Pular para o conteúdo principal

Uso de constelação familiar pela Justiça pode gerar recursos à própria Justiça

O professor Rubens Beçak, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, alerta que a adoção de técnicas que não possuem respaldo científico nem reconhecimento pelo órgão de classe pode ser questionada nos Tribunais


FILIPE CAPELA
jornalista

Jornal da USP

O Brasil sofre com a quantidade de processos judiciais em aberto no país, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Apenas em 2022, mais de 21 milhões de ações foram ajuizadas pela primeira vez. 

Por conta disso, o poder judiciário incentiva a adoção de medidas para a resolução dos processos sem a necessidade de levá-los a julgamento. 

Buscando seguir essa recomendação, os tribunais de Justiça (TJs) pagam cursos e palestras aos seus servidores para que eles tenham mais ferramentas para ajudar as partes em um processo. Uma dessas ferramentas é a constelação familiar, prática terapêutica não reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia.

Segundo dados divulgados pela Agência Pública, agência de jornalismo investigativo independente, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), entre 2016 e 2022, mais de R$ 2 milhões foram gastos entre cursos e palestras para os servidores sobre constelação familiar.

Desse montante, mais de R$ 1,5 milhão foram gastos pelo Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO), que teve o último curso sobre o tema encerrado em novembro de 2022. Além do TJRO, cinco TJs confirmaram que já fizeram ou fazem uso da constelação familiar: os tribunais de Justiça da Bahia (TJBA), de Minas Gerais (TJMG), de Santa Catarina (TJSC), de São Paulo (TJSP) e do Ceará (TJCE).

Criada durante a década de 1990 por Bert Hellinger, teólogo, filósofo e pesquisador alemão, a constelação familiar é uma prática terapêutica que busca resolver conflitos familiares que atravessam gerações. 


A constelação familiar oferece
risco de revitimização,
principalmente de mulheres
ILUSTRAÇÃO: PINTURA MULHER CHORANDO, DE PICASSO

A prática tem métodos parecidos com os do psicodrama, por conta da dramatização de situações e da psicoterapia breve, pela ação rápida que provoca. Durante a sessão, são recriadas cenas que envolvam os sentimentos e sensações que o paciente tem com a sua família. A sessão pode ser realizada individualmente, quando bonecos ou outros objetos são escolhidos para representar os membros da família, ou em grupos, quando outras pessoas assumem esse papel.

Pseudociências são questionáveis

Segundo Rubens Beçak, professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, a adoção de técnicas alternativas, como as técnicas de conciliação, mediação e arbitragem, para concretizar acordos entre as partes é bem-vinda, mas o uso de uma terapia alternativa não reconhecida pelo próprio órgão de classe não é o melhor caminho. 

“Cursos são desejáveis e necessários para aumentar o escopo do conhecimento desses funcionários, mas gastar recursos públicos com técnicas que não possuem respaldo científico suficiente gera alguns desgastes totalmente desnecessários.”

Beçak explica que os TJs têm o direito de contratar qualquer palestra ou curso que eles acreditem que trará bons frutos ao exercício do órgão, mas é necessário que haja uma avaliação anterior. 

“Os tribunais de Justiça têm um sistema de verificação orçamentária próprio, então, em tese, pode aprovar tudo o que julgar necessário para o exercício dos TJs, desde que haja orçamento para tal, agora gastar em técnicas como a constelação familiar é questionável.”

Conselho Federal de Psicologia

A constelação familiar sofre críticas até por parte do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Segundo extensa nota emitida em 3 de março de 2023, o CFP destaca “incongruências éticas e de conduta profissional no uso da constelação familiar enquanto método ou técnica da Psicologia.”

A nota destaca ainda “a inadequação do uso das constelações por profissionais da Psicologia no âmbito da Justiça, em especial em casos de violência. A exposição de mulheres em situação de violência a estes procedimentos e técnicas pode colocá-las em situações de risco, insegurança e de revitimização.”

Por fim, a nota técnica também destaca que a sessão de constelação familiar pode “suscitar a abrupta emergência de estados de sofrimento ou desorganização psíquica, e que o método não abarca conhecimento técnico suficiente para o manejo desses estados – o que conflita com a previsão do Código de Ética Profissional do Psicólogo.”

Apesar do CFP não oficializar a terapia, a constelação familiar faz parte das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), que foram institucionalizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como um dos 29 recursos terapêuticos oferecidos à população.

O professor Beçak lembra que os prejudicados na sentença dada pelo juiz podem recorrer se não ficarem satisfeitos com os métodos usados. 

“Em tese, quando há uso de pseudociências, a parte resignada sempre usará elementos para tentar derrubar a sentença e o uso de constelação familiar pode ser um deles.” Mas para que isso ocorra é preciso ficar claro na sentença que o método utilizado para se chegar a um acordo ou à decisão do juiz foi uma pseudociência como a constelação familiar, por exemplo.

• Constelação familiar promove machismo e inocenta pai incestuoso

• Constelações familiares não têm respaldo científico. Não cura nada

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Líder religioso confirma que atirador foi da Testemunhas de Jeová

O superintendente do Circuito Rio de Janeiro-07 da Testemunhas de Jeová, Antônio Marcos Oliveira, confirmou ao UOL que Wellington Menezes de Oliveira, o atirador do Realengo, frequentou um templo da religião na Zona Oeste da cidade. Casa do atirador tinha publicações da TJs O líder religioso procurou minimizar esse fato ao ressaltar que Wellington foi seguidor da crença apenas no início de sua adolescência. Ele não disse até que ano Wellington foi um devoto. Na casa do atirador, a polícia encontrou várias publicações editadas pela religião. (foto) Essa foi a primeira manifestação da TJs desde que Wellington invadiu no dia 7 de abril uma escola e matou 12 estudantes e ferindo outros. Oliveira fez as declarações em resposta a um ex-TJ (e suposto amigo do atirador) ouvido pelo UOL. Segundo esse ex-fiel, Wellington se manteve na religião até 2008. Por essa versão, Wellington, que estava com 23 anos, permaneceu na crença até os 20 anos. Ou seja, já era adulto, e não um pré-ad

Valdemiro pede 10% do salário que os fiéis gostariam de ter

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Jornalista defende liberdade de expressão de clérigo e skinhead

Título original: Uma questão de hombridade por Hélio Schwartsman para Folha "Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos"  Disputas eleitorais parecem roubar a hombridade dos candidatos. Se Fernando Haddad e José Serra fossem um pouco mais destemidos e não tivessem transformado a busca por munição contra o adversário em prioridade absoluta de suas campanhas, estariam ambos defendendo a necessidade do kit anti-homofobia, como aliás fizeram quando estavam longe dos holofotes sufragísticos, desempenhando funções executivas. Não é preciso ter o dom de ler pensamentos para concluir que, nessa matéria, ambos os candidatos e seus respectivos partidos têm posições muito mais próximas um do outro do que da do pastor Silas Malafaia ou qualquer outra liderança religiosa. Não digo isso por ter aderido à onda do politicamente correto. Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos. Acredito que clérigos e skinheads devem ser l

Maioria jamais será ateia nem fiel da Iurd, diz padre Marcelo

Para Rossi, Deus não reconhece casal de gays como família O jornal Correio da Manhã, de Portugal, perguntou ao padre Marcelo Rossi (foto): - O que o assustaria mais: um Brasil que deixasse de crer em Deus ou um Brasil crente em que a Iurd fosse maioritária? A resposta foi enfática: - Não acredito que isso possa acontecer. Nunca. O Brasil não vai deixar que isso aconteça. Rossi foi evasivo ao responder se está ou não preocupado com o avanço no Brasil dos evangélicos protestantes. “Há igrejas e igrejas”, disse. “Uma coisa são as igrejas tradicionais evangélicas e outra são as seitas.” O padre foi entrevistado por Leonardo Ralha a propósito do lançamento em Portugal do seu livro 'Ágape'. Ele disse ter ficado surpreso com das vendas do livro no Brasil – mais de sete milhões de exemplares, contra a expectativa dele de um milhão. Atribuiu o sucesso do livro à sua tentativa de mostrar às pessoas um resumo dos dez mandamentos: “amar a Deus sobre todas as

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias