, isso não impediu o Ministério do Ambiente espanhol de utilizar este relatório para reclassificar o estado de conservação dos lobos de “favorável” (como em relatórios anteriores) para “desfavorável”. Por outras palavras, a informação foi interpretada, selecionada e apresentada de uma forma que justifica uma proteção acrescida.

O governo sueco, liderado por uma coligação de direita desde 2022, procura alcançar o oposto. Ele ordenou que a Agência de Proteção Ambiental examinasse se o limite estabelecido para um status favorável, fixado em um mínimo de 300 em 2019, poderia ser reduzido para justificar um aumento nos abates de lobos.

De que natureza estamos falando?

Para reduzir a divisão política entre a proteção e a perseguição dos lobos, bem como entre a restauração de paisagens “selvagens” e pastoris, é necessário reavaliar a forma como as decisões são tomadas e como as provas são consideradas.

A ciência desempenha um papel crucial na avaliação de diferentes opções políticas e das suas consequências, tais como o efeito de um aumento da população de lobos no comportamento de ovelhas ou veados. Mas não pode determinar o curso de ação “correto”. Esta escolha depende do que as pessoas, o gado e a vida selvagem de um determinado local necessitam para viver bem. Em outras palavras, o contexto é importante.

Na maioria dos casos, a questão não é escolher “isto ou aquilo”, mas sim como conseguir “um pouco de tudo”. Conciliar diferentes interesses e encontrar um caminho a seguir requer a participação pública e, geralmente, a mediação profissional. Estas são as ações que a Comissão Europeia deveria incentivar nos Estados-Membros.

Tendo isto em mente, é preocupante que o pragmatismo seja largamente negligenciado no debate. Em última análise, a coexistência sustentável entre humanos e lobos não depende de os lobos serem caçados ou protegidos, ou mesmo do tamanho da população de lobos. Pelo contrário, depende de como essas decisões são tomadas.

• Pesquisadores descobrem na Mata Atlântica nova borboleta. E ela já está ameaçada de extinção

• Mudanças climáticas ameaçam mais de 90% das comunidades de mamíferos da Caatinga

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Roger tenta anular 1ª união para se casar com Larissa Sacco

Médico é acusado de ter estuprado pacientes Roger Abdelmassih (foto), 66, médico que está preso sob a acusação de ter estuprado 56 pacientes, solicitou à Justiça autorização  para comparecer ao Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de São Paulo de modo a apresentar pedido de anulação religiosa do seu primeiro casamento. Sônia, a sua segunda mulher, morreu de câncer em agosto de 2008. Antes dessa união de 40 anos, Abdelmassih já tinha sido casado no cartório e no religioso com mulher cujo nome ele nunca menciona. Esse casamento durou pouco. Agora, o médico quer anular o primeiro casamento  para que possa se casar na Igreja Católica com a sua noiva Larissa Maria Sacco (foto abaixo), procuradora afastada do Ministério Público Federal. Médico acusado de estupro vai se casar com procuradora de Justiça 28 de janeiro de 2010 Pelo Tribunal Eclesiástico, é possível anular um casamento, mas a tramitação do processo leva anos. A juíza Kenarik Boujikian Felippe,  da 16ª

Cristianismo é a religião que mais perseguiu o conhecimento científico

Cristãos foram os inventores da queima de livros LUÍS CARLOS BALREIRA / opinião As epidemias e pandemias durante milhares de anos antes do cristianismo tiveram as mais estapafúrdias explicações dos deuses. Algumas mentes brilhantes da antiguidade, tais como Imhotep (2686-2613 a.C.) e Hipócrates (460-377 a.C.) tentaram passar explicações científicas para as massas de fanáticos religiosos, ignorantes, bestas humanas. Com a chegada ao mundo das feras cristãs, mergulhamos numa era de 2000 anos de trevas e ignorância. Os cristãos foram os inventores da queima de livros e bibliotecas. O cristianismo foi a religião que mais perseguiu o conhecimento científico e os cientistas. O Serapeu foi destruído em 342 d.C. por ordem de um bispo cristão de Alexandria, sob a proteção de Teodósio I.  Morte de Hipatia de Alexandrina em ilustração de um livro do século 19 A grande cientista Hipátia de Alexandria (351/370) foi despida em praça pública e dilacerada viva pelas feras e bestas imundas cristãs. So

Estudante expulsa acusa escola adventista de homofobia

Arianne disse ter pedido outra com chance, mas a escola negou com atualização Arianne Pacheco Rodrigues (foto), 19, está acusando o Instituto Adventista Brasil Central — uma escola interna em Planalmira (GO) — de tê-la expulsada em novembro de 2010 por motivo homofóbico. Marilda Pacheco, a mãe da estudante, está processando a escola com o pedido de indenização de R$ 50 mil por danos morais. A primeira audiência na Justiça ocorreu na semana passada. A jovem contou que a punição foi decidida por uma comissão disciplinar que analisou a troca de cartas entre ela e outra garota, sua namorada na época. Na ata da reunião da comissão consta que a causa da expulsão das duas alunas foi “postura homossexual reincidente”. O pastor  Weslei Zukowski (na foto abaixo), diretor da escola, negou ter havido homofobia e disse que a expulsão ocorreu em consequência de “intimidade sexual” (contato físico), o que, disse, é expressamente proibido pelo regulamento do estabelecimento. Consel

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Seleção de vôlei sequestrou palco olímpico para expor crença cristã

Título original: Oração da vitória por Daniel Sottomaior (foto) para Folha de S.Paulo Um hipotético sujeito poderoso o suficiente para fraudar uma competição olímpica merece ser enaltecido publicamente? A se julgar pela ostensiva prece de agradecimento da seleção brasileira de vôlei pela medalha de ouro nas Olimpíadas, a resposta é um entusiástico sim! Sagrado é o direito de se crer em qualquer mitologia e dá-la como verdadeira. Professar uma religião em público também não é crime nenhum, embora costume ser desagradável para quem está em volta. Os problemas começam quando a prática religiosa se torna coercitiva, como é a tradição das religiões abraâmicas. Os membros da seleção de vôlei poderiam ter realizado seus rituais em local mais apropriado. É de se imaginar que uma entidade infinita e onibenevolente não se importaria em esperar 15 minutos até que o time saísse da quadra. Mas uma crescente parcela dos cristãos brasileiros não se contenta com a prática privada: para

Com 44% de ateus, Holanda usa igrejas como livrarias e cafés

Livraria Selexyz, em Maastricht Café Olivier, em Utrecht As igrejas e templos da Holanda estão cada vez mais vazios e as ordens religiosas não têm recursos para mantê-los. Por isso esses edifícios estão sendo utilizados por livrarias, cafés, salão de cabeleireiro, pistas de dança, restaurantes, casas de show e por aí vai. De acordo com pesquisa de 2007, a mais recente, os ateus compõem 44% da população holandesa; os católicos, 28%; os protestantes, 19%; os muçulmanos, 5%, e os fiéis das demais religiões, 4%. A maioria da população ainda acredita em alguma crença, mas, como ocorre em outros países, nem todos são assíduos frequentadores de celebrações e cultos religiosos. Algumas adaptações de igrejas têm sido elogiadas, como a de Maastricht, onde hoje funciona a livraria Selexyz (primeira foto acima). A arquitetura realmente impressiona. O Café Olivier (a segunda foto), em Utrecht, também ficou bonito e agradável. Ao fundo, em um mezanino, se destaca o órgão da antiga ig

Drauzio Varella afirma por que ateus despertam a ira de religiosos

Malafaia diz que Feliciano é vítima do PT, gays e ateus

Para pastor Malafaia,  há um  complô  contra seu colega Silas Malafaia (foto) afirmou que são os petistas, gays e ateus que estão movendo uma campanha de descrédito contra o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP). Em uma nota de alerta aos pastores para que não assinem uma carta pedindo o afastamento de Feliciano da presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, Malafaia disse estar em jogo, nesse caso, o interesse dos petistas que querem desviar a atenção da opinião pública para a posse de dois de seus integrantes condenados pelo crime do mensalão em uma das mais importantes comissões da Câmara. Trata-se dos deputados José Genoíno e João Paulo Cunha, que agora fazem parte da Comissão de Constituição e Justiça. “Eles [os petistas] precisavam desviar da sociedade o foco deste fato”, afirmou Malafaia. Outro motivo, segundo ele, é que Feliciano é “um ferrenho opositor dos privilégios” defendidos pelos ativistas gays, além de combater, por exemplo, a legaliza

Xuxa pede mobilização contra o 'monstro' Marco Feliciano

Pela primeira vez a apresentadora se envolve em uma polêmica A apresentadora da Rede Globo Xuxa (foto) afirmou em sua página no Facebook que o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP), o novo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, não é “um religioso, é um monstro”. Sem citar o nome de Feliciano, ela ficou indignada ao ler que “esse deputado disse que negros, aidéticos e homossexuais não têm alma”. “Vamos fazer alguma coisa! Em nome de Deus, ele não pode ter poder.” É a primeira vez que Xuxa pede mobilização de seus fãs em uma questão polêmica. Amiga do padre Marcelo Rossi, ela é católica praticante. No Facebook, em seu desabafo, escreveu sete vezes a palavra "Deus" e argumentou que todos sabem que ela respeita todas as religiões. A apresentadora também se mostrou abalada ao saber que Feliciano, durante uma pregação, pediu a senha do cartão bancário de um fiel. “O que é isso, meu povo?” “Essa pessoa não pode ser presidente da C