Doador com descendência excessiva pode ter como consequência implicações biolegais (herança), morais (incesto) e degeneração do indivíduo decorrente da endogamia
Manuel Garcia Ortiz
doutorado em direito, é especializado em bioética e direito da deficiência. Universidade de Castilla-La Mancha, Espanha
Luis Arroyo Jiménez
professor de direito Administrativo, Universidade de Castilla-La Mancha
Amsterdã, uma tarde de verão. Contemplamos a cena de dois jovens que se conhecem e estabelecem um relacionamento casual. A noite termina, felizmente para eles, com um encontro sexual.
No dia seguinte, continuando com esta cena, durante uma conversa em que se conhecem e aprofundam a relação, descobrem (que coincidência) que ambos nasceram por meio de uma técnica de reprodução assistida: a fertilização in vitro (FIV), graças à doação de uma pessoa anônima. Algo que é cada vez mais comum hoje em dia, embora não seja um tema comum de conversa nos primeiros encontros.
Pode surgir uma questão perturbadora: qual é a probabilidade de ter sido o mesmo doador de esperma quem contribuiu para ambos os nascimentos? Ou seja, eles são irmãos por parte de pai.
Em março de 2023, o caso de um doador de esperma holandês que poderia ter gerado mais de 550 filhos chegou aos meios de comunicação social. A mãe de um deles moveu uma ação judicial para impedi-lo de fazer novas doações no futuro.
É claro que o doador recorreu a subterfúgios para burlar as regras das clínicas onde doou, mas aparentemente não cometeu especificamente nenhum crime nos termos da lei holandesa, uma vez que esta não estabelecia nenhum limite ao número de descendentes gerados, embora desde então 2004 eliminou o anonimato completo dos doadores.
doutorado em direito, é especializado em bioética e direito da deficiência. Universidade de Castilla-La Mancha, Espanha
Luis Arroyo Jiménez
professor de direito Administrativo, Universidade de Castilla-La Mancha
Amsterdã, uma tarde de verão. Contemplamos a cena de dois jovens que se conhecem e estabelecem um relacionamento casual. A noite termina, felizmente para eles, com um encontro sexual.
No dia seguinte, continuando com esta cena, durante uma conversa em que se conhecem e aprofundam a relação, descobrem (que coincidência) que ambos nasceram por meio de uma técnica de reprodução assistida: a fertilização in vitro (FIV), graças à doação de uma pessoa anônima. Algo que é cada vez mais comum hoje em dia, embora não seja um tema comum de conversa nos primeiros encontros.
Pode surgir uma questão perturbadora: qual é a probabilidade de ter sido o mesmo doador de esperma quem contribuiu para ambos os nascimentos? Ou seja, eles são irmãos por parte de pai.
Em março de 2023, o caso de um doador de esperma holandês que poderia ter gerado mais de 550 filhos chegou aos meios de comunicação social. A mãe de um deles moveu uma ação judicial para impedi-lo de fazer novas doações no futuro.
É claro que o doador recorreu a subterfúgios para burlar as regras das clínicas onde doou, mas aparentemente não cometeu especificamente nenhum crime nos termos da lei holandesa, uma vez que esta não estabelecia nenhum limite ao número de descendentes gerados, embora desde então 2004 eliminou o anonimato completo dos doadores.
Legislação precisa considerar inclusive o congelamento de esperma |
Em Espanha, a Lei 14/2006, de 26 de maio, sobre técnicas de reprodução humana assistida, exige um contrato de doação no qual seja garantida a saúde física e mental do doador. A lei garante o anonimato, mas também o direito de acesso à informação genética por parte de filhas e filhos ou dos seus representantes legais por meio de um Registo Nacional de Dadores.
Na verdade, está prevista a possibilidade de revelar a identidade de quem fez a doação em caso de risco de vida do filho ou filha. A mesma norma legal estabelece o limite de seis nascidos vivos, minimizando o risco estatístico de encontro indesejado entre seus descendentes.
Limites para evitar endogamia
A doação de esperma é um processo no qual um homem doa seu esperma para ajudar outras pessoas ou casais que desejam ter filhos. Porém, quando um doador tem descendência excessiva, surgem complicações importantes do ponto de vista estatístico, pois aumenta a probabilidade de um encontro casual entre duas pessoas que são irmãs, geneticamente falando.Por esta razão, além de se estabelecerem limites à doação relacionados com as condições de saúde do doador — por exemplo, para prevenir infecções transmissíveis por esta via — há também uma tendência para limitar o número de filhos para prevenir situações de endogamia.
Por quê? Essencialmente porque a endogamia, ou seja, gerar descendentes entre parentes ou em grupos populacionais muito pequenos e fechados, pode aumentar as chances de problemas genéticos ligados a doenças transmitidas por genes recessivos. E isso o torna considerado clinicamente desaconselhável.
Além disso, a doação também pode aumentar a probabilidade de ocorrência de situações de incesto por desconhecimento. O problema tem dimensões de natureza científica, moral e jurídica.
A responsabilidade dos doadores
Do ponto de vista ético, surgem questões importantes sobre a responsabilidade dos doadores. Se os dadores não forem honestos e fornecerem informações falsas sobre o número de vezes que doaram esperma ou sobre as suas doenças, a saúde, a liberdade de escolha baseada no conhecimento e o bem-estar das pessoas concebidas através da doação ficam em risco.No caso do doador holandês, verificamos que ele também fez doações em diversos países da Europa, uma vez que várias clínicas na Holanda vetaram as suas contribuições. A ausência de um registro centralizado e de legislação europeia comum sobre esta matéria facilita a ocorrência dessas situações.
No Reino Unido, a doação anônima de esperma está proibida desde 2005, o que fez com que o número de doações diminuísse significativamente. Também na Alemanha é proibida a doação anônima e é garantido o direito da criança concebida de conhecer a identidade do doador.
Além desta questão, colocada como um conflito entre o direito à saúde e à informação e o direito do doador ao anonimato, a doação e o congelamento de esperma, óvulos e embriões levanta outras questões bioéticas e biolegais.
Por exemplo, em casos de falecimento do doador não anônimo, podem surgir conflitos de interesses entre a sua vontade e o destino desses materiais biológicos.
Se os gametas (espermatozoides ou óvulos) ou embriões forem congelados e o divórcio e a subsequente morte do doador ocorrerem algum tempo depois, seu ex-parceiro pode usá-los para fins reprodutivos?
Como isso afeta os direitos dos descendentes sobre a herança paterna? E se a sua utilização não for possível, quem determina as condições da sua destruição?
Como acontece frequentemente nos problemas bioéticos, os avanços tecnológicos ocorrem antes de todas as suas implicações sociais serem regulamentadas e, geralmente, antes que as regulamentações legais contemplem possíveis situações relevantes. Tudo acaba sendo mais complexo e problemático do que inicialmente previsto.
À medida que a tecnologia avança e novas técnicas de reprodução assistida são desenvolvidas, é importante abordar estes dilemas de uma forma bioética e procurar soluções que protejam os direitos de todas as pessoas envolvidas.
É também importante harmonizar a legislação mundialmente por meio de tratados internacionais. E ao nível específico da União Europeia, seria aconselhável ter um sistema de registo comum e diretrizes vinculativas entre os países membros.
> Este artigo foi publicado originalmente em espanhol.
Como acontece frequentemente nos problemas bioéticos, os avanços tecnológicos ocorrem antes de todas as suas implicações sociais serem regulamentadas e, geralmente, antes que as regulamentações legais contemplem possíveis situações relevantes. Tudo acaba sendo mais complexo e problemático do que inicialmente previsto.
À medida que a tecnologia avança e novas técnicas de reprodução assistida são desenvolvidas, é importante abordar estes dilemas de uma forma bioética e procurar soluções que protejam os direitos de todas as pessoas envolvidas.
É também importante harmonizar a legislação mundialmente por meio de tratados internacionais. E ao nível específico da União Europeia, seria aconselhável ter um sistema de registo comum e diretrizes vinculativas entre os países membros.
> Este artigo foi publicado originalmente em espanhol.
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