Pular para o conteúdo principal

Não acredite que a culpa é do Mercúrio retrógado. É mais uma bobagem da pseudociência

As pessoas instruídas deixaram de acreditar nas previsões do horóscopo por volta de 1.700, mas os jornais, para aumentar a venda de seus exemplares, ressuscitaram essa antiga pseudociência na década de 1920


Eva Botkin-Kowack
jornalista

National Geographic Brasil

Desde uma briga com seu cônjuge até uma peça recém-quebrada em seu carro, Mercúrio, o planeta mais próximo do Sol, é frequentemente responsabilizado pelos infortúnios da vida, grandes e pequenos.

É possível que você ouça a responsabilidade ser atribuída a "Mercúrio retrógrado", referindo-se à forma como o planeta parece retroceder em sua marcha pelo céu por algumas semanas a cada quatro meses. O próximo período que isso ocorrerá será de 1º de abril a 25 do mesmo mês de 2024
.
O aparente movimento retrógrado de Mercúrio é uma ilusão de ótica, e sua suposta conexão com os acontecimentos na Terra (astrologia) é pseudociência. Ainda assim, a ideia de que Mercúrio tem poder sobre nossa comunicação é popular no Ocidente.

O movimento retrógrado tem capturado a atenção dos humanos que observam o céu há milênios. A interpretação astrológica atual dos movimentos dos planetas tem raízes profundas em antigas tábuas gravadas pelos primeiros astrônomos.

Mercúrio retrógrado
é ilusão de ótica

O que acontece durante a retrogradação de Mercúrio?

Na verdade, Mercúrio não está se movendo para trás em sua órbita ao redor do Sol. O movimento retrógrado é uma ilusão de ótica causada pelo fato de todos os planetas se moverem em velocidades diferentes uns dos outros.

“É como dirigir em uma rodovia com várias pistas na mesma direção”, explica Carolyn Ernst, cientista planetária do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, Estados Unidos, e vice-presidente do Grupo de Avaliação de Exploração de Mercúrio da Nasa.

“Se você estiver passando por um carro em outra pista que esteja indo mais devagar, ele pode parecer estar se movendo para trás em comparação com você, apesar de estar indo na mesma direção, e vice-versa. Isso é o que acontece quando Mercúrio passa pela Terra.”

Em meio às ideias centradas na Terra dos astrônomos antigos sobre os céus, um corpo celeste que parecesse se mover para trás teria apresentado um enigma atraente. De fato, o aparente movimento retrógrado dos planetas foi documentado bem no início da história humana.

Primeiras observações registradas de Mercúrio retrógrado

Mercúrio retrógrado foi provavelmente documentado pela primeira vez por astrônomos babilônicos por volta do século 7 a.C., diz Mathieu Ossendrijver, historiador da ciência antiga, assiriologista e astrofísico da Freie Universität, Berlin, Alemanha.

Esses astrônomos antigos gravaram diários astronômicos em tábuas de argila, descrevendo o movimento dos planetas em detalhes — inclusive como Mercúrio parecia desacelerar e dar voltas sobre si mesmo. 

Os astrônomos babilônicos também criaram fórmulas para prever onde os corpos celestes, incluindo Mercúrio, apareceriam no céu.

"Eles tinham uma compreensão matemática muito clara desse movimento", diz Ossendrijver.

"Na Babilônia, os planetas e as estrelas eram vistos como manifestações de deuses", acrescenta. Portanto, qualquer movimento ou fenômeno relacionado aos planetas era visto como sinais a serem interpretados sobre o destino do "rei ou do país", explica Ossendrijver. Os horóscopos mais voltados para o indivíduo surgiram mais tarde, por volta de 400 a.C.

Outro conjunto de tábuas cuneiformes detalhava como interpretar o movimento dos corpos celestes. A tábua que interpretava o movimento de Mercúrio está faltando, informa Ossendrijver, portanto não se sabe que presságios os babilônios viam em Mercúrio retrógrado.

O nome babilônico para o planeta Mercúrio "significa algo como 'o saltitante'", diz Ossendrijver. "É um planeta que pula para frente e para trás. É claro que é o planeta mais rápido e, portanto, há alguma peculiaridade em Mercúrio no céu, algo mercurial, pode-se dizer, que os babilônios já viam nesse planeta."

Como as opiniões sobre astrologia no Ocidente mudaram

A ideia de que as posições e o movimento dos corpos celestes poderiam prever o destino de uma nação, um governante, uma colheita ou um evento perdurou na Europa medieval.

Alguém muito poderoso ia a um astrólogo e dizia: "Quero sitiar um castelo ou atacar meus inimigos, qual é o melhor momento?", cita Nicholas Campion, diretor do Sophia Centre for the Study of Cosmology in Culture, da University of Wales Trinity Saint David, País de Gales.

Acreditava-se que Mercúrio retrógrado impedia esses empreendimentos, bem como as adivinhações desses astrólogos. De fato, acrescenta Campion, alguns astrólogos poderiam dizer que não conseguiam ler o mapa quando Mercúrio estava retrógrado.

Ainda assim, "nenhuma decisão astrológica teria sido tomada puramente com base em Mercúrio retrógrado", explica Campion. Um astrólogo analisaria todo o horóscopo ao responder a uma pergunta de alguém, diz ele.

A astrologia tornou-se popular na Europa já no século 12 e atraiu mais entusiastas depois que a prensa mecânica foi inventada em 1439. Ela ainda não havia sido separada da astronomia como é hoje. Mas as abordagens começaram a mudar em poucos séculos, provavelmente devido a uma combinação de fatores políticos, culturais e científicos.

Em 1543, Nicolau Copérnico propôs que nosso sistema planetário girava em torno do Sol, não da Terra. Quando Galileu começou a usar telescópios nos céus no início dos anos 1600, o modelo heliocêntrico pegou — o que, "para muitas pessoas, tornou a astrologia um pouco menos provável", conta Campion.

Também pode ter havido um componente político que corroeu o interesse pela astrologia, acrescenta ele. Durante as tensões em torno das guerras civis inglesas, em meados de 1600, a astrologia passou a ser associada aos puritanos radicais que derrubaram a monarquia em 1649. Depois que a monarquia foi restaurada, todas as coisas vistas como radicais foram revertidas.

Por volta de 1700, a consulta astrológica para destinos pessoais e o uso de horóscopos pessoais "praticamente desapareceram da Europa (...) e não eram mais levados a sério por pessoas instruídas", diz Campion. A astrologia perdurou apenas na publicação de almanaques mensais ou anuais.

Astrologia: um fenômeno moderno

A astrologia de horóscopo começou a ressurgir por volta da década de 1920, explica Campion, com colunas regulares de jornal descrevendo previsões para os 12 signos do zodíaco. Mas a popularidade do conceito de Mercúrio retrógrado é uma tendência mais recente, diz Jennifer Freed, astróloga com doutorado em psicologia.

Mercúrio retrógrado é um conceito fora dos signos do zodíaco, por isso pode atrair as pessoas que são novas na astrologia, acredita. "É adjacente à experiência de todos", diz ela. "Ninguém fica de fora da conversa".

Como ver Mercúrio retrógrado

Devido à sua velocidade, Mercúrio fica retrógrado várias vezes em um ano terrestre. Observadores atentos do céu poderão observar Mercúrio parecer desacelerar e depois inverter a direção durante esses períodos, diz Ernst.

O truque é observar a posição de Mercúrio no céu em relação às estrelas ou constelações a cada noite clara e anotá-la. Com o passar das noites, esses gráficos mostrarão Mercúrio parecendo desacelerar em sua progressão através da paisagem estelar e, em seguida, dar uma volta sobre si mesmo, antes de continuar.

• Ex-astróloga adverte que a astrologia pode causar danos

• Constelação família é pseudociência a serviço do machismo

Comentários

CBTF disse…
A única coisa retrógrada que realmente existe é o pensamento desses astrólogos e olavistas.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Jornalista defende liberdade de expressão de clérigo e skinhead

Título original: Uma questão de hombridade por Hélio Schwartsman para Folha "Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos"  Disputas eleitorais parecem roubar a hombridade dos candidatos. Se Fernando Haddad e José Serra fossem um pouco mais destemidos e não tivessem transformado a busca por munição contra o adversário em prioridade absoluta de suas campanhas, estariam ambos defendendo a necessidade do kit anti-homofobia, como aliás fizeram quando estavam longe dos holofotes sufragísticos, desempenhando funções executivas. Não é preciso ter o dom de ler pensamentos para concluir que, nessa matéria, ambos os candidatos e seus respectivos partidos têm posições muito mais próximas um do outro do que da do pastor Silas Malafaia ou qualquer outra liderança religiosa. Não digo isso por ter aderido à onda do politicamente correto. Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos. Acredito que clérigos e skinheads devem ser l

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa