Pular para o conteúdo principal

Empresa de Elon Musk implanta um chip cerebral. E não há nenhuma novidade nisso

Experimentos semelhantes ao anunciado pela Neuralink vêm sendo realizado já há algum tempo, mas o interesse do empresário despertará a concorrência


Manuel Martin-Loeches Garrido
professor de psicobiologia, Universidade Complutense de Madrid

The Conversation
plataforma de informação e análise produzida por acadêmicos e jornalistas

O mundo acaba de saber que uma das muitas empresas de Elon Musk, a Neuralink, implantou um chip cerebral em pelo menos um paciente. Quase tudo se desconhece sobre o paciente, exceto que ele pode sofrer de paralisia devido a uma lesão na medula espinhal, ou talvez de ELA.

Após vários anos de desenvolvimento e vários testes inserindo um dispositivo semelhante em animais como porcos ou macacos, a Neuralink testou-o em humanos, o objetivo final e prioritário de todos os desenvolvimentos de estimulação intracraniana.

Telepatia, uma entre muitas

Elon Musk chamou a este dispositivo Telepatia, comunicando, com uma metáfora poderosa, o que este tipo de implantes cerebrais permitirá.

Musk não tem dúvidas de que a telepatia será um fato e anuncia que o paciente poderá fazer ligações, operar um computador ou se comunicar sem movimentar os próprios músculos, que estão comprometidos. Ele fará isso, simplesmente, pensando.

Mas o que Elon Musk apresenta agora não é novidade do ponto de vista do desenvolvimento científico. Nada que os pesquisadores já não soubessem. Nada que outras empresas não tenham desenvolvido e testado em centenas de laboratórios ao redor do mundo.

Dispositivos intracerebrais já em uso

A inserção de eletrodos intracerebrais é uma técnica que existe há décadas e é utilizada há algum tempo no tratamento de diversos distúrbios, desde os mais puramente neurológicos até transtornos psiquiátricos ou mentais.

O implante da Neuralink
não contém avanço científico,
mas Elon Musk não deve
ser subestimado

A neurocirurgia com inserção de dispositivos de estimulação e/ou atenuação ou inibição neurológica já é utilizada regularmente e com sucesso para casos de Parkinson, tremores, distonia, epilepsia, síndrome de Tourette (distúrbio caracterizado pela presença de tiques e movimentos indesejados repetidos) e para transtorno obsessivo-compulsivo.

Chips intracranianos também são usados ​​em casos de depressão, dores crônicas, vícios e até demência e obesidade.

Testes de telepatia

Experimentos interessantes de “telepatia” que tentam “ler” a atividade cerebral e traduzi-la em comandos já foram realizados com sucesso usando eletrodos semelhantes.

Um total de 29 pessoas deram seu consentimento para um estranho experimento: enquanto eram submetidos a uma cirurgia no cérebro para tratar a epilepsia, ouviam Another Brick on the Wall, do Pink Floyd, na sala de cirurgia. Na verdade, as ondas cerebrais, a atividade elétrica das regiões cerebrais sintonizadas com o tom, o ritmo, a harmonia e a letra da música, foram gravadas. 

Dez anos depois, no laboratório, os pesquisadores da Universidade de Berlim que idealizaram a investigação revisaram as gravações e as decodificaram. Trabalhos anteriores já haviam conseguido criar um sistema capaz de discernir estilos musicais lendo apenas as ondas cerebrais. Mas com o Pink Floyd eles deram um passo além: a partir das gravações, eles conseguiram ler frases completas da música completamente reconhecíveis.

Existem também numerosos exemplos de experiências como a anterior, a maioria delas ainda experimentais, que se revelaram bem sucedidas em pacientes com diferentes tipos de paralisia.

Afetam neurônios com impulsos elétricos

Os neurônios, nossas principais células cerebrais, são basicamente dispositivos eletroquímicos. Para se comunicarem, eles usam produtos químicos. Assim, através da farmacologia podemos intervir, mais ou menos diretamente, em distúrbios que afetam o cérebro, como a depressão.


Mas para que a química funcione, os neurônios precisam ser ativados. A atividade química não ocorreria sem as correntes elétricas que geram e viajam através dos próprios neurônios. É por isso que também podemos alterar seu funcionamento por impulsos elétricos. Podemos pensar em “restabelecer” a corrente, nos reiniciando ou alterando as ondas com pulsos elétricos que tratam a depressão ou a dor, por exemplo. Tratamentos com pulsos elétricos para as mesmas coisas que até agora são usados ​​medicamentos.

Existem várias maneiras de fazer isso, e algumas são minimamente ou não invasivas (não entram no cérebro), como a estimulação magnética transcraniana ou a colocação de eletrodos no couro cabeludo. Mas eles não são tão precisos quanto estimular diretamente o cérebro. Ganhamos precisão e, sem dúvida, eficácia, se entrarmos “dentro” da cabeça, se ligarmos os eletrodos diretamente ao cérebro, 
reler um livro

A estimulação cerebral profunda e o registro direto da atividade cerebral têm dado saltos gigantescos nos últimos anos. E isso se deve a uma confluência fortuita de fatores.

Para começar, os enormes avanços na inteligência artificial (IA). Graças a estes algoritmos, que aprendem com a experiência e melhoram os seus ajustes em ensaios sucessivos, a estimulação cerebral profunda e a leitura da atividade cerebral intracerebral estão atingindo marcos anteriormente inimagináveis.


A revista Nature publicou recentemente um interessante estudo com cinco pacientes com graves problemas cognitivos de atenção e memória, resultado de uma lesão nas conexões frontoestriatais do cérebro. Após estimular uma parte do tálamo (núcleo central lateral), melhoraram visivelmente. Eles poderiam finalmente ler livros ou assistir filmes sem perder o fio da meada.

Os algoritmos de IA levaram semanas para aprender como aplicar o choque elétrico no momento e no tamanho certos, mas o esforço valeu a pena. Tanto que um paciente pediu para que o aparelho não fosse desligado, algo necessário para o controle experimental.

Há alguns meses, foram publicados dois artigos na Nature que mostravam como pacientes com ELA avançada, ou paralisia por outras causas, podiam voltar a falar. Um dispositivo intracerebral lia sua atividade em diversas áreas, inclusive na fala, e a traduzia em sons emitidos por um alto-falante, que também emulava sua voz original.

Num futuro não imediato poderemos “ver” diretamente o que um paciente imagina, algo que está sendo trabalhado. E acrescenta e continua. E tudo isso, independentemente de Musk e seu Neuralink.

Elon Musk e as portas do dinheiro

Mas há outro fator que sem dúvida contribui para os enormes avanços que estamos vivendo nos últimos anos, e Elon Musk tem muito a ver com isso. Ele está encorajando a concorrência empresarial e um grande investimento econômico para melhorar os produtos com os quais podemos estimular e ler a atividade cerebral.

Seu dispositivo atual é sem fio e fica muito bem escondido após inserido, dois avanços importantes para o bem-estar dos pacientes. Além disso, sua empresa desenvolveu um método de implantação por meio de cirurgia robótica, que reduz consideravelmente o risco de erro humano.

O indiscutível é que Elon Musk proporciona muita visibilidade. Todos estão prestando atenção ao que o magnata faz ou diz. Portanto, o fato de Elon Musk ter embarcado nesta aventura dá a conhecer esta tecnologia e torna-se foco de atenção social. E isso pode ser muito benéfico.






Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê