Pular para o conteúdo principal

Como ajudar alguém a sair de uma seita? Incentivar o pensamento crítico

Para se livrar de um grupo religioso, a pessoa terá de ser encorajada a fazer grande esforço emocional


Suzanne Newcombe
professora de estudos religiosos
The Open University, Reino Unido



The Conversation
plataforma de informação
e análise produzida por
acadêmicos e jornalistas


Em 28 de novembro de 2023, a polícia francesa invadiu propriedades associadas à Federação Internacional de Yoga e Meditação, um grupo neotântrico também conhecido como Atman. 41 pessoas foram detidas, incluindo o líder espiritual romeno Gregorian Bivolaru, que enfrenta acusações de “tráfico de seres humanos”, “sequestro organizado por gangues”, “estupro” e “abuso de gangues”. Uma fonte judicial informou que 26 supostas vítimas foram encontradas vivendo em condições precárias e insalubres durante a operação. Essa operação realça o receio de que algumas pessoas possam ser manipuladas e presas em organizações de culto perigosas e prejudiciais.

Ninguém nunca decide aderir a uma seita.

A princípio, a ideia de ingressar em um grupo parece atender a uma necessidade ou a um ideal. Para a maioria das pessoas, isso parece funcionar no início, pelo menos até certo ponto.

Um documentário recente da Netflix analisa as experiências dos membros do Twin Flames Universe, um site fundado por um casal americano que oferece cursos online sobre como encontrar uma alma gêmea. As pessoas que se juntam às Chamas Gêmeas esperam, em troca de vários milhares de dólares, serem colocadas em contato com a sua “chama gêmea”. No entanto, antigos membros do grupo dizem que experimentaram um controle excessivo sobre todos os aspectos das suas vidas. Uma declaração no website do grupo diz que essas afirmações “distorcem” os seus “verdadeiros objetivos e métodos” e “deturpam a autonomia dos membros da nossa comunidade”.

De modo geral, por que algumas pessoas abandonam uma seita e como podemos ajudar alguém que é membro de uma seita? A resposta é sempre única e depende do contexto. Fatores importantes a considerar são as características pessoais do indivíduo, a natureza do grupo e as circunstâncias externas.

Para algumas pessoas, a distância é gradual. O grupo de culto clássico incentiva o isolamento dos amigos, da família e até do trabalho. Mas se a pessoa continuar a envolver-se noutras atividades e grupos sociais, estes poderão reduzir o apelo de um grupo de culto cada vez mais exigente.

Algumas pessoas mudam abruptamente de ideia quando o grupo de culto ultrapassa os limites éticos ou quando percebem a duplicidade dos ensinamentos e do comportamento de um líder. 

No entanto, à medida que a duração e a profundidade do compromisso aumentam, pode tornar-se cada vez mais difícil sair. Isto se deve em parte ao chamado efeito de “custo irrecuperável”. Se você gasta todas as suas economias em “treinamento” e corta todos os laços com a família, fica mais difícil começar do zero.

Além disso, muitas pessoas são vítimas e também contribuem para as atividades nefastas do grupo. A vergonha e o estigma social não tornam a partida mais fácil.

Se você está preocupado porque alguém que você conhece se juntou a uma seita, o que você pode fazer para ajudá-lo?

Integrantes de seitas são
orientados a rejeitarem a
influência de pessoas
fora de sua bolha
FOTO: SHUTTERSTOCK

A intervenção de alguém de fora pode ajudar a proteger alguém de mais doutrinação, mas é importante ter cuidado com os termos usados ​​nas conversas.

Pesquisas sobre pessoas que deixaram grupos de culto mostraram que essas diferentes ações podem ajudar a pessoa sob influência:

- tente manter contato positivo com ela

- não a envergonhe ou desvalorize

- seja curioso e faça pesquisas

- faça perguntas sobre aspectos específicos do grupo que o preocupam.

- não procure evitar que a pessoa sinta separada da sociedade.

Os membros de grupos de culto são frequentemente avisados ​​de que as pessoas de fora não conseguem compreender as experiências dos convertidos. Rotular o grupo como um culto maligno pode reforçar esta crença.

Faça sua pesquisa

A adesão a um grupo sectário é geralmente acompanhada por um efeito pull (o que o grupo atrai) e um efeito push (o que a pessoa está tentando mudar em sua vida). Explorar e identificar estes factores push e pull pode encorajar as pessoas a tomar decisões mais activas e fazê-las pensar sobre a sua própria identidade.

Pesquise o que pode ser problemático neste grupo específico. Pode ser útil fazer perguntas sobre pontos específicos antes de levantar questões. Por exemplo:

- O que aconteceria se lhe pedissem para nunca mais ter contato com sua família? Isso é aceitável e ético? O que eles vão pensar de você deixar a vida deles?

- Quanto dinheiro você acha que é razoável gastar com este grupo?

- Seria uma boa ideia proteger as suas poupanças ou bens, apenas “no caso” de as coisas mudarem com o grupo?

Incentive o pensamento crítico

O uso de “clichês que bloqueiam o pensamento”, frases padronizadas que impedem o pensamento crítico, é frequentemente usado por grupos de culto que visam alinhar o pensamento das pessoas com o dogma.

Por exemplo, más experiências ou doenças podem ser atribuídas ao "carma" ou a atenção às necessidades físicas e emocionais pode ser chamada de "busca própria" ou "promoção do ego". Estas explicações podem ser delicadamente desafiadas através da introdução de outras ideias, apresentadas como possibilidades.

Em alguns grupos, as experiências dos membros são constantemente questionadas e reformuladas. Por exemplo, questionar uma figura de autoridade pode ser evitado acusando o membro de mostrar “falta de fé” ou ordenando-lhe que “medite sobre sua mente negativa”.

Esse tipo de comportamento pode ser comparado ao gaslighting, uma técnica de manipulação que envolve enganar alguém para desconfiar de sua memória, pensamentos e sentimentos, e pode fazer as pessoas se sentirem desorientadas, fisicamente doentes e duvidarem de sua saúde mental.

Perguntas como as sugeridas acima podem encorajar uma pessoa a considerar outras formas de pensar e a se envolver mais claramente com suas próprias experiências e ética. Isto ajuda as pessoas a pensarem de forma mais crítica sobre as explicações dadas por um grupo para justificar comportamentos prejudiciais e a manterem-se em contato com a sua própria bússola moral interna.

Se estiverem entrincheirados no grupo, vale a pena tentar manter a porta aberta. Mesmo o mínimo contato em um aniversário ou Natal pode ajudar as pessoas a saberem que existe uma pessoa amigável por aí. 

Um estudo recente sobre familiares de seguidores do culto mostrou que aqueles que eventualmente deixaram o grupo disseram que os laços familiares próximos fora do movimento eram importantes.

Vida depois

As experiências de partida de grupos religiosos são complexas e diversas. Alguns podem distanciar-se fisicamente de um grupo, mas retêm aspectos da sua ideologia e até mesmo certas práticas por longos períodos após deixarem o grupo. Um exemplo é o movimento Free Zone Scientology, composto por pessoas que praticam as técnicas de Ron Hubbard fora das estruturas da Igreja de Scientology.

Noutros casos, os antigos membros continuam por vezes a ter contato social com pessoas do grupo, especialmente se os familiares ainda forem membros. Eles podem decidir nunca denunciar oficialmente o grupo, ao mesmo tempo que se distanciam da sua visão de mundo.

Não é fácil recuperar-se social e financeiramente após deixar um grupo de culto. De acordo com um estudo recente, é necessário “um esforço emocional considerável” para criar novas conexões sociais e uma nova autocompreensão.

Algumas pessoas podem necessitar de apoio prático para encontrar alojamento, emprego ou formação. Para muitos, o contato com outras pessoas que tiveram experiências semelhantes é importante e gratificante.

As pessoas que abandonam uma seita podem precisar de tempo e de espaços seguros para reavaliar suas experiências. Sempre que possível, é melhor fazer isso com a ajuda de um consultor profissional.

Estes grupos de culto mostram quão poderosa pode ser a nossa necessidade de ligações sociais — tanto para atrair pessoas para estes grupos como para ajudá-las a abandoná-los.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê