Pular para o conteúdo principal

Febre chikungunya é mais perigosa e fatal do que se imaginava, mostra estudo

Tida inicialmente como não letal, a doença tem graves consequências, necessitando de mais verbas para pesquisas.   


André Ricardo Ribas Freitas
 professor de epidemiologia e bioestatística da Faculdade São Leopoldo Mandic

The Conversation
plataforma de informação e análise produzida por acadêmicos e jornalistas

A epidemia de dengue em curso no Brasil tem chamado muita atenção da imprensa em geral, mas pouco tem se falado sobre a febre chikungunya, que está causando epidemias em várias regiões do país.

Nos últimos anos, a emergência do chikungunya nas Américas, e em particular no Brasil, tem suscitado preocupação crescente entre as autoridades sanitárias.

Os documentos oficiais da Organização Mundial de Saúde destacam apenas as “fortes dores nas articulações, que muitas vezes são debilitantes”, afirmando que “sintomas graves e mortes por chikungunya são raros e geralmente estão relacionados a outros problemas de saúde coexistentes”.

No entanto, um conjunto de estudos feitos nos últimos anos mostram que esses conceitos estão superados e precisam ser revistos, principalmente para adequação das prioridades de investimento em pesquisa e incorporação de vacinas contra arbovirus.

Originalmente, a chikungunya foi reconhecida como uma doença pouco letal. Compilamos estudos realizados na última década em países de diversas regiões do mundo e vimos que o vírus CHIKV, causador da febre chikungunya, leva a uma mortalidade muito maior que o vírus da dengue, inclusive em pacientes previamente saudáveis e jovens.

A disseminação do vírus

O CHIVK foi isolado pela primeira vez no Distrito de Newala, atual Tanzânia, na África. Desde sua primeira descrição, os autores relatavam que “era clinicamente indistinguível da dengue, se levarmos em conta a variabilidade inerente dessa doença.” 

Essa semelhança pode ser um dos motivos para haver dificuldade de diagnóstico dos casos, em especial quando há circulação simultânea dos dois vírus.

Doença está se
espalhando pelo Brasil

Os primeiros óbitos por chikungunya foram descritos na Índia durante as epidemias de 1963 em Calcutá e em 1964 em Madras (atual Chennai). Mais recentemente um número grande de óbitos pode ser bem documentado durante a epidemia da Ilha da Reunião em 2006, departamento francês ultramarino no Oceano Índico.

Naquela ocasião, o enfrentamento à epidemia envolveu o envio de equipes especializadas da França Metropolitana, o que pode ter favorecido a identificação e melhor diagnóstico dos casos. Houve relato de [255 óbitos tendo a febre chikungunya como causa básica ou associada], um número extremamente alto para uma população de cerca 785 mil habitantes (taxa de mortalidade = 33,8/100.000 hab.). Alguns relatos detalhados sobre esses óbitos foram publicados em diferentes artigos científicos.

Ainda em 2006, na cidade de Ahmedabad (Índia), houve uma grande epidemia de chikungunya. Porém, nenhum óbito pelo vírus foi registrado oficialmente, mesmo a localidade tendo uma população de 1,1 milhão de pessoas. 

Essa discrepância levou os pesquisadores a analisar o excesso de mortes ocorrido naquela cidade durante a epidemia. O trabalho mostrou que morreram 2.944 pessoas além do que era esperado.

Mortes demais

Excesso de mortes corresponde a um número de mortes que excede o esperado para um determinado período de tempo e localidade, com base em dados históricos e padrões de mortalidade típicos. Ou seja, avalia a quantidade a mais de pessoas que morreram num determinado lugar durante uma epidemia ou catástrofes naturais.

Esse conceito tem sido muito usado para avaliar a mortalidade por COVID-19 em países cuja vigilância não teve capacidade para diagnosticar todos os casos da doença.

Com a introdução do chikungunya nas Américas, o mesmo fenômeno pode ser observado. Em várias localidades do Caribe houve mortalidade elevada associada à ocorrência de chikungunya, sem que as vigilâncias epidemiológicas locais diagnosticassem a maioria destas mortes.

Na República Dominicana, com base em análise de dados oficiais, nosso grupo de pesquisadores identificou um excesso de 4.925 de mortes durante a epidemia de chikungunya em 2014. No entanto, a vigilância epidemiológica local diagnosticou apenas 6 mortes por chikungunya.


Identificamos também em Porto Rico, na América Central, um excesso de 1.310 mortes contra apenas 24 mortes diagnosticadas pela vigilância epidemiológica como provocadas pelo vírus CHIKV. Na Jamaica, observamos um excesso de 2.499 mortes durante a epidemia de 2014, mas a vigilância local não diagnosticou nenhuma morte por chikungunya.

No Brasil, identificamos um excesso de 6.346 mortes durante as epidemias de chikungunya de 2015 e 2016 em Pernambuco, Bahia e Rio Grande no Norte. Contudo, a vigilância oficial diagnosticou apenas 69 óbitos por chikungunya nestes estados.

Para efeito de comparação, em uma das piores epidemias de dengue já vista nesses estados, em 2011, foram notificadas 95 mortes por dengue.

Em meio a esses casos, encontramos evidências das formas graves e fatais em necrópsias realizadas em pacientes que morreram com chikungunya, em estudos de casos controle e também em estudos com dados secundários (obtidos de diversos bancos de dados oficiais e agrupados).

Para investigar o impacto dessa doença no organismo, nosso grupo também avaliou pacientes que morreram de chikungunya no Ceará. 

Nós examinamos o material obtido em necrópsias e constatamos a presença do vírus CHIVK em tecidos de órgãos vitais, como cérebro, coração, pulmões e fígado. Isso mostra que esse vírus afeta vários locais vitais e pode levar o paciente à morte. (https://doi.org/10.1093/cid/ciaa1038).

Um estudo com dados secundários de 100 milhões de brasileiros, publicado recentemente na revista The Lancet Infectious Diseases, também enfatiza aspectos ligados a mortalidade por chikungunya

Outro trabalho feito com dados secundários de 100 milhões de brasileiros para identificar fatores de risco que podem ter contribuído para a morte dos pacientes, destacou que os principais órgãos afetados por esse vírus são o pulmão, cérebro e sistema circulatório.

Mudança para salvar vidas

Os vários estudos mencionados mostram que há uma dificuldade dos órgãos de vigilância em quantificar o poder dessa doença de levar o paciente à morte. Essas dificuldades podem estar relacionadas à falta de recursos, dificuldade de diagnósticos, de notificação da causa de morte e à percepção generalizada de que a febre chikungunya é ainda vista como ameaçadora à vida.

A percepção equivocada sobre a baixa letalidade dessa doença ainda é propagada por organismos oficiais como o ECDC (Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). A mudança de paradigma do chikungunya de uma doença não fatal para uma causa de morte excessiva é fundamental para proteger a saúde pública e salvar vidas.

Ainda não existe tratamento específico contra a doença. O cuidado com o paciente é focado no uso de medicamentos para alívio dos sintomas e suporte clínico para as complicações.

O reconhecimento das formas graves e fatais é fundamental inclusive para que a primeira vacina contra chikungunya, aprovada em novembro de 2023 pela agência reguladora dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), possa ser dada prioritariamente aos grupos de maior disco e incluída no nosso Programa Nacional de Imunizações (PNI).

A vacina foi desenvolvida pelo Instituo Butantan em parceria com a farmacêutica franco-suiça Valneva.

No Brasil, o pedido de aprovação definitivo do imunizante foi enviado pelo Butantan à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 12 de dezembro.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Wyllys luta contra a 'poderosa direita religiosa', diz Guardian

Jornal dedicou texto de 700 palavras ao deputado Wyllys disse que se sente como um Don Quixote O jornal britânico The Guardian afirmou que o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), 37, na foto, tem sido um guerreiro contra a poderosa direita religiosa brasileira. Nesse embate, afirmou o jornal, “o primeiro deputado federal assumidamente homossexual do Brasil precisa de todo o apoio que puder conseguir”. Comparou Wyllys a Havey Milk (1930-1978), que foi o primeiro político gay assumido dos Estados Unidos  - ele foi assassinado. Wyllys disse ao The Guardian que às vezes, nessa batalha, se sente como dom Quixote. “É uma batalha difícil de combater, mas essa é a minha vocação.” Ele afirmou que pregadores radicais evangélicos avançaram “silenciosamente nos corações e mentes” dos brasileiros. “Agora, estamos começando a perceber a força política em que se tornaram.” Para o deputado, os pastores radicais estão com “as mãos sujas de sangue” porque a sua pregação ince...

Em vídeo, Malafaia pede voto para Serra e critica Universal e Lula

Malafaia disse que Lula está fazendo papel de "cabo eleitoral ridículo" A seis dias das eleições, o pastor Silas Malafaia (foto), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, gravou um vídeo de 8 minutos [ver abaixo] pedindo votos para o candidato à prefeitura de São Paulo José Serra (PSDB) e criticou a Igreja Universal e o ex-presidente José Inácio Lula da Silva. Malafaia começou criticando o preconceito que, segundo ele, existe contra pastor que emite opinião sobre política, o mesmo não ocorrendo com outros cidadãos, como operários, sindicalistas, médicos e filósofos. O que não pode, afirmou, é a Igreja, como instituição, se posicionar politicamente. “A Igreja é de Jesus.” Ele falou que tinha de se manifestar agora porque quem for para o segundo turno, se José Serra ou se Fernando Haddad, é quase certeza que será eleito, porque Celso Russomanno está caindo nas pesquisas por causa do apoio que tem recebido da Igreja Universal. Afirmou que apoia Serra na expectativa de...

Padre Marcelo diz não gostar de gatos porque eles são traiçoeiros

Igreja Católica já foi perseguida de gatos Em missa para mais de dez mil fiéis e com transmissão pela TV, o padre Marcelo disse no começo de outubro de 2011 que gosta de cachorro, mas não de gato porque se trata de um bicho traiçoeiro. O padre tem três cachorro e foi mordido pelo vira-lata de sua mãe.

Russas podem pegar até 7 anos de prisão por protesto em catedral

Protesto das roqueiras Y ekaterina Samutsevich, Nadezhda  Tolokonnikova  e Maria Alyokhina durou apenas 1m52 por Juliana Sayuri para Estadão Um protesto de 1 minuto e 52 segundos no dia 21 de fevereiro [vídeo abaixo]. Por esse fato três roqueiras russas podem pagar até 7 anos de prisão. Isso porque o palco escolhido para a performance foi a Catedral de Cristo Salvador de Moscou. No altar, as garotas da banda Pussy Riot tocaram a prece punk Holy Shit , que intercala hinos religiosos com versos diabólicos como Virgin Mary, hash Putin away . Enquanto umas arranhavam nervosos riffs de guitarra, outras saltitavam, faziam o sinal da cruz e dançavam cancã como possuídas. As freiras ficaram escandalizadas. Os guardas, perdidos. Agora as rebeldes Yekaterina Samutsevich  (foto), Nadezhda Tolokonnikova (foto) e  Maria Alyokhina (foto) e  ocupam o banco dos réus no tribunal Khamovnichesky de Moscou, acusadas de vandalismo e ódio religioso. Na catedral, as...

Livro mostra o que a Bíblia tem de bizarro, hilário e perturbador

O jornalista americano David Plotz ficou surpreso ao descobrir na Bíblia que Deus tem obsessão por carecas.

Ateus de 25 cidades confirmam participação em encontro

Encontro também se destina a agnósticos e humanistas em geral Até o momento, jovens ateus, agnósticos e humanistas de 25 cidades de diferentes regiões do Brasil já confirmaram participação no 2º Encontro Nacional de Ateus. O encontro será realizado no dia 17 de fevereiro de 2013 em cada uma das cidades inscritas, sob a coordenação da SR (Sociedade Racionalista). Trata-se de uma entidade que defende os princípios do laicismo, mas não é antirreligiosa, até porque, de acordo com seu site, cultiva o pluralismo de ideias. O vídeo institucional do evento reproduz áudio de uma entrevista onde Drauzio Varella diz que os ateus hoje estão tendo a coragem de “sair do armário”. Também destaca uma famosa frase do cientista britânico Richard Dawkins segundo a qual todos são ateus em relação ao deus ou deuses dos outros. Segundo ele, a diferença em relação aos que se assumem como ateus é que estes não acreditam em deus algum. Segue a relação das cidades já confirmadas, com seus respectiv...

Malafaia se refere a Wyllys como deputado ‘safado, mentiroso’

Malafaia disse que ser gay  é um comportamento O pastor Silas Malafaia (foto), 53, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, se referiu como “safado, mentiroso” ao deputado federal segundo o qual a igreja evangélica causa tortura física e psicológica quando se propõe a curar a homossexualidade. Ele não citou o nome do único deputado federal assumidamente gay, Jean Wyllys (PSOL-RJ). Foi esse deputado que recentemente acusou igrejas de causarem  sofrimento aos gays ao considerarem a homossexualidade uma doença que tem cura. Malafaia, que é formado em psicologia, afirmou que “a igreja não cura”, mas propicia a “libertação” [da homossexualidade]. Para ele, “ninguém nasce homossexual” porque se trata de “um comportamento como tantos outros”, a ponto, inclusive, de haver ex-gays. “Existe uma associação de ex-gays”, disse o pastor ao portal iG. “O cara que preside foi travesti em Roma, com silicone no peito e na bunda (ri). Ele é casado há dez anos.” Ele acusou, mais...